DESTINO: CASTELOS, MURALHAS E CENÁRIOS DE SONHO NA FRANÇA MEDIEVAL

Texto/Fotos Gustavo Belarmino e Ewerton Luna

Uma viagem para estudar francês em Toulouse, sudoeste da França, nos fez despertar para mais uma paixão – desvendar cidades medievais. Em nossos roteiros, sempre priorizamos explorar as cidades pequenas próximas às que utilizamos como base, nem que fosse para um bate-volta. Mas foi durante essa temporada de 42 dias na França que passamos a listar – e aprendemos a amar – as mágicas cidades medievais. Estávamos no lugar certo, no momento certo. A região da Occitanie e a temporada do verão, com passagens de trem acessíveis e roteiros muito próximos, nos impulsionou. Bastou visitarmos a primeira delas – Carcassonne – para ficarmos ávidos por conhecer, ao máximo, a região. Aqui, vamos contar nossa experiência em quatro delas – além de Carcassonne, Foix, Albi e Cordes-sur-ciel. Fomos a todas pela SCNF, companhia de trem francesa, com viagens curtas em torno de 1 hora e com excelente custo-benefício, sobretudo porque compramos com antecedência. Bon voyage!

CARCASSONNE

Antes mesmo de preparar o roteiro dos locais que visitaríamos, Carcassonne estava no topo da lista. Seu castelo, torres e ruelas preservadas e o fato de ser a maior cidade medieval fortificada da Europa, eram atrativos suficientes para pontuar a escolha. Optamos por um sábado de verão – roupas leves e bastante protetor solar para percorrer a cidadela, ou cidade alta, o principal foco de todos que procuram o destino.

Chegamos pela bastide (cidade baixa), onde fica a estação de trem. De lá, existem ônibus que partem de hora em hora para a cidadela (é importante anotar o horário da volta, para não correr o risco de ficar sem transporte de retorno) e um trenzinho, que faz o passeio guiado (preferimos o primeiro). A viagem é curtinha, mas é interessante para contemplar o percurso até o destino.

Ao descer, nos deparamos com um cemitério e, logo à frente, a imagem imponente da muralha, de onde se tem uma vista panorâmica da cidade baixa e das montanhas que a cercam. E, como nos castelos dos filmes, existe um grande fosso e uma imensa passagem de madeira que dá acesso ao vão central. É inevitável não se emocionar e ficar ansioso para percorrer tudo aquilo.

O primeiro impacto positivo é quebrado pelas inúmeras lojinhas que vendem toda sorte de souvenirs, explorando o imaginário medieval, com escudos, espadas e armaduras. Mas, basta seguir um pouco mais à frente para se desconectar do lado comercial e passar a imaginar tudo que se passou por ali nos tempos antigos.

Carcassonne é surpresa atrás de surpresa. No centro da cidadela, o Castelo Condal, construído no século XII, se sobressai. Esta fortaleza, outrora habitada por nobres, hoje, foi transformada em museu de acesso pago. Em seu interior há uma exposição permanente sobre a restauração da cidadela, no século XIX. Algumas das fundações foram erguidas no Ano I, depois de Cristo.

Estar em Carcassonne é deixar-se perder pelas ruelas, observar as ruínas, descobrir cantinhos escondidos e pouco explorados. Chegamos a transpor as muralhas para observá-las pelo lado de fora e, nesse momento de descobertas, chegamos a uma igreja  que fica na parte mais baixa da vila, com casinhas rústicas e uma vida pacata e longe da movimentação turística.

Por ser destino concorrido, Carcassonne tem diversas opções de diversão para além de ruínas e muita história. Por lá, existe um museu da inquisição e até um castelo dos horrores, com personagens que prometem pregar sustos, em bom francês. Não deixamos de experimentar o tradicional cassoulet – conhecido como a feijoada francesa, que leva feijão branco, linguiça e pato. Igualmente medieval, o cassoulet tem sua origem justamente em Carcassonne.

FOIX

Na sequência, nosso destino foi a cidade de Foix (leia-se Foá). Era um dia de domingo e tudo estava muito tranquilo, o que parece não ser tão comum assim em função dos vários cartazes sobre festivais de rua, concertos e festas que vimos espalhados por todos os cantos. Descemos na pequena estação de trem aberta e, como é tudo próximo, fomos explorar o local caminhando. Margeando o rio Ariège, vimos vários grupos praticando canoagem – muitas pessoas procuram a cidade para esportes fluviais. Passamos pela Ponte Velha, cheia de bandeiras amarelas e vermelhas, cores que representam a comuna e, assim, entramos na cidade antiga.

Foix respira seu passado medieval e isso é foco de seus equipamentos turísticos. Numa breve caminhada pelas ruas do centro, pudemos perceber seu rico patrimônio histórico (fontes, fachadas arquitetônicas etc.). Nossa primeira parada foi no Mosteiro Gótico de São Volusiono, nome em homenagem a seu arcebispo do século XV. Na sequência, como já era hora do almoço, fomos para o mercado de grãos (La halle aux grains de Foix) onde comemos um entrecôte com fritas e salada, acompanhado, claro, de um bom vinho.

