TECNOLOGIA: SMART CITIES E AS COISAS DA INTERNET

Smart Cities uma necessidade natural de evolução humana nos cenários urbanos ou uma tendência mercadológica mundial criada e estimulada por grandes corporações? Para entender melhor as “coisas da internet das coisas” debater é o caminho para melhoria da vida em sociedade. Em busca de convergência e integração entre diferentes áreas do conhecimento encontros são realizados em todo mundo para compreensão e popularização do tema visando criar ambientes criativos. O Brasil que na área de eventos, criatividade e tecnologia sempre se destaca, segue a tendência promovendo eventos que fomentam excelentes oportunidades de negócios e servem de vitrines para o mundo.

Nesse sentido, a Campus Party, maior feira de tecnologia do mundo, é um excelente exemplo. O evento trabalha dentro das tendências mundiais e na edição 2014 de Recife trouxe, pelo segundo ano consecutivo, a temática Internet of Things – IoT (internet das coisas) para as luzes dos holofotes, com o apoio do Grupo Telefônica do Brasil, na pessoa do Presidente Antonio Carlos Valente, que esteve presente na abertura, reafirmando a importância do tema para a companhia e de eventos como a Campus para a formação da cultura digital e empreendedora. Nesta edição, além das palestras voltadas ao tema, um Hackathon (desafio digital), foi realizado, o desafio consistiu em formar grupos durante o evento, dispondo de algumas horas para criação, desenvolvimento e apresentação de soluções inteligentes para melhoria da qualidade de vida nos centros urbanos. As ideias vencedores do “Hacker Cidadão 2.0″ foram: 1. Coffee Source – um protótipo de automação que permite programar os horários para ligar uma cafeteira. 2. House Climate – solução de automação residencial para economizar energia elétrica através da medição da quantidade de luz externa. 3. Segurança Industrial – um robô autônomo que monitora ambiente gerando informação sobre umidade, fumaça e gases nocivos.

Em entrevista a MENSCH, o curador da trilha de Smart Cities na Campus Recife, o pesquisador das áreas de engenharia de software e sistemas distribuídos aplicadas no contexto da Internet das coisas desde 2011, especializado nas temáticas de cidades inteligentes (Smart Cities) e pessoas inteligentes (Smart Citizens), Professor Kiev Gama do Centro de Informação da UFPE (CIn), afirmou que os resultados do evento foram muito positivos e sinaliza a possível continuidade do tema na #CPRecife 2015. Segundo ele, o termo “Smart City tem sido estudado há muito tempo aqui no Brasil só que pelo pessoal de Ciências Sociais, já no início dos anos 2000, porém com foco voltado para a economia criativa”.

1)  Bruno Souza, Presidente do Instituto Campus Party;
2) Abertura da Campus Party 2014; 3) Público lotou a Campus
Party para participar das palestras;  4) Emação

Outro projeto que merece destaque na Campus Party Recife 2014 foi o Startup&Makers, que trouxe oportunidade de capacitação e desenvolvimento de negócios, trabalhando as trilhas educação, saúde, negócios sociais, economia criativa, tecnologia da informação e cidades inteligentes. Segundo o curador do projeto Prof. Genésio Gomes, mentor da Rede Células Empreendedoras da UPE, “Hoje passamos por diversos problemas sociais e ambientais nas cidades. O debate sobre a criação de cidades mais inteligentes que atendam melhor à população, de todas as classes, se faz cada vez mais urgente, o Governo parece não conseguir por si só resolver as questões.” A Rede Células acredita que a Campus Party tem um papel fundamental na formação de Smart Citizens (cidadãos inteligentes), ou seja, agentes sociais que assumam o protagonismo nas transformações dos centros urbanos onde vivem, pois de nada adiantaria soluções tecnológicas incríveis se os cidadãos se mantivessem passivos. O Prof. Genésio Gomes afirma ainda “Acredita-se que soluções possam vir do empreendedorismo, ou seja, de soluções inovadoras que venham a ter impacto no melhor desenvolvimento das cidades, transformando assim um problema social em oportunidade de crescimento.” Dentre as ideias vencedoras, destaque para a startup ganhadora da trilha de Smart City, a Cidadão 21 uma solução de desburocratização governamental.

