Carioca da gema, mas com um pezinho no Nordeste, assim é a formação de Luís Lobianco que atualmente interpreta o baiano Clovis Falcão na novela “Segundo Sol”. O tom do personagem é tão real que fica difícil de acreditar que Luís não é da terrinha do Nosso Senhor do Bomfim. Mas esse justamente é a grande faceta de um grande ator, convencer o público com verdade. Outro destaque para esse personagem carismático é como o drama e o humor está presente em sua trajetória. Algo em comum com Lobianco, e que conquistou não só o público, mas o ator também: “Todos esses valores do Clovinho vou carregar para sempre comigo. É desses personagens que transformam nossas vidas”, comenta ele. “É um pouco como foi minha vida. Perdi minha mãe biológica aos cinco anos de idade. Foi levando a vida com humor que sobrevivi a isso. Acabou se tornando uma característica do meu trabalho’, completa Luís. Sua sucesso em horário nobre reflete sua trajetória, que ganhou notoriedade com as tiradas na “Porta dos Fundos”, conquistou público infantil em “Valentins”, no canal Gloob e se prepara para a nova série da Globo, “Shippados”, onde irá interpretar um naturista ao lado de Clarisse Falcão, Eduardo Sterblitch e Tatá Werneck. Ou seja riso na certa!
Luís, você está tão baiano que foi difícil a de acreditar que você é carioca! Como foi isso rapaz?! Carioca da gema! Nascido em Vila Isabel e morador da Lapa há 10 anos. A família da minha mãe é de Sergipe e cheguei a morar lá por um ano na infância. Aracaju é um pulo de Salvador e sempre que vou dou aquela esticadinha. São sotaques bem diferentes, mas, o acolhimento afetivo nordestino é o mesmo. Em 2007 fiz uma viagem pela Chapada Diamantina e litoral norte que mudou a minha vida! Além da relação com o lugar tem o estudo para o personagem. O elenco foi muito aplicado em investigar um sotaque real, nada de generalismos. Os colegas baianos do elenco e equipe ajudaram bastante. Muita gente se espanta quando descobre que não sou baiano!
Você chegou chegando em sua estreia em novela. Como está sendo a experiência nessa reta final? O que ficou de bom e quais os desafios? Estamos gravando os últimos capítulos e o coração já está murchinho de saudade. Outro dia fizemos uma das últimas cenas da Família Falcão à mesa e bateu uma baita nostalgia, chororô geral! O ideal da nossa profissão é criar esses ciclos de trabalho e afeto, porque movimentamos emoções e deve ser real. Impossível não se envolver, não virar uma família da arte. Dessa vez, em especial, nosso núcleo era formado por atores extremamente comprometidos e apaixonados. Ainda não me acostumei com as despedidas, o fim desses ciclos. O desafio é ter a intuição de estar em conjunturas de artistas parecida. Escolher trabalhos com o mesmo nível artístico porque uma novela como essa cria expectativas em quem te acompanha. O que fica são as relações. Mídia, eventos, “causação” nas redes sociais, passam, mas, bons amigos ficam na sua vida. O maior tesouro desse ofício.
Você chegou pela porta dos fundos e está saindo pela porta da frente para o grande público. Como foi essa trajetória até atingir a popularidade da TV em horário nobre? Estranhou muito? Faço teatro há 24 anos. Comecei aos 12 numa companhia pequena, mas, estudando o palco muito a sério. Aos 18 entrei na CAL e com 21 estava formado tentando me encaixar no mercado. Não me faltou trabalho porque nunca esperei que me oferecessem. Olhávamos pra quem estava em volta em situação parecida e criávamos nossas próprias peças. O que faltou foi retorno financeiro, o alcance de mídia, faltou dinheiro da passagem para chegar no ensaio (já cheguei a andar até quatro horas pra trabalhar) e faltou até comida na geladeira. Ainda assim sou um privilegiado por ter condições de persistir na profissão. Depois de tantas adversidades e já bastante cansado fui chamado para compor o Porta dos Fundos que estrearia em 2012. Ali tive uma enorme projeção e, aí sim, recebi muitos convites para o cinema e TV. Acabei fazendo diversos trabalhos e junto com a rotina do Porta ficava difícil aceitar propostas para novelas. Em agosto de 2017 recebi uma ligação do João Emanuel Carneiro me falando do Clóvis e o coração bateu diferente com o convite. Topei na hora! Eu já era conhecido de um grande público jovem (pelo Porta) e também as crianças e pais (fui por 2 anos o vilão Randolfo da série “Valentins” no Gloob). Com a novela tenho a impressão que sento à mesa das famílias brasileiras todas as noites. É assim que as pessoas me abordam, da vovó à criança. Você passa a ser um parente próximo de todo mundo. É a força que a novela das 21h tem como patrimônio cultural do país. Até quem faz questão de vir te dizer que não assiste só te abordou porque vê a novela também!
