O libriano e carioca Paulo tinha somente cinco anos quando uma professora sugeriu aos seus pais que o levassem a um programa de talentos mirins na Rede Globo de Televisão. Ela não sabia – nem muito menos ele ou os pais – que aquele seria o prólogo de uma brilhante carreira sobre os palcos. Ainda que o pequeno Paulo não tenha se lançado então no universo da fama, aquele foi um ponto marcante para desvendar os rumos que sua vida viria a tomar. Hoje, o maduro e consagrado cantor Paulo Ricardo admite que a música nasceu com ele, estando à espreita desde sempre, e tendo vindo à tona naquele programa de talentos mirins pela primeira vez.
Questionado sobre desde quando se sente ligado à arte que já não mais se dissocia de sua figura, ele responde com a voz rouca que arrebata suspiros das fãs: “desde sempre, desde que eu consigo me lembrar.” Dos primeiros projetos artísticos, iniciados oficialmente aos dezesseis anos de idade, Paulo extrai uma carga de experiências que dita suas decisões presentes e futuras. Passeia pela própria linha do tempo com a desenvoltura de um esgrimista e a passionalidade de um astro do rock. Volta à emblemática década de oitenta sem grilhões ou melancolia, no papel de um visitante que já morou naquela casa e conhece a posição exata de cada um dos móveis. Na abóbada estrelada de sua carreira, aqueles anos são imortais. “Comecei a compor após meu encontro com o [Luiz] Schiavon, em 1978, depois de tentativas frustradas de compor bandinhas de rock juvenis”, recorda, “e da nossa parceria, surgiu meu primeiro projeto propriamente dito, um grupo chamado AURA, do qual nasceu o RPM.”
Antes de se tornar o principal ícone da meteórica ascensão do Revoluções Por Minuto, Paulo havia trabalhado como crítico de rock, redigindo colunas em revistas estrangeiras e opinando sobre as produções recentes do universo cultural no qual se envolveria até os ossos num futuro bem próximo. Nesse contexto, sabia que o apelo estético e a sensualidade dos integrantes de uma banda do gênero eram fundamentais à popularização de seu trabalho. “Para mim, o apelo do componente sexual é responsável por metade do sucesso do componente rock’n’roll”, sintetiza sem culpa. Afinal, culpado de que? “A fagulha desse sentimento existia desde Mick Jagger, James Morrison, porque a sexualidade é fundamental ao rock”, explica. Segundo Paulo, a ideia comum aos que formavam o RPM era a de desempenhar uma performance atraente, sem que esta estivesse necessariamente ligada aos conceitos clássicos da beleza apolínea. Ele credita muito da sensualidade que é associada à sua figura aos efeitos inerentes da própria música sobre seu público, como se a magia do rock enfeitiçasse os que assistiam aos seus espetáculos e o tornasse um símbolo sexual sem precedentes, dado o clímax proporcionado pelo som produzido ali. “Nunca tivemos problema com a associação da nossa imagem à nossa produção musical, afinal, somos da geração MTV, não somos artistas de rádio”, compara, “era necessário que a nossa imagem se fizesse presente e fosse marcante.” Quanto ao título de galã, dispara com a tranquilidade do viajante que já não se deslumbra com o primeiro sol poente da jornada: “Óbvio que é melhor ser visto como belo, mas isso nunca foi prioridade.”
“UMA SINTONIA MÁGICA”
“Desde a primeira música do primeiro ensaio, houve uma sintonia mágica entre nós”, define Paulo Ricardo ao recordar-se dos primeiros encontros com a formação original do RPM. Maktub, estava escrito: na continuidade da vida, à frente daquela intuição de que todos os caminhos se abririam para seus projetos, eles, de fato, se abriram. A banda, alavancada em 1983, está no hall das mais bem sucedidas do rock nacional, tendo quebrado todos os recordes da indústria fonográfica brasileira, contabilizando mais de cinco milhões de discos vendidos no auge da carreira em conjunto.