A multidisciplinaridade entre os projetos foi outro ponto diferencial nesta edição da Campus Recife, projetos vencedores do Hackathon de Cidades Inteligentes receberam como parte da premiação, consultorias da Rede Células Empreendedoras e o acesso ao curso BOTA PRA FAZER da Endeavor, maior organização de empreendedorismo de alto impacto do Brasil.

Na condição de mentora na Rede Células e da trilha de economia criativa no projeto Startup&Makers na Campus Recife, fui convidada pela MENSCH a cobrir o evento e relatar minhas experiências com o tema Smart City e seus projetos. As experiências vivenciadas foram únicas, as conexões, interfaces e negócios fomentados foram incríveis e posso garantir que ‘as coisas da Internet’ são verdadeiros convites a um futuro integrado e inteligente. Para tanto, é necessário abrir a mente (open mind) para integrar novos conhecimentos, sempre com atenção máxima aos riscos, lembrando que a capacidade de assumir riscos é uma das bases da Inovação! As mentorias oferecidas durante o evento criaram um ambiente descontraído e acessível à troca de experiências e conhecimento, tornando fértil o campo da criação e integração.

Para entender melhor o tema podemos começar dizendo que “Internet das Coisas” pode ser considerada o asfalto da Smart City, sendo capaz de provocar uma verdadeira revolução social usando a tecnologia de informação e comunicação como agentes transformadores dos ecossistemas para melhorar a qualidade de vida nos centros urbanos.

Em pleno século XXI vivenciamos o fenômeno da urbanização em escala mundial, que traz consigo grandes desafios tais como, a crescente concentração populacional, o aumento dos níveis de consumo, necessidade de mobilidade, o aumento da demanda por segurança e a participação nas decisões. Isso exige uma mudança radical de comportamento da sociedade, principalmente dos gestores públicos. Segundo estudo divulgado pela Schneider Electric, até 2050, 70% da população mundial estará ocupando as cidades. Mesmo ocupando apenas cerca de 2% da superfície do planeta, as cidades detêm metade da população global e para acomodar todo esse crescimento será necessário construir uma imensa infraestrutura urbana. Se essa migração cada vez mais veloz e predatória não for bem planejada, os centros urbanos atuais serão levados ao colapso. Os centros urbanos que no passado levaram milênios para serem erguidos, agora terão cerca de 40 anos para se adaptarem à nova onda de consumo.

Alguns países têm como desafio adaptar antigas estruturas das cidades à nova infraestrutura necessária para implantação dos conceitos gestores da Web, como é o caso de Londres, Paris, Barcelona, Rio, entre outras grandes cidades. Todavia, já encontramos 3 Smart Cities totalmente planejadas a partir do zero, ou seja, as coisas destas cidades já nasceram inteligentes, são elas: New Songdo em SEUL, na Coréia do Sul, Masdar em Abu Dhabi nos emirados Árabes e PlanIT localizada próxima a cidade do Porto em Portugal. Um verdadeiro “boom tecnológico” que pavimenta o caminho da Internet das coisas fomentando o consumo e tráfego de informação e criando novos mercados com investimentos bilionários.

Seja por modismo, promovido pelas grandes corporações, ou pela evolução natural da sociedade, a realidade é que as Smart Cities já são reais e brotam por todo o globo fazendo os atores tradicionais como governos, urbanistas, promotores imobiliários, sociedades dialogarem e trabalharem lado a lado com grandes empresas de tecnologia e informação.

Para poder classificar uma Smart City diversas variáveis são usadas tais como: mobilidade inteligente, cuidados ambientais, qualidade de vida, boa economia, boa governança e pessoas criativas com capacidade de inovar nas soluções oferecidas à sociedade. O fato é que, para uma cidade ser considerada inteligente ela precisa empregar iniciativas inteligentes possuindo uma comunidade eficiente, habitável e sustentável. Uma cidade inteligente é o lugar onde todos os habitantes possuem comportamento proativo perante o meio ambiente que vivem, onde as pessoas fazem escolhas baseadas em informações inteligentes, buscando o equilíbrio entre qualidade de vida, meio ambiente e competitividade, nos centros urbanos.

