CRÔNICAS & INDAGAÇÕES: AMOR TARDIO

Por Hilaine Yaccoub

Investir em um relacionamento após determinada idade é um desafio dos grandes. Você não tem mais aquela paciência para fantasias descabidas, a lá Romeu e Julieta e, simplesmente, não está mais a fim de “perder” tempo com certas besteiras que décadas atrás mudariam o rumo da sua existência (tudo era uma questão de vida e morte). Os dramas já não precisam ganhar tanta tinta (longe de mim Almodóvar) e você procura o tão esperado e seguro sossego, a tal “sorte de um amor tranquilo” como diria Cazuza.

No começo é quase sempre uma grande investigação. Uma curiosidade calcada no medo te move e você se sente um detetive da CIA, tudo pode ser um indício de um “crime”, uma peça do quebra-cabeças que (talvez) poderá fazer todo sentido no final da trama. Enquanto isso, você se diverte, se descontrai, aguça seus sentidos e segue caminhando cheia de interrogações na cabeça. Perfume em dia, sorriso largo, roupa impecável e vamos lá para dividir momentos com o outro…nesse período nada pode ser mais ou mesmo, é preciso eleger programas que causem efeito UAU.

Passa o tempo e algumas hipóteses se confirmam, você vai aprendendo a lidar com os esqueletos escondidos no fundo do baú (os seus e os dele/dela), e começa a criar um repertório único, que não partiu do zero, mas de experiências passadas que te fizeram ser quem você é e logicamente ele/ela também.

A melhor metáfora que vem a minha cabeça é a de uma nova personagem que chega no seriado na última temporada. Ela chega, tem todo um enredo estabelecido e precisa lidar com tudo como se fosse o começo, mas não é. Essa personagem pode ganhar grande importância, ou não. Depois de alguns episódios poderá ser assassinada, caso não conquiste seu lugar de destaque, ou virar a grande peça-chave da história e pronto; se eternizar na mente dos telespectadores.

Também passamos a vestir o jaleco de farmacêuticos, conhecemos nossa bula do início ao fim. Nossas contraindicações, posologia, reações adversas etc. Com as tentativas, ao longo do tempo aprendemos mais sobre nós mesmos do que sobre o outro. O outro sempre é o outro, mas nós estamos aqui, convivendo com a mesma pessoa desde o nosso nascimento. Se pensarmos bem e exercitarmos um pouco da autorreflexão, poderemos saber tanto sobre nós, as armadilhas que criamos, as mentiras que inventamos para nós mesmos, a felicidade das pequenas coisas que passam despercebidas e nem nos damos conta… Aprender sobre si mesmo causa um efeito devastador, otimista e extremamente revolucionário. Por que não tentar?

Autoconhecimento é o caminho para viver uma vida plena. Seja consigo ou com um novo amor, não demore para mergulhar na sua alma. Somos profundos o suficiente para dar grandes saltos e fazer piruetas nesse doce e azul mar sem fim, basta ter coragem e encarar os medos e fantasmas. A água gelada da piscina assusta, eu sei, mas logo que a sensação de milhões de punhais te espetando passa, o equilíbrio térmico atua e é aí que você consegue relaxar.

Pensa: quando a gente perde medo do frio, vive o prazer de se sentir mais leve, mais refrescado e possivelmente mais livre. Se conhecer é libertador porque te traz segurança. Os abalos chegam, mas não te derrubam, porque você já virou um bambu, daqueles que se envergam, mas não quebram.

Aprenda a ser a simplicidade do bambu.

Eu sei, todos querem ser uma árvore repleta de flores ou frutas suculentas. No entanto, as flores e as frutas vêm e vão, passa o tempo estão sem graça e quase sem função, demora um bom tempo para florescer ou dar o fruto da estação. Já o bambu… O bambu te dá equilíbrio. Mais vale a beleza do equilíbrio que a formosura fugaz de uma floração, acredite.

Uma vez bambu, o amor tardio chega. Você tem forças para lidar com os ventos, com as incertezas e com a incredulidade que te cabe. Será que ainda é tempo de amar? Será que ele é assim mesmo? Será que eu posso confiar?

Confie. Lembre-se que você não quebra.

E se permita ser surpreendido pelo amor tardio. Se permita surpreender. Nesse momento, a palavra de ordem é doação.

Doar-se não é um sinal de fraqueza e sim de poder. Só serve quem tem segurança suficiente para tal. E o bambu? Serve para dar sombra, para refrescar, para fazer móveis, artesanato… Bambu não quebra, lembra?

Seja bambu e dê boas-vindas ao amor tardio.