“Nos anos oitenta, trabalhávamos muito, vivíamos intensamente, freneticamente, vivenciando o dia a dia de um grupo de artistas em evidência, com todos os seus contras e suas vantagens”, explica Paulo, que recorda nitidamente as explosões de fanatismo que o fizeram correr às pressas por ruas, avenidas e shopping centers, driblando os rompantes de excesso de entusiasmo das fãs. Ao final das primeiras temporadas e durante o primeiro hiato após turnês, é que foi possível perceber a dimensão do sucesso e o alcance do efeito RPM. “A consciência de que havíamos nos tornado um fenômeno pop adolescente veio somente quando tivemos uma pausa para analisar o panorama em que estávamos enquadrados”, confessa. Naquela fase, Paulo Ricardo, assim como seus parceiros de banda, respirava, transpirava e se alimentava da energia disposta em torno do Revoluções Por Minuto.
“FOI IMATURIDADE”
Quando perguntado sobre por que o grupo foi dissolvido muito antes do esperado pelo seu público, o astro admite: “Estávamos grudados há muito tempo, sem brechas sequer para uma respirada, para tocarmos nossos projetos solos, cuidarmos das nossas coisas mais individuais. Acabamos querendo encaixar todos os planos particulares em um projeto conjunto, o que provocou inúmeras divergências. Hoje vejo que deveríamos ter dado um tempo e, em seguida, retomado o RPM. Na época, nos faltou essa visão. Tudo era muito intenso e não nos permitimos digerir as mudanças todas. Mas a separação definitiva não precisava ter acontecido. Foi imaturidade.”
Para Paulo Ricardo, o primeiro rompimento com o RPM foi, de longe, o mais difícil. Depois dele, porém, veio o amadurecimento. A vida seguiu, como sempre há de fazer, e os ex-componentes do Revoluções Por Minuto seguiram com ela. Em 2002 e em 2004, juntos, gravaram algumas faixas inéditas em parceria com a MTV. “Deu muito certo, mas logo voltamos a divergir”, conta o intérprete. Até que, anos mais tarde, foram procurados pela Rede Globo e convidados a gravar uma edição do especial Por Toda a Minha Vida. “Ali, finalmente, percebemos que já havíamos explorado todas as nossas possibilidades individuais e satisfeito todos os nossos anseios particulares; já havíamos dado vazão aos nossos talentos pessoais e sentimos que o RPM era algo de proporções gigantescas, que merecia mais do nosso tempo e dedicação”, diz. “Tomamos consciência de que ninguém seria prisioneiro da banda, e que poderíamos, ao mesmo tempo, retomar nosso grupo e dar continuidade às carreiras solo”, completa Paulo.
“NOSSO MELHOR MOMENTO”
Como a maturidade ensina que a vista do retrovisor jamais deve merecer tanta atenção quanto à paisagem no para-brisa dianteiro, Paulo Ricardo declara com segurança: “Estamos em nosso melhor momento.” E sobre as idas e vindas do RPM, explica que os rompimentos sempre foram artísticos, jamais pessoais. “Nós temos história, intimidade, maturidade e respeito uns pelos outros e pelo legado da banda”, fala como quem, sem querer, termina por entregar a receita da longevidade em qualquer relacionamento. E acresce a ela um ingrediente fundamental: a valorização do presente. A sabedoria de viver o agora, por maior ou mais forte – e justa – que seja a nostalgia em relação aos momentos passados.
“Quando somos jovens, vemos esse universo da fama como algo mágico. Administrar a liberdade e o sucesso é, portanto, a coisa mais difícil. Depois do estrelado, nós aprendemos o que não fazer. Adquirimos a tranquilidade de entender que temos um trabalho que exige o mesmo que outro trabalho qualquer: a entrega, conta. “Passar a fazer sucesso é muito mais fácil do que manter-se assim. Passado o encantamento de se tornar parte do hall de celebridades, é possível entender que ali é o patamar de grandes profissionais, o que aumenta as responsabilidades, cobranças e necessidade constante de auto superação”, explica, “e, no fim de tudo, se vê que nós não somos movidos pelo sucesso, dinheiro ou fama, mas pelo prazer subjetivo de gravar uma música e apresentá-la em um show, com toda a sensação de encantamento que isso produz. “De acordo com Paulo Ricardo, essa paixão, esse encantamento é que motivam bandas antigas a se manterem na ativa”. Algumas delas já são tão míticas que não precisam de mais contratos ou mais prestígio. Elas permanecem atuando porque é aquilo que desejam, é aquilo que mantém seus integrantes em movimento, sentindo-se vivos, sentindo-se plenos.
