ENTREVISTA: Erom Cordeiro mostra suas mil faces do talento

Por André Porto & Nadezhda Bezerra / Fotos Sergio Santoian

Erom Cordeiro é antes de tudo uma grata surpresa. Com uma trajetória de personagens densos e por muitas vezes polêmicos, o ator se mostra uma pessoa leve e diplomática ao tratar de assuntos como religião e castidade. Bem humorado, carismático, e segundo ele mesmo, “tagarela”, Erom falou de suas travessuras de menino em Maceió, sua terra natal; de como recarrega as energias no mar alagoano e da forte ligação com suas bases familiares. Quando menino, tinha desejo de ser carteiro só para levar notícias para as pessoas, virou ator e de alguma forma, como um carteiro, entra na casa delas pela televisão, e em suas emoções pelo teatro e cinema. As notícias vêm através de seus personagens e das histórias que contam, como o Padre Francisco em “Morde & Assopra”, atual novela das 19h na Rede Globo, ou Robson Félix, o malabarista do filme “O Palhaço” com estréia para breve. Conheça um pouco mais deste brilhante ator que quer conhecer o mundo e arriscar-se mais na vida.

Você estreou no teatro em 1993 e passou quase 10 anos para estrear na TV. Isso foi uma preferência por atuar no teatro ou uma questão de oportunidades?
Quando eu comecei a fazer teatro foi em Maceió, era um curso técnico da universidade. Aí eu comecei a ver aquilo e aí à primeira vez que pisei no palco eu falei: é isso que eu quero mesmo. Aí eu comecei a devorar a biblioteca da faculdade, comecei a ler muito dramaturgia mesmo. E resolvi que era aquilo mesmo que eu queria fazer. Daí fui pro Rio de Janeiro, fiz vestibular passei e fui pra lá de vez. A minha intenção mesmo era me instrumentalizar, quero pisar firmemente no terreno que to pisando. Então a minha idéia realmente inicial era fazer teatro, teatro, teatro. Por acaso, eu fui pro Rio em 95 e em 97 eu fui fazer uma primeira mostragem para Rede Globo, pra eles terem lá no arquivo deles. Eles me chamaram para fazer um teste para oficina de atores. Aí pensei: ok, vamos lá fazer.
Você chegou a fazer a Malhação?Fiz. Fiz em 98, mas antes eu fiz um teste da oficina e passei. Eu fazia a oficina em paralelo com a faculdade de teatro. E nisso eu já tava fazendo peça no Rio de Janeiro e tal e lá foi meu primeiro contato com câmera e comecei a gostar. A oficina de atores da Globo é muito intensa, muito bom mesmo fazer e daí, logo em seguida, eu entrei em Malhação fazendo um papel pequeno, mas também foi uma escola, foi onde comecei a ver como era um set de gravação, câmera… você vê cinco câmeras e fica meio perdidão, se perguntando: pra onde eu olho? (risos)
O começo é o teatro…
Na verdade acho que o caminho pra mim foi muito gradual, muito aos poucos e acho que a história de cada um é a história de cada um, não existe uma fórmula, uma equação pra você conseguir chegar num determinado ponto que almeja, então acho que pra mim foi muito degrau a degrau. Eu tava muito focado no teatro e a televisão veio depois e eu fui me aproximando dela muito devagarzinho. Hoje em dia eu tenho uma prazer enorme de fazer TV e quero fazer cada vez mais.
Como se descobriu ator? Sempre quis ser ator?
Não, não. Quando você é criança você sempre quer ser um monte de coisas. Eu lembro que a primeira coisa que eu quis ser era músico. Sou um músico frustrado. Até hoje eu gostaria de ser. Ouço música pra caramba. Tentei aprender instrumentos, mas não consegui. Fiz aula de piano, teoria musical, fiz aula de violão, mas meio que ficou abandonado, mas foi uma das coisas que já me levava pra área artística. O teatro veio quando eu tava saindo do curso de inglês e vi uma placa com curso de formação de ator, inscrições abertas e tal, aí olhei, interessei, uns amigos também ficaram afim, eu tinha uns 15 anos.

