CRÔNICAS & INDAGAÇÕES: Briga de menino

Meninos brigam. Acontece. É um dos rituais de crescimento que todo garoto deve passar. Os mais sortudos possuem irmãos para praticar em casa antes de enfrentar a vida real. Os filhos únicos precisam se virar com o conhecimento teórico adquirido com videogames e desenhos animados. Costumam ser os primeiros a tombar. Mas todos passam por alguma briga. Não é que a meninada queira, na maioria das vezes, sair no braço uns com os outros. Ninguém com juízo quer e crianças, mesmo as do sexo masculino, são criaturas extremamente lógicas. É só que se espera que, em determinadas situações-limite, a pancadaria aconteça de maneira mais ou menos espontânea. Coisa de macho. O que não impede ninguém de sentir medo. Medo de apanhar, claro, ou pior, ser tachado de covarde. Medroso. Borra-botas. Cagalhão. O cagalhão não tem o respeito dos seus pares. O cagalhão é um pária a cada intervalo de aula. Claro, no fundo, todos somos cagalhões, em maior ou menor grau. O segredo é fazer com que o adversário se revele primeiro. Na infância, a grande maioria das brigas se resume a provocar um ao outro enquanto a visão periférica busca desesperadamente um professor ou alguém com autoridade para interromper o embate antes que alguém precise ir às vias de fato.

– Vai encarar? Vai encarar?
– Vou encarar! Tu vai encarar?
– Vou! Vai encarar?
– Já disse que vou, zé-ruela!
– Então vem!
– Vem!
– Vem!
– Te fode!
– Te fode tu!
– Vem!
– Vem!
– Né homem não é?
– Pega aqui!
– Pega aqui tu!
– Vem!
– Vem!

A troca de insultos, nem sempre muito criativos, pode durar toda uma eternidade ou o tempo do recreio, o que acabar primeiro. Não é incomum que os lutadores, em acordo tácito e silencioso, estendam as preliminares até que sejam obrigados a voltar para a sala de aula, evitando o derramamento de sangue e, consequentemente, a diversão dos colegas, geralmente reunidos em círculo ao redor. Vez por outra, contudo, o destino reúne oponentes que verdadeiramente desejam se enfrentar, a vontade de remodelar o rosto do desafeto na base da mãozada provando-se mais forte do que o instinto de autopreservação. Quando isso acontece, é necessário que a provocação atinja níveis épicos de avacalhação, assegurando uma reação violenta por parte do ofendido. O método clássico e virtualmente infalível é xingar a mãe.

– Esse círculo aqui é a mãe de fulano, oeeeeeeeeeeeeeeeeee!

Nesse momento, o autor da injúria se dedica a realizar coisas indizíveis com o anel desenhado na areia. Pisar e cuspir na genitora metafórica são atitudes válidas e prontamente encorajadas pela plateia, sempre munida de sugestões úteis. Uma vez vi um menino, que tinha fama de maluco, arriar as calças e ficar de cócoras em cima do círculo, obrando enquanto ria maniacamente. Dizem que o outro garoto desenvolveu problemas psicológicos graves. Até hoje, não consegue dar uma barrigada sem pensar na mãe. Mas isso ainda é pouco. Quando inimigos jurados resolvem se enfrentar, a coisa é levada a outro nível e qualquer chance de uma solução diplomática vai para o saco.

– Esse círculo aqui é o CU DA MÃE DE FULANO, OEEEEEEEEEEEEEEEEEE!

 

Se botar a mãe no meio já é imperdoável, especificar partes do corpo é fazer a injúria render pelas próximas 17 gerações. Nessa modalidade, além das esculhambações já citadas, alguns incautos se dedicam ao imperdoável mergulho. O ato consiste, basicamente, em se lançar sobre o círculo, de bruços, por vezes com a braguilha aberta, e molestar violentamente a caricatura de ânus da mãe alheia. Um movimento tão ousado quanto perigoso, já que o ofensor se expõe à fúria do seu antagonista, que muitas vezes emenda o mergulho do outro com uma bicuda bem dada no nariz. Nesse momento, agressor e agredido rolam engalfinhados sobre o brioco da discórdia, enquanto uma mãe, em algum lugar, sente uma sensação indescritivelmente incômoda em seu ser.

Já me envolvi em brigas e já estimulei várias outras. Hoje, adulto, sinto-me na obrigação de evitar que a meninada se meta em situações que podem custar uma amizade ou um membro. Dia desses, vi dois garotos embolando pela rua, gritando e xingando um ao outro. Separei os moleques e tirei o maior de cima do menor. Em meu melhor tom professoral, palestrei sobre os horrores das brigas infantis, as vidas destruídas, as mães irrecuperavelmente escrotizadas. Eles olharam um para o outro. O mais alto deu uma goipada catarrenta na areia.

– Te fode.

– A gente só tava brincando, zé-buceta! – concluiu o menorzinho, cara de anjo, enquanto se afastava coçando o traseiro cheio de terra.

Pensando bem, as mães que me perdoem, mas brigar quando se é criança é uma delícia.

 

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