“PARA FAZER O QUE EU GOSTO”
Para quem acompanhou todo o desenrolar da carreira artística de Paulo Ricardo, é possível perceber a transição natural do gênero roqueiro a um estilo mais romântico. Passadas décadas desde a formação do AURA e o surgimento do RPM, o rock e o romance se misturam e se complementam nas produções mais recentes do astro. Qual a diferença entre o Paulo Ricardo solo e o vocalista do Revoluções? “O RPM é uma banda de personalidade forte. Eu e o Schiavon temos uma parceria forte, antiga e muito boa. Muitas das composições que faço para nosso repertório são fruto dos estímulos que tenho dessa banda, do seu significado, de seu apelo. Na carreira solo, me sinto à vontade para fazer o que eu gosto. Aproveito para interpretar e criar minhas próprias coisas.”
Para o futuro, os planos são inúmeros, generosos e consistentes. Porém comedidos, sensatos. Com o nascimento do filho mais novo, seu primeiro rapaz, o astro não pretende preencher a agenda com suas viagens e turnês habituais. “Vamos terminar, Toquinho e eu, o DVD que estamos produzindo sobre as obras do Vinícius de Morais. Paralelo a isso, vou concluir, junto com o RPM, um CD que gostaríamos de lançar ainda este ano. Uma das faixas deste álbum será Primavera Tropical, que compusemos durante as manifestações político-ideológicas que eclodiram no país ano passado”, lista.
“NÃO QUERO SER DISSECADO”
Longe dos holofotes da fama, Paulo Ricardo é caseiro, dedicado à família. Gosta mesmo é da intimidade. Quando perguntado se existem lados seus que os fãs desconhecem, ele diz desejar que sim. “Eu gosto de pensar que existem vários lados meus que as pessoas não conhecem”, confessa, “porque fico bastante entediado com essa exploração da cultura de celebridade, não quero ser dissecado. E não por que eu tenha algo a esconder, mas porque acho cafona alguém se expor até o último nível.” Para ele, o mistério é fundamental. O ícone da persona envolvida numa aura enigmática faz parte do encanto. “Até mesmo entre um casal, certa dose de mistério é sempre necessária.”
E falando em casais, Paulo não mede palavras para declarar seu amor à atual esposa, Gabriela. Perguntar a ele o que o conquista numa mulher é levá-lo a citar a esposa e enumerar todas as suas qualidades e aptidões. O cantor reforça que não há – nem deve haver – um modelo de mulher perfeita, mas sentimentos em intensidades variáveis e com buscas distintas. “Tudo o que eu buscava, encontrei na Gabriela”, sintetiza, “ela é bondosa, tranquila, serena e dotada de uma intuição poderosíssima.” Perguntado se ela é tão caseira quanto ele, um Paulo apaixonado se desmancha: “Ela é a minha paz.” Sim, Gabriela é caseira, serena, calma. Para ele, o equilíbrio perfeito para suas ansiedades e impulsos de eterno roqueiro. Voltar para casa e desacelerar o ritmo frenético que a vida artística exige é uma preciosidade sem precedentes na vida do músico. Na contramão de uma cultura da estética pela estética e da superficialidade vigente nas relações humanas, que ele mesmo diz observar com mais frequência do que gostaria; Paulo faz questão de destacar a inteligência daquela que se tornou sua grande musa. “Gabriela é uma publicitária inteligentíssima, com sexto e sétimo sentidos. Ela tem uma enorme elegância, social e espiritualmente”, arremata.