Falando em “Porta dos Fundos”… ao todo já se vão 5 anos? O que o Porta representa para você? Seria o grande laboratório que um ator tanto deseja? O Porta foi das maiores alegrias da minha vida. Um encontro que me transformou completamente. Eu tinha 30 anos e ainda fazia teatro em condições absolutamente adversas. Estava desanimado, endividado e o cansaço era enorme. Quando o Ian SBF, diretor e fundador, me chamou para uma reunião foi um resgate! Durante esses cinco anos fiz amigos, viajei, me diverti e trabalhei pra caramba! Fizemos internet, tv, cinema, teatro e fui indicado ao Emmy Internacional dentro do Porta. Não diria que isso tudo foi um laboratório porque não estava de passagem ali, vivi intensa e inteiramente. Hoje o canal se consolidou como um dos maiores produtores de conteúdo do Brasil.
Qual a situação mais esdrúxula que passou durante o período no Porta dos Fundos? E quando foi difícil segurar o riso? Quando um determinado religioso que vive de criar polêmicas para aparecer na mídia quis censurar o canal acionando o Ministério Público. Fez algumas tentativas, mas, todas fracassadas. O que ele conseguiu foi aumentar muito o número de visualizações dos vídeos! Sempre que estávamos juntos era difícil segurar o riso, mas, lembro de uma situação: estávamos gravando a série “Refém”, eu fazia um policial que na cena traduzia para sua equipe o que um estrangeiro falava. Nos descontrolamos tanto no riso que até o diretor (Ian SBF) teve que deixar a câmera gravando e sair do set porque não conseguia se controlar!
Aliás, você parece ter o riso fácil. Como é seu humor no dia a dia? Sou partidário do bom humor! É uma maneira de facilitar a própria vida e dos outros! Claro que a realidade é dura, a cidade violenta, todos temos problemas pessoais e até uma enxaqueca tira a gente do prumo! Mas não cultivo “ranzinzice”. Por outro lado, não tenho riso tão solto. As situações me provocam mais riso do que piadas.
Você se considera um cara engraçado? E quando é que você perde a graça? Acho que sou um cara engraçado sim! Mas tenho graça quando estou relaxado, em família, entre amigos e nos ambientes profissionais que me sinto seguro e respeitado. Minha graça não está em ser espalhafatoso e extrovertido, definitivamente não sou esse. Estou mais para sossegado e observador. Meu humor vem daí! Perco a graça diante de situações preconceituosas e constrangedoras. Também detesto as desonestidades do cotidiano: gente que entra e duas filas de mercado, falsificação de documento pra ter desconto, puxar fio pra não pagar mais uma assinatura. Isso somado aos grandes sonegadores e corruptos têm reflexo imediato na política.
Agora com Clovinho em “Segundo Sol” você foi do drama ao humor à todo instante? Como foi isso? É um pouco como foi minha vida. Perdi minha mãe biológica aos cinco anos de idade. Foi levando a vida com humor que sobrevivi a isso. Acabou se tornando uma característica do meu trabalho. Fui amadurecendo como artista e entendi que gosto de contar histórias através de meus personagens. Para dar dimensões humanas a uma história precisamos dosar drama e humor porque assim é a vida. O Clovis vive intensamente suas emoções e busquei potencializá-las para dar corpo ao personagem.
Como foi dar vida a esse personagem puro e ingênuo no meio de uma família de gente enrolada? Clovis é um banquete para o ator. Diz tudo que pensa, ri e chora tudo que sente. Sem filtro, sem rodeio. Poderia ser catastrófico, mas, tudo isso revela um grande caráter nele. Muitas vezes está enxergando algo que poucos veem, mas, é ignorado. A inocência de Luzia, por exemplo. Nos capítulos mais recentes ele tem o reconhecimento da família, principalmente do pai que nunca o respeitou. Seu Dodô diz que é o melhor dos Falcão: íntegro, honesto e leve. Todos esses valores do Clovinho vou carregar para sempre comigo. É desses personagens que transformam nossas vidas.
O que mais une os irmãos Falcão que vai deixar saudades? O encontro de quatro atores conscientes e com responsabilidades. Todos vêm do teatro e apontam nos seus trabalhos individuais debates e reflexões importantes. Nos reconhecemos na devoção à arte como irmãos. Além disso, sabemos nos divertir com nossas próprias companhias. Adoramos nos reunir para rir, conversar, comer, beber e trabalhar.
Você já se experimentou na TV, cinema, internet, teatro… Algum ambiente mais cômodo para você? Gosto de pensar que tudo é teatro. Claro que o volume das emoções e o corpo precisa se ajustar a cada um desses espaços, mas, o princípio é o mesmo, a relação do artista com o espectador.
