Alexandre Nero, ao mesmo tempo singular e plural, já foi nossa capa na versão eletrônica, mas ele tinha tanto ainda pra falar que veio parar nas páginas também da impressa. Ler Alexandre Nero é tão prazeroso quanto vê-lo atuar ou cantar. Então, vamos a ele.
Só para relembrar ao público, como você despertou que atuar era seu maior desejo? Como descobriu o seu talento de interpretar outras pessoas? Se puder relembrar pra mim também seria útil (risos). Meu maior desejo, eu acho, é defender ideias que acredito, ou divagações, que vão se metamorfoseando diariamente, tentar expressá-las de maneira criativa e provocar algo nos outros. Isso pode ser feito de diversas formas. Atuar é uma delas. Me dá muito prazer, mas não só ela. Escrever me dá esse prazer, compor, cantar, tocar, pintar, dançar, politizar, debater, conversar, enfim, muitas formas, tamanhos e posições. Já tive até blog de quadrinhos, chamava “umore nero” (em italiano, humor negro). Era horrível, mas eu adorava (risos). Autoterapia pura. Em relação ao “talento” de interpretar outras pessoas, é uma dúvida perene que me cerca, e acho que deve ser assim com qualquer arte que eu venha desempenhar, pois a dúvida me faz buscar. Sou um cara curioso e gosto de aprender. Não sei de fato o que seja atuar, e duvido quem diz saber claramente, pois não se trata de interpretar outra pessoa, pois ali não existe outra pessoa, existe uma, mas com milhões de referências e possibilidades de ser quem quiser ser, ou estar.
Como se dá o processo de memorização dos textos? Alguma regra básica? Sempre vai depender de cada processo e dos profissionais envolvidos. Penso que existem textos que não precisam ser reproduzidos Ipsis litteris. Entendemos a linha de raciocínio, guardamos a base, e é dito de uma forma que o ator-personagem vista-o melhor. “Azeitamos” o texto. É o que acontece, na maioria das vezes, em novela, que se trabalha com a “urgência”. Já outros textos precisam, ou deveriam ser ditos “tal e qual”, e aí, obviamente depois de compreendê-los profundamente, o jeito é repetir, repetir, repetir exaustivamente. Esse é o meu processo. Chega um momento que não tem escapatória. É como se tocar um instrumento. Repetição, repetição, repetição puramente mecânica. Existe o primeiro momento intelectual, mas em algum momento teremos que passar pelo trabalho braçal. Pra mim o processo mais profundo, transformador, prazeroso e eficaz é quando nos tornamos co-autores do que é dito e feito ali, e quando o texto, depois de tantas discussões, leituras e ensaios, o apreendemos como que por osmose. Pode parecer estranho para um artista de palco, mas sempre tive muito mais prazer no processo de ensaio do que nas apresentações.
Você parece ter um jeito peculiar de expor suas opiniões, às vezes ácido, às vezes sarcástico, mas sempre perspicaz e com doses de humor. Concorda? (risos) Não falo inglês, mas falo acidez (risos). Eu tento falar com o “meu público”. E quem é? Não sei, mas quero crer que sejam pessoas que entendem o que falo e onde pretendo chegar com o que digo e faço. Falar do sério brincando. Brincando seriamente. Usar o humor para mostrar o trágico, e o trágico para fazer humor. É pra ser agridoce. O mestre Domingos Oliveira me disse uma vez “você tem humor afiado. Não perca ele quando for falar das coisas”. Humor é algo muito subjetivo. Pode ser engraçado pra um, e não pra outro. Aliás, virou moda agora que humor é só o que se faz rir. Não é! É importante que se diga que humor não comporta só “bom” humor. O “mau” humor é o seu complemento. Poesia não se faz somente falando de flores. É preciso meter a mão no esterco pra tirar palavras. Assim é com humor. Humor não é feito só pra gargalhar. Como poesia não é feita só pra ser linda e nem música só pra animar a festa. Tem vezes que não se ri, nem por isso deixa de ser humor. Nem toda rima é poesia, nem todo samba é pra dançar. Mania de falarem da arte apenas como algo belo, leve ou doce. Algo que serve apenas para “aliviar a vida dura”. A arte deve também ser terrível quando solicitada. Quando o piá apronta, a mãe alerta: “Já tá fazendo arte!”. É isso! “Mães” temem a arte, por que arte é desobediente, incomoda. A arte ataca! Arte não é cordeiro, arte é predador! O Artista é um deformador de opinião.
Autoestima é tudo? Ou a opinião alheia tem lá sua importância? Autoestima, autocrítica e automóvel: É preciso manter os 3 calibrados pra se manter equilibrado. Pronto, é um “provérbio chinês” que acabei de inventar (risos). Minha autocrítica é cruel. Nenhum crítico ainda conseguiu ser pior comigo do que eu mesmo (risos). Claro que é preciso ter autoestima o suficiente para não se importar o tempo todo com o que os outros dizem, pois muitos querem o seu fracasso. Mesmo quem o ama, às vezes, sem perceber e sem maldade, quer o seu fracasso. Mas é preciso ponderar vez ou outra. Ouvir os amigos, colegas, os mestres, pra depois filtrar e aplicar o que você tira disso, mas acima de tudo, ir onde você deseja ir.