“NÃO TENHO SAUDADE DE NADA”
Além de não deixar de ouvir o que a banda e seus parceiros musicais têm produzido, Paulo Ricardo se empenha em acompanhar as produções de todos os grupos que se relacionam ao estilo do RPM e ao seu próprio estilo. “Ouço os clássicos, como Eric Clapton, e também o que há de novo”, diz, “ouço rádio para me manter informado do que anda sendo produzido na MPB, mas a internet pulverizou toda a indústria fonográfica em cenas simultâneas e democráticas. Não existe mais uma única cena musical. São várias, que se misturam ao mesmo tempo.” Para completar a lista, volta sempre aos épicos hits dos Beatles: “Cada vez que os ouço, eu entendo mais um pouco sobre por que eles eram e serão sempre os mestres.”
Beatlemaníaco assumido, inclusive, orgulha-se de ostentar no currículo uma autorização pessoal da Yoko Ono para sua regravação da emblemática canção Imagine, de John Lennon. Classifica a façanha como uma honra difícil de descrever em palavras, visto que, historicamente, Yoko jamais havia dado sua autorização a algo semelhante. “Numa entrevista exclusiva que ela concordou em me conceder”, conta Paulo, “perguntei por que havia dado seu aval à minha regravação. Ela disse que gostou de ter percebido que eu não tinha a intenção de copiar Lennon, mas fazer minha própria versão daquele clássico.”
Sobre a comparação entre o RPM e os Beatles, que veio à tona no auge da estrondosa carreira do grupo, o vocalista desconversa e credita a metáfora a um ponto de vista inserido em contexto determinado. “Temos que entender o contexto e a forma como isso foi colocado. Nós não fomos comparados [aos Beatles] pela sua obra e influência, porque eles são incomparáveis, mas pela histeria das fãs. A simetria foi mais no sentido da euforia, de uma coisa nova, causando frisson”, explica.
E quando inquerido sobre essa nostalgia interminável deixada pelos icônicos anos oitenta, Paulo Ricardo declara sem pesos: “Eu não tenho saudade de nada. Vivi intensamente e, hoje, sou uma pessoa muito focada no presente e no futuro.” Dada a quantidade de vezes que já foi questionado sobre o tema, confessa ter uma lista mental dos itens que transformaram os anos oitenta em uma década imortal: o momento político da época, a revolução tecnológica trazida pelos sintetizadores, a revolução visual capitaneada pela MTV e seus clipes, a revolução do punk e a revolução da liberdade sexual. “Tudo isso, somado, imprimiu na sociedade um momento inesquecível, alegre, descontraído, livre, cercado de mudanças e revoluções.”
E de revoluções, nós sabemos, ele entende bem: dotado de um timbre rouco que deu voz a toda uma geração, Paulo Ricardo conviveu com as dores e delícias de ascender do anonimato ao apogeu em pleno auge do sentimento de invencibilidade típico da juventude. Foi também jovem, emblemático, icônico, invencível. As revoluções, em seu legado, virão sempre acompanhadas de um adendo: por minuto. As revoluções, em sua história, serão para sempre.
Fotos: Angelo Pastorello, Produção e estilo: Ju Hirschmann, Direção de arte: Celso Ieiri, Beleza: Renata Rubiniak, Assistente de beleza: Bruno Freitas, Assistente de Set: Claite Rodrigues, Assistente de foto: Daniel de Jesus, Agradecimentos: Retrô Hair (11) 3100-1680 – Agradecimento especial Mônica Silveira.
Paulo Ricardo veste: Terno risca de giz, terno branco, suspensório e sapato bicolor: Minha Avó Tinha (11) 3801.4124, Terno preto, camisa branca e gravata: Etiqueta Negra (11) 3152.6700, Camisa preta e Blazer vinho: Aramis (11) 3081.2214. Ela: Pulseira: Prado (11) 2337.9025, Brincos: Lázara Design (31) 3488.6889 e Letícia Sarabia (45) 3029.1022, Gola de pele: TNG (11) 4689.9313, Camisa Branca: Highstil (11) 3611.5575, Gravata borboleta e Suspensório: Minha Avó Tinha (11) 3801.4124, Casaco preto com gola de pele: Pernambucanas 0800-724.9200, Sapatos Carmen Steffens: (11) 30632283, Calças: Marui Akamine (11) 99369.4738, Vestido: Chita 0800 645.5570, Chapéu: Acessorize (11) 3061.5136.