O que você lembra da sua estréia no palco?
Comecei meio que sem saber direito. Quando eu fiz catecismo, eu estudei em colégio de freira, e daí tinha umas dramatizações de passagens bíblicas e o meu primeiro papel foi do anjo Gabriel. Aí depois no Auto de Natal eu fiz um dos Reis Magos, foi uma primeira aproximação assim. Depois eu participei de um grupo folclórico que tem lá em Maceió, meu colégio também sempre tinha umas apresentações de coco de roda, festas juninas, folguedos, essas coisas e logo em seguida veio o teatro. Daí eu me inscrevi pro vestibular da faculdade de teatro do Rio, passei e fui com isso na cabeça. Com Foco. Eu sempre gostei de saber bem onde tava pisando. Então sempre que eu pego um personagem eu gosto de estudar ir a fundo. Então o lance de fazer faculdade é que eu queria ter um embasamento teórico, não só a prática.

Foi difícil migrar pra TV? O que de diferente o teatro, a TV e o cinema exigem do ator ao atuar em cada um desses meios?Acho que você precisa passar verdade do personagem e isso é inerente a qualquer veículo, agora a forma como você se coloca difere. No teatro você fala pra uma platéia ali na sua frente todo dia, e todo dia você fala a mesma coisa mas pra platéias diferentes. Na televisão você tem um nível de agilidade muito grande, às vezes você grava as cenas de uma semana inteira num dia só, então você tem de ter uma agilidade de memória, o seu HD tem de estar sempre bem. A TV tem essa dinamicidade que eu gosto muito, você tem de estar sempre muito atento, tem de ter disponibilidade. O cinema já tem um tempo maior de preparação. Os três têm essas características diferentes, mas você, como ator, tem de estar ali presente.
Muito ator fala que o teatro é a base, é onde se começa você acha isso?
Olha pra mim isso faz total sentido mas não acho que seja uma regra, porque eu vejo, conheço grandes atores, inclusive ídolos de cinema que quase não fizeram teatro. Não é uma regra e nem por isso desmerece quem nunca fez. Temos grandes atores e atrizes que fizeram toda a sua carreira em televisão. Ao mesmo tempo eu acho que o teatro te dá uma noção, uma vivência que é única. Não que isso seja melhor ou pior, mas tem uma diferença ali, quando você tá na frente de uma platéia, você não pode parar se acontecer alguma coisa, você tem de dar o seu jeito.
O único recurso que você tem é você mesmo…Pois é, e também com quem você está contracenando. Na TV você pode cortar, editar… Mas não quer dizer que TV seja mais fácil. Tem seu grau de dificuldade e risco também.
A novela América não exibiu o beijo homossexual entre o seu personagem, Zeca e o Júnior, personagem interpretado por Bruno Gagliasso por receio de uma resposta negativa do público. O que você pensa sobre isso? Abordar o homossexualismo é levantar bandeira?Levantar bandeira não, quando a gente fez, isso foi em 2005, a Glória Perez fez muito baseada na trajetória do personagem do Bruno Gagliasso, que era estilista e tinha de fingir que tinha namorada, pra passar uma imagem. Quando meu personagem chega ele é muito objetivo, muito direto. Eu acho que a forma como Glória Perez colocou, não escreveu pra levantar uma bandeira, ela colocou como uma realidade, pra mostrar um lado de um personagem que tava sofrendo e ela quis resolver da melhor maneira. E o fez muito bem. Engraçado que logo em seguida apareceu o filme O Segredo de Brockback Moutain. Aquela coisa dos dois peões, vaqueiros, teve gente que veio perguntar se eu já tinha pedido indenização ao pessoal do filme (risos). Mas acho que não é levantar bandeira, a gente vê coisas que não deveriam acontecer tipo violência contra homossexuais, preconceito e a questão é mostrar os vários lados do ser humano. O folhetim é uma crônica do dia-a-dia, então eu acho que é pertinente você colocar assuntos que são polêmicos, tabus, não só o homossexualismo, mas várias outras questões, assuntos.