Você passa uma imagem de que é muito seguro de si. Verdade? E o que te tira do eixo? Tudo fachada (risos). Eu sou tímido, mas me faço de sem-vergonha. Eu sou fofo, mas quero “manter minha fama de mau” (risos). Eu sou muito inseguro do que faço, e isso é muito importante pro meu ofício. Não trabalho com o que é exato. Eu falo do nada, do vazio. Tento explicar o inexplicável, ou melhor ainda, confundir ainda mais o explicável, por isso não posso ter certezas, aliás, costumo não me dar bem com pessoas que tem certeza das coisas, mas claro, preciso ter segurança o suficiente para expor o que acredito na minha arte. É como disse acima, equilíbrio, e não tenho nada de mestre zen, muito pelo contrário (risos). Já deu pra ver o que me tira do eixo. Meu ofício já é coisa suficiente para tirar dez vidas do eixo (risos). Na verdade sou ótimo na teoria de como viver bem, mas na prática… Estou mais pra bêbado que pra equilibrista (risos).
Você é do tipo que filosofa muito? Reflete sobre a vida, pessoas, coisas? Ou vai vivendo o momento sem pensar muito no depois? Essa entrevista já tá enorme… imagina se filosofo muito (risos). Mas, infelizmente pra mim, meus pensamentos filosóficos são de uma limitação intelectual gigantesca. Não fui, nem sou, um devorador de livros. Sou um feroz consumidor da sabedoria alheia. Todos os meus amigos são mais cultos, inteligentes e talentosos do que eu. Por hora sou um farsante, um plagiador, mediano, um medíocre, e às vezes, mesmo que muito esporadicamente, também consigo algo perto brilhante.
Falando em provocação… quando você quer provocar uma mulher, que armas usa? Jogar ela numa liquidação de sapatos sem cartão de crédito? (risos). Sedução é um jogo, por isso vai depender de cada situação. É xadrez sem vencedor ou perdedor. É xadrez. Tem vezes que acaba mesmo na cadeia (risos).
O que torna uma mulher encantadora aos seus olhos? Nada melhor que um sorriso doce, singelo e sincero… Uma boa bunda e peitos são legais também (risos)
O que não sabemos sobre as mulheres? Você já descobriu? O que sei delas é que a mulher é um ser humano do sexo feminino. Se distingue do homem por ter útero, óvulo, canal vaginal, vulva e seios proeminentes. Apresentam em suas células somáticas um número par de cromossomos do tipo XX, gostam de bolsas, sapatos, chocolate, homens que “tem pegada”, dar risada, acreditam em pesquisas, leem “50 tons de cinza”, sempre precisam perder uns 2 quilinhos, sonham em casar, ter filhos e se sentir protegidas. Esse é o pensamento do homem médio. É o que os homens quiseram e querem que elas pensem sobre elas mesmas, e o pior, eles conseguiram. Cabe a elas querer mudar isso, mas isso tem um preço. É alto e não se aceita cartão (risos). Salvo algumas raras exceções, as mulheres modernas continuam querendo homens antigos. É mais confortável. Ah, e sei também que elas vão odiar essa resposta (risos).
Por falar em Stênio, tem sido muito divertida a dobradinha com Giovanna Antonelli? Como você vê essa relação? É algo muito comum entre homens e mulheres separados? Primeiramente é fundamental que seja divertido para nós, e que sejam bons atores. Sem isso fica muito complicado. Depois disso ainda temos que contar com a sorte de muitos outros fatores, que não dependem exclusivamente de nós. Tenho tido sorte no que se refere a parcerias e dobradinhas na TV. Se é algo comum um ex-casal ter recaídas, brigar diariamente, e ainda preservar o carinho e atenção ímpar um com o outro? Acredito que não. O comum são só as brigas, que devem ser em decorrência às recaídas (risos).
Depois de personagens tão diferentes, se sente satisfeito com a repercussão dos seus personagens? Tem se sentido realizado profissionalmente? Como disse, tenho tido sorte na TV. Tenho pego bons personagens, mas sempre esperamos ir além, transcender, ir para lugares ainda inabitados conscientemente por nós. Ainda falta muito pra que eu me sinta realizado como ator de uma maneira geral.
Quem é Alexandre Nero? Quem ele quer ser quando crescer? (risos) Alexandre Nero sou eu. Eu sou uma contradição (risos). Sou único. Contrariando a máxima, que deve ter sido inventada por alguma multinacional que despreza o afeto e só visa lucro. Para quem me ama eu sou insubstituível sim. É assim que as pessoas que amo são pra mim. Insubstituíveis. Com todos os seus defeitos, e 2 ou 3 qualidades (risos). Quem eu quero ser quando crescer? Aquele senhor gordo e velho, que não se importa em ser gordo e velho, e que fica sentado numa pracinha gritando com as crianças, passando rasteira nos jovens e jogando conversa dentro.
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