DESTINO: Vital é pilotar – Uma road trip conexão Recife x Brasília em duas rodas

á pouco mais de um ano, nosso fotógrafo e colaborador Carlos Cajueiro fez como o personagem Vital e ignorando alguns apelos comprou sua primeira moto e passou a se sentir total. Entre uma voltinha aqui e outra ali, junto com mais outros aventureiros do asfalto, Cajueiro viveu sua primeira grande viagem sobre seu sonho de metal. Foram 5.650 km de Recife à Brasília pra um encontro de motociclistas que agitou a capital do país. Mas, como dizem alguns poetas e filósofos, a felicidade é o caminho e não a chegada. E sobre esse caminho será a nossa história.

Carlos Cajueiro sempre viveu um estilo motociclista de ser, mas até então, o sonho de ter uma moto era impedido, paradoxalmente, pelo medo de ter uma moto. O primeiro passo para consumir o sonho foi tirar a habilitação A.  Somente um ano depois, em 25 de abril de 2015, (o dia em que deveria estar casando), adquiriu sua Harley 48. União inclusive abençoada pelo sogro, que por inexperiência do genro, foi quem conduziu a “noiva” pra casa. Para cair na estrada, o grande desejo de Cajueiro, era necessário uma moto estradeira, e mais ainda, uma moto com a qual tivesse afinidade, reconhecimento, daí a escolha por uma Harley Davidson.

 

O INÍCIO

O HOG – Harley Davidson Owners Group é a família Harley que acolhe e incentiva novos clientes a pilotarem suas máquinas na rua e na estrada. Foram dois cursos, andar em comboio e pilotar em baixa velocidade, além de passeios e pequenas viagens até Cajueiro se sentir seguro e confortável com sua nova companheira de aventuras. Veio a viagem de 800 km para o Rio Grande do Norte, muitas outras desbravando o sertão pernambucano com o amigo e guitarrista de sua banda Danyboy, até finalmente um convite mais que especial acontecer.

BRASÍLIA MOTO WEEK

O Brasília Capital Moto Week é o maior evento do gênero em toda a América Latina, atraindo cerca de 500 mil pessoas de todo o mundo e movimentando milhares de reais. Há áreas para moto clubes, marcas apoiadoras e patrocinadoras, camping, shows e toda uma infraestrutura para agregar motociclistas de todos os lugares, formando uma grande família. Aliás, esse é um dos grandes espíritos do motociclismo. Há gerações de motociclistas em várias famílias, o sentimento de união e apoio é palavra de ordem.

O convite para participar não só do festival, mas da viagem em comboio até lá, veio de um dos integrantes dos Carcarás MC, grupo que já existe no Brasil há 34 anos, cuja sede é em Brasília. Os Carcarás são os maiores colecionadores de Harley Davidson antigas panhead do Brasil. Além do convite de um dos membros, filho de um dos fundadores, houve também o aceite dos outros participantes do comboio para sua participação na viagem. Esse aceite vem em forma de alimentação, hospedagem e muito, muito companheirismo e compreensão com o “visitante novato”.

Convite feito, convite aceito, o primeiro desafio de Cajueiro foi não desanimar com alguns comentários que ouvia sobre sua moto. Por ter um tanque peanut, o menor da categoria, muitos consideravam que ele não conseguiria aguentar a viagem e que poderia atrapalhar, tendo de parar constantemente para abastecer. Atento aos comentários, mas sem considerar uma desistência, nosso fotógrafo de duas rodas passou um bom tempo preparando a moto para sua grande viagem. Peças foram trocadas para oferecer mais segurança e conforto, ; banco, amortecedor, guidom, comprou galão de gasolina de cinco litros para levar na mochila (pasmem!), instalou alforjes, trocou o óleo e tudo mais que era necessário. Deixou a “garota” pronta pra desbravar esse trecho do Brasil. E ele também, já que o mecânico o fez participar de todo o processo para, caso fosse necessário, Cajueiro pudesse resolver qualquer problema. O motociclista também faz seu preparo para uma longa viagem e nosso amigo não escapou desse processo. Foram 4 noites sem dormir pela ansiedade da estreia, mas segundo ele, preparar a moto foi também preparar a si mesmo para a jornada.