O que você deseja como ator? E como expectador? Como ator eu desejo me comunicar. Tem coisa sendo feita para dialogar só com críticos e a própria classe artística. O público fica excluído. O meu sentido é o espectador, se ele aprova esse é meu prêmio. Claro que existe crítica especializada que enxerga e reconhece essa relação, são olhares que também me interessam muito. Não gosto é das bolhas porque arte deve ser popular e democratizada sempre. Quando sou público gosto de ver mais o produto e saber menos sobre quem o produz. É uma época de gente muito “famosa” e quando você pergunta o que ela faz descobre que não faz nada. São perfis e looks ambulantes.
Como foi o início? Como percebeu que atuar era o que você queria pra vida? Fui um menino muito observador e criativo. Gostava de fazer cola de farinha pra criar objetos de jornal velho, ia pra escada do prédio pra cantar com eco, desenhava os meus próprios convites de aniversário e adorava copiar as cenas das novelas e filmes. Tentei estudar piano, desenho, esportes, mas, foi no teatro que tudo fez sentido. É uma arte que se dá em várias dimensões, percebi que ali eu poderia tocar, pintar, cantar, colar, me exercitar e contar histórias.
Em meio a tanta intolerância como é se expor nas redes sociais o amor por seu marido? Falo das que amo como qualquer pessoa o faz com seus amigos e familiares. É natural, sendo figura pública ou não, em qualquer orientação. Não sou adepto de mostrar coisas privadas então o que fica mais exposto ali é a reação dos preconceituosos e heaters e não nós. Eu, minha família e os que acompanham meu trabalho com carinho continuaram vivendo nossas rotinas, e somos maioria!
Acha que a população encaretou ou ficou mais chata diante de tanta patrulha digital? Estamos avançando em vários debates nas questões humanitárias e isso causa reação adversa a quem não quer acompanhar mudanças. A guinada que o mundo está dando para a extrema-direita é desenho pendular do tempo. Vamos viver esses ciclos até achar um equilíbrio onde todos sejam enxergados e respeitados. A patrulha digital desse período reacionário aponta muito mais o dedo no aspecto moralista do que na urgência de se apurar as fakenews, por exemplo. Se tornou mais escandaloso uma mãe amamentando em espaço público do que um escândalo de fraude eleitoral com empresas contratadas para gerar notícias falsas em massa.
Qual o limite entre o público e o pessoal que você procura preservar? Falar em exposição é refletir sobre as redes sociais. Pessoas públicas e anônimos têm o mesmo espaço. Até que ponto nosso perfil virtual é coerente com a vida que levamos? Entendi que as redes só têm sentido pra mim para dialogar com o público através dos meus trabalhos. Também busco cultivar afetos: reencontrar amigos, registrar encontros especiais, falar de arte e fazer algumas reflexões. Depois disso há limites e coisas que não são de interesse público, ou pelo menos, como artista, me sinto com a responsabilidade de não aguçar outras curiosidades. Não é possível que uma pessoa que posta um textão e um grande momento por dia esteja de verdade vivendo intensamente, não dá tempo!
Soubemos que depois da novela vem mais trabalho com a série “Shippados”. O que podemos esperar do novo personagem Valdir? É uma nova série de humor para a grade de 2019 da TV Globo com assinatura da genial Fernanda Young e Fernando Machado. Eu interpreto Valdir que namora a personagem da Clarice Falcão. Eles são um casal com uma lógica própria de vida social e relacionamento. Acreditam que as roupas expõem as pessoas e por isso são adeptos do naturismo como forma de libertação. Valdir divide apartamento com o personagem do Eduardo Sterblitch, par de Tatá Werneck.
Como foi a experiência de bancar o modelo para essas fotos? Eu comentei com a equipe que pra mim é mais fácil gravar uma sequência pelado, chorando, no sol com mais 1000 pessoas me olhando do que posar para fotos! Sempre acho que estou canastrando nos sorrisos e olhares, (risos)! O negócio é brincar com a situação e os presentes. No fim das contas saí do estúdio super satisfeito com o material!
Depois da novela vai curtir um pouco de “sal na pele”? Quais os planos pra relaxar? Não vou ter “Sal na Pele” depois da novela! Começo a gravar o Shippados no dia seguinte ao fim de “Segundo Sol”. No meio das gravações ainda vou a Portugal apresentar meu monólogo “Gisberta” em turnê por 16 dias. Ano que vem lanço o meu primeiro filme como protagonista “Carlinhos & Carlão”, de Pedro Amorim. É uma agenda pesada, mas, acordo feliz todos os dias quando saio pra trabalhar.
Foto Marcio Honorato – @photohonorato
Styling Juli Videla – @rjulividela
Beleza Jefferson Marco – @jeffe_marco
Produção Executiva Márcia Dornelles – @marcia_dornelles