ENTREVISTA: Marcos Damigo, num papo sobre cultura, e claro, atuação‏

Marcos Damigo trocou a agronomia pela arte de atuar e foi nessa troca que se descobriu um homem muito mais realizado com seu destino. Marcos se descobriu como pessoa e como ele poderia ser um instrumento de transmitir a arte através de seu talento. Afinal a arte de representar é uma forma de autoconhecimento e de evolução para o ser humano. E assim tem sido a evolução de Marcos Damigo nos palcos, e TV, até hoje. O grande público teve o prazer de conhecer seu trabalho na recente novela “Insensato Coração”, onde vivia um professor de direito que era gay. O personagem terminou coroando a estréia de Marcos no horário nobre na TV Globo e tendo seu talento reconhecido do grande público. Talento esse que hoje em dia ele demonstra na sua atual peça “Deus é DJ”, em cartaz no Oi Futuro, RJ, até dia 11 de dezembro. Visite o site da peça (aqui) e leia essa entrevista que está incrível (assim como esse belíssimo ensaio exclusivo para a MENSCH)!!

Você tem formação técnica em agropecuária e chegou a cursar 2 anos de agronomia antes de se tornar ator. Algo desse tempo te ajudou a ser o profissional que você é hoje? Com certeza, pois uma vida rica em experiências é muito importante pra um ator, é o seu próprio material que ele vai trabalhar depois nos seus personagens. Foi um período de grandes desafios e grandes conquistas na minha vida, onde eu tive que aprender a me virar longe da minha família, descobrir quem eu era de fato, e isso muito cedo, a partir dos quinze anos. Essas experiências catalisaram um profundo processo de autoconhecimento que em última análise desembocou no teatro.
Tinha certeza que trocar a agronomia pelas artes era o seu caminho?
Quando eu abandonei o curso de Agronomia eu ainda não sabia o que queria fazer, e isso dificultou bastante o processo, por um lado. Por outro, minha família sempre me apoiou e confiou em mim, e eu pude viver essa transição entre áreas tão distintas. Contei também com a ajuda de um grande mestre, o escritor e psicanalista Roberto Freire. Foi com ele que eu tive coragem de desconstruir o que eu já era pra que uma possibilidade nova e nunca antes imaginada, que foi o teatro, pudesse surgir.
Como e quando você se descobriu ator?  Foi durante esse processo terapêutico com o Roberto Freire. Ele havia montado um grupo de teatro que funcionava paralelamente à terapia em grupo que eu fazia, chamada Somaterapia. Além disso, eu me matriculei num curso de iniciação ao teatro ministrado pelo Gerson Esteves, ator paulista. Então descobri que o teatro é a ferramenta mais poderosa que existe pra transformar uma pessoa. Eu fui completamente absorvido por esse universo tão vasto e incrivelmente rico de grandes autores teatrais, de jogos e exercícios de teatro e de pessoas maravilhosas que eu fui conhecendo ao longo desse caminho.
A prática da Yoga é melhor para o corpo ou para a mente? Para ambos, pois não acredito que se possa separar uma coisa da outra. Mas yoga é um termo muito vasto, que abrange uma gama muito vasta de práticas, que vão desde meditações, exercícios físicos, práticas de limpeza do corpo e até práticas de trabalho voluntário, só para citar alguns exemplos. Em relação especificamente à pratica física, é uma meditação em movimento. Quando seu corpo flui de uma postura para outra, e o praticante tem a nítida sensação de que não é mais ele que está conduzindo, mas sim que ele somente deixa fluir através dele aquela força, é que se alcança o estado meditativo da prática. E isso tem uma analogia muito grande com o trabalho do ator.
Podemos dizer que seu personagem em Insensato Coração foi um divisor de águas para sua carreira? Qual a importância desse trabalho?Por um lado sim, pois nunca havia feito uma novela na TV Globo, e estive no produto de maior audiência da televisão brasileira. Por outro eu tenho um trabalho muito consistente: além de atuar, eu também produzo, dirijo, escrevo, faço direção de movimento e preparação física de atores através do que aprendi na yoga. Então eu sinto que a novela é mais uma de tantas etapas na minha vida profissional.