Os primeiros estudos sobre Smart Cities foram desenvolvidos na década de 80 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em sua cidade laboratório conhecida como Senseable, analisando as mudanças dos padrões humanos com visão crítica, antecipando tendências e tornando possível a conexão do mundo físico ao mundo digital por meio da web. A massificação da internet nos anos 90 trouxe com ela o termo Smart City, que sugere um mundo cada vez mais interconectado, não apenas com as pessoas se comunicando e sim cada vez mais objetos “falando” uns com os outros. As primeiras soluções da internet sobre objetos surgiram voltadas à área de medicina. A popularização da internet das coisas se tornou possível graças à disseminação da banda larga móvel, da drástica redução de custos dos chips, da miniaturização da tecnologia e da disseminação da cultura da visão holística.

De acordo com a consultoria Internacional Data Corporation (IDC), cerca de 212 bilhões de dispositivos estarão conectados até o final de 2020, um mercado com potencial de movimentar de cerca de US$ 300 bilhões de acordo com as previsões da Gartner, uma das maiores consultorias do mundo. Grandes corporações já identificaram esse movimento e investem pesado não apenas em aparelhos móveis, como também em aplicativos e soluções capazes de transformar toda essa massa de informação, em dados inteligentes para conteúdos usáveis. A IBM, a Cisco, a Intel, a Microsoft e mais recentemente a Google, apresentam-se como locomotivas dessa evolução dando início à corrida pela conexão entre pessoas e objetos, integrando cada vez mais utilitários e tecnologia aos seres humanos, por exemplo, o dressing technology (tecnologia de vestir) destinado a diversas finalidades com criações tais como: o Google Glass, a pulseira Nike+FuelBand, o Like-A-Hug uma jaqueta criada pelo MIT que simula um abraço ou ainda a T Jacket uma jaqueta de terapia para ajudar crianças com autismo.

Os princípios básicos para a organização de uma Smart City são: motivação ao trabalho multiperspectivo entre as pessoas, construção do fluxo bidirecional de informação, percepção contínua e adaptação à mudança. Cidades inteligentes são ativadas pela automação das coisas que as compõem e têm na coleta e interpretação de informações sua essência para a compreensão dos ecossistemas.

O uso da tecnologia da Smart City se articula em quatro níveis: sistemas de medida, redes de telecomunicação, centros de gestão e inteligência (Analytics). Esta complexa rede multidimensional tem componentes interligados com sensores de identificação que funcionam por meio de radiofrequência (RFID) e medidores inteligentes, ou seja, sistemas dos sistemas, que compõem a infraestrutura básica. A maioria dos dispositivos móveis existentes são equipados com geolocalizadores, que voluntariamente, ou não, estimulam a alimentação de informações, usando as pessoas como sensores, crowd sense, muitas vezes através da gamificação, que se mostra excelente opção para adesão voluntária dos agentes, ajudando o mapeamento e controle do sentido para onde a humanidade caminhará, ou seja, dos padrões de comportamento e consumo.

Os principais vetores para desenvolvimento de uma Smart City são: saúde, educação, mobilidade urbana, energia, sustentabilidade (água, resíduos, ar e biodiversidade urbana), segurança, iluminação, transparência governamental/e-Gov, centro de controle integrado, desenho urbano, tecnologias de computação em nuvem, cultura inteligente, turismo, energia renovável e redes inteligentes. Vale ressaltar que devido à complexibilidade desta rede as localidades não conseguem trabalhar todas ao mesmo tempo ainda. O planejamento estratégico neste caso torna-se fundamental, elegendo linhas de ação prioritárias. A Europa desponta como líder mundial na promoção de iniciativas de cidades inteligentes em seu planejamento contemplando 9 desses vetores. Já o Rio de Janeiro elegeu 4 áreas como prioridades – mobilidade urbana, água, iluminação e sistemas integrados contando com uma central de operações que reúne e integra 30 secretarias em um mesmo local. Todavia, as iniciativas para implementar os projetos de cidades inteligentes no Brasil ainda estão embrionárias passando pela necessidade de viabilidade técnica, econômica e regulatória.