Rolou frustração porque a cena não saiu?
Frustração não, mas você joga uma energia… “ok, o papel é esse? vamos fazer.”, fazer com a maior integridade possível e é claro que a gente cria uma expectativa e tal. Eu lembro que foi uma polêmica, eu entrei nos dois últimos meses da novela e a coisa ganhou uma dimensão enorme. Lembro de uma vez abrir o jornal e tava lá :Fernando Gabeira e Severino Cavalcanti brigando, o congresso falando disso… é interessante isso, quando você vê você tá fazendo um personagem que as pessoas comentam, é uma forma de comunicação muito ampla com as pessoas. E acho que to ficando especialista em polêmica. Agora mesmo na novela faço um padre que se apaixona por uma mulher.
Vinícius de Moraes já dizia “a vida é a arte do encontro embora haja tantos desencontros pela vida”. Você concorda?
Sou suspeito pra falar porque adoro os poemas e músicas dele (risos), mas total a ver com a história do Padre Francisco e da Melissa. Ele chega na cidade e encontra aquela beata que faz trabalho voluntário na igreja e surge um encantamento, um sentimento que surpreende ele, um sentimento que ele nunca sentiu, só que ele está numa condição em que ele não pode se entregar, ele tem a sua vocação, seu voto de castidade, de se entregar à religião, então rola mesmo um desencontro. Na novela ele pede uma licença do sacerdócio pra pensar se é isso mesmo que ele quer… essa história de desencontro é também a história da peça que estou fazendo, né?
Em Morde & Assopra você interpreta um padre que foge do amor de uma mulher. Você acha que vida religiosa não combina com o casamento?
Eu acho que cada religião tem seus preceitos, seus dogmas, suas bases sólidas. NO catolicismo a pessoa que entra pro seminário pra se dedicar ao sacerdócio já entra sabendo pelo que vai ter de passar, já entra se colocando nesse lugar de castidade, é uma escolha e ninguém obrigou. É simplesmente uma característica dessa religião. Você que nas religiões protestantes e evangélicas, elas permitem o casamento, então é mesmo uma questão de aceitar as leis de cada religião.
O ser humano é passível de sofrer tentações. Se isso acontece, na novela você tem o Padre lá que é convicto da sua vocação, mas que precisa repensar se é isso que quer pra sua vida. Eu conversei com alguns padres que largaram o sacerdócio e hoje em dia se casaram, tem filhos, e eles disseram que o amor veio de um jeito que não deu pra controlar e aí seria injusto com os fiéis… Tem uma fala na novela que acho bem bacana: “como é que eu poderia falar de fé se eu tenho dúvidas, como eu posso falar de redenção se eu estou pecando?” Então eu acho assim, pintou esse momento crucial na vida do personagem e ele está repensando sobre.
No que você tem fé?
Eu acredito em Deus sim, confesso que tive momentos em que fui bastante cético, de questionamentos mesmo. Porque você vai vendo determinadas coisas, estuda aqui estuda ali, e aí hoje em dia eu sei tranquilamente que eu tenho fé, fé em Deus e Deus nesse sentido… é engraçado, porque quando a gente fala em Deus a gente faz uma visão um pouco romântica, do que é…aquele senhor de cabelo branco…eu vejo isso de maneira um diferente. A maneira de ver Deus é uma coisa que me questiono sempre. Eu acredito, eu tenho fé, mas eu não vejo Deus distanciado, eu vejo Deus aqui, eu olho pra natureza, eu olho pro mar eu vejo Deus ali, não vejo de forma distanciada e opressora, eu vejo Deus participante dessa vida o tempo inteiro, então eu tenho fé, eu tenho fé sim.