A tentativa de se evitar a homofobia com as situações mostradas na novela acabou fazendo com que algumas pessoas entendessem como um incentivo à homossexualidade. Qual sua opinião sobre isso?Não sei se entendi completamente a pergunta, mas acredito que você se refira às cenas de violência contra gays na novela. Para mim é muito claro que os autores criaram essas situações pra jogar luz sobre esse assunto, e num momento muito pertinente, pois as agressões a homossexuais nunca ocuparam tanto os noticiários. Não acredito que o que foi mostrado na novela tenha funcionado como incentivo à homofobia de maneira alguma.
Qual a sua receita para qualquer tipo de intolerância? Existe receita?
O preconceito é filho da ignorância. E isso foi muito bem mostrado em Insensato Coração através do personagem do Kleber, interpretado muito bem pelo Cássio Gabus Mendes. Ele tinha uma postura intolerante em relação aos gays até o momento que começou a conviver mais de perto com alguns, e isso fez com que ele percebesse que são pessoas como ele, com seus desejos e medos.
Está preparado para o rótulo de galã? Até que ponto essa fama é válida?Não me vejo como galã. Fui galã de uma novela no SBT em 1998, chamada Fascinação, do Walcyr Carrasco. Embora tenha sido uma experiência incrível e da qual me orgulhe muito, sinto que existe uma cobrança muito grande para que o galã corresponda a determinadas expectativas, e eu sou um artista acima de tudo. Minha vida toda, desde que comecei a me entender como gente, eu lutei contra rótulos e estereótipos. Mas não julgo quem goste, pelo contrário. É preciso que alguém queira ocupar esse espaço dentro da nossa sociedade, e acredito que muitos queiram, pois é uma posição de prestígio e de riqueza inclusive. Sei que meu caminho é mais árduo, mas não saberia ser de outro
modo.
Para você que tem sua formação no teatro, essa glamorização que a TV dá ao ofício do ator incomoda? Você acha que atrapalha na percepção do público diante do trabalho de ator que termina só vendo o cara famoso da novela da Globo? Pois é, isso tem a ver um pouco com a pergunta anterior. É um equilíbrio delicado, entre corresponder ao que as pessoas esperam de você e continuar provocando uma reflexão sobre o mundo através do seu trabalho. Muitos artistas foram incompreendidos enquanto estavam vivos e depois foram tratados como gênios. Uma dose de desconforto é essencial pra qualquer pessoa. E no caso da televisão o maior perigo para um ator é que, a partir do momento em que ele se torna uma persona, em que medida ele consegue se anular para que o personagem fique em primeiro plano? Isso tem a ver com aquelas coisas que eu falei sobre a relação da yoga com a arte do ator. No fundo somos um veículo através do qual as coisas se expressam.
Em O Retrato de Dorian Gray a vaidade terminou por destruir o jovem e belo Dorian. Que tipos de vaidades você se permite? E quais te incomodam? Eu me cuido bastante, mas de um jeito muito particular. Acredito que a beleza tem a ver com um aspecto saudável. Uma má alimentação vai deixar sua pele feia, por mais cremes que você passe ou plásticas que faça. Me incomoda essa vaidade fast food, de querer resultados imediatos. Vivemos bombardeados por imagens photoshopadas, que criam em nós uma frustração permanente por jamais conseguir corresponder a nossos padrões de beleza.
Qual a importância e quais as dificuldades de se criar uma Cia Teatral? O teatro ainda é algo difícil de sustentar? O teatro de grupo é o lugar onde as pessoas desenvolvem um trabalho a longo prazo, capaz de gerar novas provocações estéticas, amadurecer as ferramentas de linguagem que refletem as transformações da sociedade. É uma incubadora, importante como o mangue pro ecossistema marítimo. Isso está relacionado também à formação da identidade de um povo. Às vezes sabemos mais da história do nazismo, pra citar o exemplo de um tema que é exaustivamente abordado no cinema americano, do que sobre a Guerra de Canudos, que foi um evento dos mais importantes da história do Brasil. Não estou dizendo que não precisamos saber do nazismo e da história da Europa, mas a nossa é tão importante quanto ou até mais, porque vivemos a partir desse legado. A Guerra de Canudos está diretamente ligada à formação das favelas no Rio de Janeiro, pra dar um exemplo de como nosso passado está presente no nosso cotidiano.
