BEBIDA: Saquê, a bebida oriental que invadiu o ocidente

 

A culinária japonesa já foi tão bem incorporada à mesa dos brasileiros que algumas casas de sushis e derivados oferecem versões, digamos, subvertidas das iguarias, acrescentando chocolate, frutas e cream cheese, por exemplo. Outra especialidade japonesa que também caiu no gosto dos latinos foi o saquê. A bebida feita de arroz (sim, arroz, que combinado com feijão é um típico prato brazuca!) faz parte da cultura do Japão e surgiu meio que por acaso. Conversamos com o Celso Norio Ishiy, especialista em saquê e com Agnes Higa, sommelier do restaurante Momotaro para conhecer a história da bebida, os tipos e como harmonizar com pratos japoneses e brasileiros. Um brinde!

UMA BEBIDA DOS DEUSES

A origem de fato do Saquê é um tanto quanto misteriosa, assim como a arte milenar de sedução das gueixas. Segundo lendas japonesas, o saquê foi descoberto por acaso quando alguém deixou o arroz mofando e que por consequência acabou fermentando. Posteriormente quando foram experimentar, o arroz havia se transformado em uma espécie de mingau, e por ter se transformado em álcool, causou estado de euforia. Como o saquê é feito de arroz e na mitologia japonesa há um deus do arroz e da agricultura, Inari, a bebida, que antes foi considerada comida (o mingau, lembram?) é considerada uma bebida dos deuses.

O saquê ainda era um mingau em meados do século V a.C, no chamado período Nara (O período tem início quando a imperatriz Genmei transfere a capital imperial para Nara, cuja construção baseava-se na capital chinesa Tang), pois nesta época os produtores ainda não conheciam as técnicas de fermentação. Isso só veio a acontecer séculos e séculos depois transformando o mingau em bebida. E mais, saquê só veio se tornar o nome próprio da bebida feita de arroz por conta dos estrangeiros e da falta de comunicação. Explico: saquê, no Japão antigo se referia a qualquer bebida alcoólica e a bebida fermentada de arroz se chamava Nihonshu (Nihon = Japão / Shu = saquê). Os estrangeiros viam comumente os japoneses falando “saquê” ao tomar nihonshu e assim foi feita e espalhada esta assimilação.

DOS DEUSES PARA OS REIS, DOS REIS PARA O POVO

A importância do saquê para os japoneses se deve ao fato do seu lugar na história e na cultura nipônica e por isso atravessa gerações e classes sociais. No início a bebida tinha caráter elitista, pois era encontrada nos palácios reais, mas como o que é bom acaba caindo nas graças do povo, o saquê passou a ser apreciado pelos japoneses de todas as classes e faixas etárias. E como Japão, além de sinônimo de modernidade é também tradição pura, os mais velhos preferem saborear o saquê de forma tradicional: puro. Já a nova geração está experimentando novas formas criativas de consumo como o sparkling (semelhante ao espumante) e o frozen, considerados novidades no mercado.

E TUDO TEM MUITO A VER COM A ÁGUA

O vinho (a comparação se deve ao fato dos americanos chamarem o saquê de “vinho japonês”.) costuma se diferenciar pela região da uva usada na fabricação. Antigamente, acontecia o mesmo com o saquê, mas hoje, devido ao controle que o homem pode ter do ambiente o arroz pode ser trazido de qualquer região para onde ser quer produzir a bebida. Dessa forma uma das maiores influências que o saquê sofre na sua produção, não é da regionalização do arroz em si, mas da água, pois esta é sempre local, originária de onde se fabrica. Apesar das diversas fontes existentes no país, estudos indicam que a melhor água para a produção de saquê é a “Miyamizu” (miya= templo, sagrado / mizu = água), que fica na região de Nara no Japão. Depois da água, aí sim, vem o arroz e o seu grau de polimento como o segundo ingrediente influenciador na qualidade do saquê.

Há vários tipos de arroz para a produção da bebida dos deuses, inclusive os utilizados na alimentação. No entanto, no Japão, especialmente, utiliza-se um tipo de arroz diferenciado e melhor para a produção que é o chamado “arroz branco especial”. Ele contém um miolo mais puro de amido, de grande importante para o saquê e contém menos “impurezas”. Dentre ele se destaca o “Yamadanishiki”, pela sua propriedade de absorção da água e por se dissolver mais facilmente.  Em seguida temos o “koji-kin” (espécie de fungo), responsável pela transformação do amido em glicose (açúcar) e as leveduras que transformam o açúcar em álcool. Com relação ao teor alcoólico a média é de 15%, mas temos o tipo genshu que leva menos adição de água e por isso tem teor próximo a 20%, um exemplo desse tipo é o Yaegaki frozen. O saquê tipo Premium (categorias guinjo e daiguinjo) mesmo em excesso, praticamente não causa ressaca, já que utiliza apenas 30% do polimento do arroz e as impurezas são descartadas nos 70% que são jogados fora.

DO JAPÃO PARA O MUNDO

Em tempos de comunicação e locomoção difícil o saquê era originalmente um produto local, produzido manualmente com fermentação espontânea e  feito somente para a região de sua produção, com a modernização e a globalização o saquê não só começou a ser produzido em escala industrial como ganhou o mundo através da exportação ou da produção em outros países como Estados Unidos, China, Coréia, Brasil. Apesar de ainda existir saquês de produções artesanais locais, eles também podem ser adquiridos em lojas especializadas, supermercados e até lojas de conveniência.

A ESCOLHA

No Brasil ainda estamos na fase de conhecer os saquês, em especial os Premium. E fazer a escolha depende de algumas variáveis, tais como degustação, harmonização com um prato, preferência por sabores mais frutado ou mais seco, Para cada exigência do paladar há um saquê específico. Com relação as marcas, a tarefa também não é fácil, já que uma mesma marca oferece diversas categorias de saquês. Por exemplo, uma determinada marca pode oferecer saquês honjozo (com adição de álcool etílico), junmai (sem adição de álcool), guinjo (premium) e daiguinjo (super premium).

HONJOZO – É acrescentada pequena quantidade de álcool destilado  (não pode ultrapassar 30% do total de álcool, no entanto, esse controle só existe no Japão, outros lugares podem colocar mais de 30% de álcool destilado. Quando existe o controle, o acréscimo só muda o tipo, sem perder qualidade.
Acima dos 30% de destilado só estará reduzindo custos e utiliza 70% do grão de arroz.

JUNMAI – Significa “puro, verdadeiro”. É considerado o verdadeiro saquê sem adição de álcool etílico. O álcool existente é produto apenas da fermentação do arroz. Geralmente é encorpado e levemente ácido.
Existem outras categorias de saquê que são determinados pelo grau de polimento do arroz e sua temperatura de fermentação. Quanto maior o polimento, mais refinado é o saquê. Nesta categoria temos:

FUTSU U – Em japonês, quer dizer “comum”. Utiliza diversos tipos e tamanhos de arroz, podendo não ter polimento nenhum.

PREMIUM – Polimento mínimo de 30% do arroz, aproveitando-se no máximo 70%. Entre os premium, estão os:

GUINJO – Um saquê super premium, que utiliza 60% do grão de arroz, polindo-se no mínimo 40% e fermentado em temperaturas menores que o premium. Levando mais tempo, mas produzindo um saquê mais rico e aromático.

DAIGUINJO – Um saquê super premium, já que o polimento do arroz mínimo é de 50%, o que lhe confere um sabor rico, aromático e frutado. É fermentado em temperaturas menores que o guinjo.