O ponto alto do dia na cidade foi, sem dúvidas, a visita ao Castelo de Foix. A construção datada no século X (embora com histórias bem mais antigas relacionadas ao mesmo lugar) fica em torno de 60 metros acima do centro da cidade, sobre um grande conjunto de rochas calcárias.  Uma parte do trajeto até sua entrada, pode ser feita a pé ou de carro. Quando chegamos na entrada, nos deparamos com um imponente museu com exposição permanente bastante interativa sobre a história da cidade e com exposições temporárias (adoramos a que estava no momento: “Espadas da lenda – de Excalibur ao sabre de luz”). Subindo um pouco mais e saindo do museu, chegamos ao castelo medieval. Lá, tivemos uma grande aula sobre como tudo funcionava na Idade Média. Em diferentes espaços, há guias muito simpáticos com vestimentas de época que dão explicações variadas – como foi construído em termos de material, mão de obra e equipamentos, como funcionava a catapulta que está lá exibida etc. Dentro das torres, subimos várias escadas estreitas e exploramos vários cômodos. As partes mais altas são as três torres, de onde é possível contemplar uma vista incrível. Por fim, o Castelo de Foix, com acesso pago, é considerado um monumento histórico pelo governo da França desde o século XIX.

ALBI

Outro lugar adorável que visitamos, foi Albi Village. Aproveitamos um dia no meio da semana em que não tivemos aula e corremos para lá. O destino surgiu como uma curiosidade desde o momento em que a professora explicou sobre o quanto o Pastel, planta utilizada para tingir tecidos de azul, foi importante para o desenvolvimento da região no período renascentista.

Chegando em Albi sem grandes informações. Descobrimos uma cidade incrível cheia de belezas naturais e arquitetônicas, podendo ser muito bem ilustradas, aqui, pelo rio Tarn, pela Ponte Velha, construída na Idade Média, e por vários de seus prédios com tijolos ocre, o que deram o apelido de Cidade Vermelha (La ville rouge).

Dentre os vários pontos turísticos, ficamos encantados com a belíssima Catedral Sainte-Cécile, construída entre os séculos XIII e XVI, e o Palais de la Berbie, com lindo jardim e o museu Toulouse-Lautrec, onde estão várias obras do pintor pós-impressionista Henri de Toulouse-Lautrec. Todos situados no centro histórico, considerado pela UNESCO, em 2010, Patrimônio Mundial.

Além de muitas visitas, aproveitamos, claro, para almoçar deliciosos magret e confit de canard (pato) e comer uma torta de maçã (tarte aux pommes). No fim de tarde, sentamos em um bar, com cadeiras baixas distribuídas por uma pequena praça, para tomar chope francês e curtir o movimento dos moradores que se encontravam, tomavam uma bebida, conversavam um pouco e partiam. 

CORDES-SUR-CIEL

O nome poético antecipa subliminarmente o que se vê ao longe quando chegamos aos pés de Cordes-sur-Ciel (Fortalezas-ao-Sul-do-Céu, em tradução livre para o Português), nos períodos mais frios do ano. No topo de uma colina, a cidade medieval parece flutuar acima das nuvens, transformando tudo ao redor em um cenário onírico. Deve ter sido esta mesma poesia que atraiu o escritor franco-argelino Albert Camus, morador ilustre da cidade, a se mudar para lá.

Ao lado de Albi, Cordes-sur-ciel é um dos vilarejos medievais mais charmosos da região da Occitanie – e muita gente aproveita para conhecer as duas cidades no mesmo dia, devido à proximidade entre elas (apenas 25 km), o que não foi o nosso caso, pois queríamos aproveitar ao máximo cada uma delas. Membro da associação Les Plus Beux Village de France (as mais belas vilas da França), Cordes foi construída em 1222 pelo conde Raymond VII de Toulouse.

Para se chegar até lá, poderíamos ir caminhando pelas ruas íngremes ou pegar um trenzinho que sai da parte baixa, até um portal para a cidade, o qual nos transportou para um outro tempo. Arcos, ruas de pedra, casas abandonadas (dizem que é possível encontrar alguma aberta e explorá-la), fachadas góticas.. Embora turística, Cordes se apresentou mais rústica do que Carcassonne – isso tem seu charme. Encontramos muitas residências e gente morando nas casas.

A cidade é repleta de galerias e museus. Entramos em uma delas e conversamos longamente com uma pintora de arte abstrata que nos recebeu com muita simpatia em seu ateliê. Dentre os museus, Cordes abriga o do açúcar e do chocolate. No acervo, uma centena de peças feitas de açúcar com temas sobre idade média, mitologia, flores, entre outros temas. A propósito, Cordes também é conhecida pelo comércio de flores – muitas casas roubam emprestado a beleza destas para deixar tudo mais bucólico. Em nossas caminhadas, chegamos a tirar fotos com lavandas em plena floração, com uma vista magnífica do vale.

Há ainda uma curiosidade que põe Cordes-sur-Ciel em um dos roteiros espirituais mais celebrados do mundo – é que a aldeia recebe pelas suas ruelas nostálgicas peregrinos que seguem a caminho de Santiago de Compostela. Temos que concordar com Camus, quando diz “À Cordes, tout est beau, même le regret” (Em Cordes, tudo é lindo, até o lamento).