“Mais uma vez amor…” apesar das diferenças entre um casal vale à pena insistir em um relacionamento quando ainda há amor?
Tem aquela velha frase que diz assim: “errar é o humano, permanecer no erro é burrice”. (risos) Mas não sei, eu acho que a gente é muito mais complexo, às vezes você sabe que aquilo não vai dar certo mas você teima em ir, quebra a sua cara mas você tem que quebrar a cara pra dizer “errei de novo”, mas não tem uma fórmula certa não. Por exemplo, na peça eles são tipo água e vinho, a personalidade dela é totalmente emotiva, romântica e ele é mais turrão, pé no chão, é quase o estereótipo mesmo do masculino e feminino. Só que ao passar do tempo essas coisas vão se misturando, e aí em um determinado momento que ele está casado, e ela sabe, mas mesmo assim eles ficam… depois ele foge, ela se distancia, daí vem o acaso e reúne eles novamente. Acho que enquanto você tem alguma centelha ali tem de pagar pra ver.

Você já passou por isso?
Olha não, não passei não… É engraçado, nesse sentido eu acho que sou meio racional, pragmático demais.
Se arrepende de ser assim?Não, não, mas eu posso morder a minha língua na próxima esquina (risos)
O que em você reflete sua origem Alagoana?
EU tenho uma coisa que eu sempre tenho de voltar pra Maceió, eu não posso ficar muito tempo sem vir, é onde eu recarrego as minhas energias. Minha família inteira está lá, minhas lembranças de infância, de adolescência, sabe? Eu quase que tenho um ritual. Eu chego lá e tenho que mergulhar na praia que eu ia toda vez quando era criança. Fico que nem hipopótamo sabe? Só com a orelha pra fora (risos).
Eu lembro que na infância minha rua não era asfaltada, era de terra, eu lembro que era muito barro e eu fui uma criança de brincar na rua mesmo, vivia com o joelho esfolado, minha mãe ficava doida comigo (risos). Eu sumia, saia correndo, sabe? Isso pra mim tem um valor enorme, hoje em dia, eu vivendo numa cidade grande, é muito concreto, asfalto… não sei, acho que eu faço parte de uma das últimas gerações que viveu isso. Tá tudo mudando e muito rápido, shopping, playground, videogame, eu fui uma criança que brincou mesmo, eu era como minha mãe dizia, “os pés da foice”. (risos)
Por que homens e mulheres vivem uma eterna “guerra dos sexos”?Bicho, eu acho que é como eu estava falando antes, esse estereótipo do masculino e feminino… acho que ele tem isso, geralmente nós homens somos mais racionais… enfim…é uma grande bobagem, a gente também sente, só que de forma diferente, as mulheres são mais transparentes, elas botam a emoção na cara: se está com raiva vai lá e fala, não guarda. Eu acho que são planetas diferentes mesmo mas que se complementam. Quando existe essa percepção e o respeito por essas diferenças eu acho que aí a química rola e você deixa acontecer.
Fica na paz, né? (risos)Ou não, né? (risos)
O que torna uma mulher interessante? E o que te assusta nas mulheres?
Olha, uma das primeiras coisas que se fala “ah não precisa ser bonita”. A beleza é importante, mas que tipo de beleza? Acho que essa é a questão, existem vários tipos de beleza. Não é uma beleza padrão, é um detalhe, é um jeito de olhar que é diferente. Mas principalmente tem de ter bom humor, não pode ser bitolada com pequenas coisas, tem de ter bom humor, tem de deixar a coisa fluir de uma forma leve, tem de ser inteligente, isso pra mim são características fundamentais. Não to desprezando a beleza não. Acho que a beleza é importante sim, mas não é o único ponto… Acho que existem vários tipos de beleza que não correspondem ao padrão, ao padrão das revistas, que é bom que tenha também (risos)… O que assusta é a imprevisibilidade.
Mas isso é quase que inerente a personalidade feminina (risos)
(risos) É que às vezes, você pode tá abanando isso aqui e daí isso pode virar um furacão, e vem do nada… Calma! (risos) mas acho que essa imprevisibilidade também é um grande atrativo, senão a coisa fica muito chata… É importante dosar, né? (risos)
Seu próximo filme será O Palhaço, ao lado de Selton Mello, como é o seu personagem?
Então, a história é centrada nos personagens do Selton e do Paulo José, são pai e filho donos do circo, e eu faço um dos membros da trupe que é um trapezista, acrobata, metido a galã. Ele pinta o cabelo de louro pra dizer que é russo, que é um artista internacional.
O mundo do circo pode ser uma grande escola? Por quê?
Cara, o circo é o teatro são artes irmãs. O teatro teve um tempo que foi mais essa coisa de rua, meio saltimbanco, ficar viajando de um lugar para outro. E quando a gente está em turnê, viajando de um lado pra outro, a gente vê platéias diferentes, formas de agir diferentes. O circo hoje em dia está passando por um processo de revitalização, teve um tempo que foi marginalizado e o circo, cara…eu fiz uma preparação razoável pra fazer um trapezista e eu saí da preparação com uma admiração total pelos artistas de circo. É uma superação diária, eles trabalham com a dor o tempo inteiro. O circo tem uma disciplina que é louvável, muito bonita, é uma doação, é um bom exemplo pro ator. Fiquei muito tocado com o que vi.
Tem vontade de fazer outras coisas, como escrever, dirigir?
Agora não, mas tenho vontade de, mais pra frente, dirigir…
O que você pretende conquistar e o que espera eliminar daqui pra frente?Eu pretendo continuar trabalhando no que faço, no que amo, pretendo fazer mais, e mais bons personagens, ter mais boas histórias pra contar, quero continuar comunicando até quando eu puder. E um desejo que tenho mesmo é de viajar muito, independente de trabalho ou não, é uma coisa que quero fazer ainda. Talvez o que me fizesse deixar de atuar seria dar um tempo, ficar um tempo em outro lugar, experimentar outra coisa. Eu tenho muita vontade de rodar esse mundão de meu Deus. Eliminar, eu queria eliminar… Eu queria ser um pouco menos racional, queria que a loucura tomasse conta mais vezes. Às vezes eu me programo muito, sou metódico. Queria arriscar mais na profissão, acho que seria bacana como ator, como artista. Sou muito autocrítico, gostaria de me criticar menos em relação ao trabalho.

 

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