Como você enxerga o público brasileiro em relação à cultura hoje em dia com a internet cada vez mais popular? Isso afetou em algo? A internet é uma ferramenta maravilhosa de distribuição de informação, mas sem uma formação consistente, sem uma educação sólida, ela se torna instrumento de um fetiche que eu particularmente não gosto e não incentivo. Às vezes sugiro no meu twitter (@marcosnauta) que as pessoas leiam mais, ou divulgo um link de uma coisa que eu acho bacana de ser compartilhada, e tem gente que não entende ou até se ofende comigo. Mas eu acho mesmo que a vida é curta demais pra se ficar perdendo tempo com certos assuntos. E o Brasil, com sua gravíssima má distribuição de renda, potencializa esse fetiche, pois as pessoas querem se desligar do seu cotidiano buscando nos seus ídolos uma válvula de escape. Quantas pessoas me falam do twitter que não tem teatro bom perto de onde moram! As opções de atividades culturais e de lazer numa cidade como o Rio de Janeiro são extremamente concentradas, e isso é péssimo pra cidade toda.
Em o Retrato de Dorian Gray você trabalhou como autor da adaptação, ator e produtor. Foi um grande desafio? Já se sentia preparado pra tudo isso? Eu fiz a adaptação do livro junto com a diretora, Débora Dubois, e a produção da peça eu só assumi quando começamos a viajar, na verdade, porque a produtora não quis continuar. Eu gosto de produzir, mas produzo mais por necessidade que por vocação. Quando eu li o livro do Oscar Wilde imediatamente veio uma adaptação pro teatro na minha cabeça, e por essas coincidências da vida algum tempo depois a Débora me chamou pra esse projeto, que iria acontecer no Teatro Popular do SESI em São Paulo, onde eu também tive a honra de fazer o Hamlet. Eu já havia feito algumas adaptações de literatura pro palco, mas todo trabalho novo é um grande desafio. Superar a si mesmo faz parte da gênese do trabalho do ator e do artista de um modo geral. Pelo menos é assim que eu vejo.
O que te encanta no universo feminino? Quando elas são irresistíveis?Gosto de mulheres inteligentes e divertidas. Mulheres seguras são mais interessantes. Ansiedade e carência tiram muito do brilho de uma mulher. Observo hoje um movimento interessante de mulheres que já conseguiram absorver qualidades que até pouco tempo atrás eram mais atribuídas aos homens, e o oposto também. Homens que ajudam a cuidar dos filhos trocam fraldas, fazem comida. Acho tudo isso extremamente saudável e um reflexo da evolução da nossa sociedade.

Quais seus medos e desejos em relação ao futuro? Tenho medo da intransigência que cresce em determinadas partes do mundo. Parece que uma onda de ignorância e fundamentalismo avança onde há mais miséria e falta de perspectiva. E diga fundamentalismo, mas não me refiro somente ao religioso, mas sim a todo processo onde não há disposição para o diálogo e para o entendimento. E já está mais que estabelecido hoje que a felicidade da humanidade depende da nossa capacidade de conviver num mundo que está ficando pequeno. Então estar disposto a dialogar com as diferenças é parte fundamental do nosso processo evolutivo e pode inclusive determinar o sucesso ou o fracasso da raça humana. E desejo do fundo do meu coração que sejamos capazes de enfrentar esses desafios!

Fotos: Sérgio Santoian
Agradecimento: Renato Saraiva
Agradecimento especial a Marcos Damigo
Site da peça “Deus é DJ”: http://deusdj.com/
Blog de Marcos: : www.sobreteatro.wordpress.com
Acompanhe a MENSCH também pelo Twitter: @RevMensch e baixe gratuitamente pelo iPad na App Store.