O Centro de Informações da UFPE (CIn) desponta como um importante centro de referência na área de tecnologia, construindo plataformas de pesquisas e soluções criativas. Trabalha com parcerias importantes dentre elas por exemplo: com o MIT, desenvolvendo pesquisas que buscam entender a gestão dos resíduos. A ideia é mapear onde estes resíduos são coletados, por onde passam, onde e como terminam se são reciclados ou destinados a lixões. Ou com o Instituto SENAI de inovação e pesquisa que atua visando entender padrões de deslocamento no trânsito de Recife com semáforos inteligentes.

Integrar a internet as coisas banais do dia a dia, transformando-as em coisas divertidas ajuda a gerar algo maior, com soluções muitas vezes simples pode-se obter a colaboração dos agentes sociais com maior facilidade, tirando a impressão de obrigatoriedade, punição e de algo chato. Quando transformamos degraus de um metro em teclas de piano além de convidarmos as pessoas a interagirem e brincarem com os utilitários urbanos, estamos estimulando exercícios físicos. Quando lixeiras acendem luzes diferentes para cada tipo de resíduos que se convertem em algum bônus, estamos educando ambientalmente, como por exemplo o metrô de São Paulo que instalou coletores de embalagens de xampus que geram créditos para celular.

As Smart Cities no início eram focadas em tecnologia, hoje os holofotes voltam-se para as pessoas protagonizarem as transformações dos seus ambientes. Talvez quando as Smart Cities estiverem equilibradas e em completa integração com os Smart Citizens, poderemos afirmar que estas cidades são inteligentes!
A colaboração é algo vital para tornar uma cidade inteligente, com isto estamos falando de mudança de cultura o que não é tarefa simples. São necessários anos e anos de esforços, investimentos na adaptação dessas mudanças, quebrando paradigmas, se consolidando no mercado pela participação e co-construção dos territórios, onde fonte, personagem e público se misturam.

No início quando tudo era focado para tecnologia, a aplicação da internet das coisas era visualizada pelo governo tão somente para monitorar seus cidadãos, pois a possibilidade de cruzamento de dados tem enorme promessa de melhoria dos serviços públicos e privados. Porém, como afirma o prof. Kiev Gama, “Não é só tecnologia por tecnologia, tem pessoas do outro lado que podem e devem ser empoderadas também para que os projetos se viabilizem de fato.” Ele cita que Recife tem se destacado por desenvolver iniciativas em contraponto às Smart Cities, como por exemplo o “Recife: The Playable City” um programa idealizado pela Watershed em parceria com o British Council e o Porto Digital o qual trouxe um lado lúdico, fazendo as pessoas interagirem com a cidade de forma diferente, independentemente de estarem conectadas a tecnologia.

Talvez os maiores dificultadores do processo de implementação dos sistemas inteligentes sejam as questões relacionadas às pessoas, pois nem todos se sentem à vontade dentro deste panóptico, sendo observados e controlados principalmente pelos agentes públicos. Questões como ética, privacidade e segurança dos cidadãos, apresentam-se como desafios a serem ultrapassados. De acordo com o Prof. Kiev Gama, “Há um debate grande acerca do direito ao acesso e anonimato. A maioria das pessoas não quer ser vigiada, principalmente pelos governos.” Dados pessoais são informações sensíveis e valiosas que devem ser tratadas de forma segura, respeitando a privacidade e os direitos de acesso, retificação ou cancelamento obrigatório, conhecido também como “direito de ser esquecido”. Para fomentar os debates e soluções nas áreas, ainda segundo o Professor Kiev, em 2015 será realizado em Recife o Congresso da Sociedade Brasileira de Computação (CSBC), que trará o tema sugerido pelo também Professor do CIn Silvio Meira “A internet de tudo toda observada”, onde especialistas de diferentes localidades virão discutir o futuro e a segurança das coisas na web.