MOTO CLUBES

Cajueiro nunca foi muito afeito a moto clubes principalmente por discordar de algumas regras e doutrinas, mas a experiência o fez repensar suas ideias antigas e a paixão pelo Carcará foi quase que imediata, se “sentindo em casa” junto a eles. Os moto clubes são grupos constituídos e organizados por pessoas que apreciam o motociclismo. Organizados para estabelecer relações de camaradagem e amizade através da socialização de seus membros com passeios e encontros. São organizados com base em regras e estatutos onde se define denominação, sede, patrimônios, e os representantes, como presidente, vice-presidente, diretor regional e outros. Tal regulamento deve ser seguido por todos os seus membros afiliados, podendo o descumprimento causar advertências e até mesmo expulsão.

IRMANDADE

Amizades nasceram, passeios para lugares bacanas foram feitos e o sentimento de pertencimento só fez nosso aventureiro amar ainda mais a sua moto e tudo de bom que ela lhe trazia, principalmente solidariedade. Durante a viagem, um dos motociclistas teve problema com a moto. Ele nem era um Carcará, mas Caju e Rafael Nogueira, um dos Carcarás de Recife que também é mecânico, viajaram até um local mais próximo para providenciar as peças necessárias para o conserto, deram lugar para ele dormir sem precisar gastar com hospedagem e alimentação e em seguida poder seguir viagem em paz.

 

Outra experiência de “troca” aconteceu já em Brasília. Durante o evento rolam shows e uma das apresentações estava comprometida porque o baterista havia ficado preso no aeroporto. Seria um show a menos não fosse nosso intrépido fotógrafo e motociclista ser também um baterista. E lá foi ele salvar o show da banda Caça Níqueis, garantir a festa da galera e ganhar respeito dos motociclistas mais antigos e experientes. Os mais de 5 mil quilômetros rodados causam paradas em vários postos de gasolina. E em cada um, o motociclista Cajueiro fez um novo amigo. Em um deles encontrou um representante de uma marca famosa de aditivos. Bateram um papo e o cara, vendo a moto de Cajueiro e o chão percorrido e a percorrer, lhe presenteou com uma unidade.

A VIAGEM

A saída de casa foi às 4h30 para encontrar o comboio às 5h em um posto do bairro de Boa Viagem, zona Sul de Recife. Assim começou o dia (ou madrugada!) do nosso viajante. Bagagens bem presas na moto, equipamento fotográfico, incluindo câmera go-pro, dinheiro em cash praticamente “contado” com um pouquinho a mais pra uma eventual emergência e claro, o bom e velho cartão de crédito just in case. E pra quem vive chorando com os gastos de gasolina do seu carro, foram R$ 700 reais gastos com combustível para ida e volta desta aventura. E aí? Animou pra compra de uma moto?

Como a moto de Cajueiro tem uma autonomia pequena , precisando abastecer a cada 150 km, ele precisava parar a cada 130 km para não ficar de tanque vazio. O sentimento de coletividade o levou a algumas escolhas para não atrapalhar o grupo com paradas desnecessárias. Daí ou ele acelerava e chegava num posto para abastecer enquanto os demais estavam na estrada ou parava em qualquer lugar e abastecia com o galão que levava na mochila. Em todo o percurso de 5.650 km nosso amigo só parou por falta de gasolina uma única vez e ainda assim sabendo estar a 300 m de um posto ladeira abaixo. Rolou uma descida na banguela até a bomba dar de beber ao tanque peanut.

E o cansaço? O cansaço veio a galope! Imagine dirigir por 12 horas em uma moto. Por mais conforto que ela proporcione, o desgaste físico é gigante. Uma dica é aproveitar a mochila, geralmente do tipo trekking/cargueiro para fazer de encosto até encontrar uma posição mais inclinada. Já a perna, só pede pra ficar em pé. A tensão de uma estrada desconhecida foi substituída pela qualidade do asfalto e pela tranquilidade de um percurso sem qualquer sobressalto.

O preparo físico não existiu e acabou mostrando a sua importância quando já no segundo dia de estrada Cajueiro não conseguia segurar um garfo e quebrou 3 copos pela mesma razão. As mãos precisavam ter sido trabalhadas para aguentarem a tensão e desgaste que sofrem. Rolou um desespero, claro, mas, sobretudo a lição de não deixar de fazer o que é imprescindível para a própria segurança e saúde. E como moto tem a ver com liberdade e desprendimento, num dia qualquer, já instalados no camping do festival, Bambam, um dos companheiros de viagem, convidou Cajueiro para dar um pulinho logo ali em Goiás. Mais 300 km na conta da viagem, além de mais fotos, experiências, paisagens incríveis e aquele gostinho de aventura e liberdade. Para um novato, Caju já estava bem enturmado.

 

Amante e profissional da fotografia, Caju saiu de Recife a à Brasília com a certeza que faria um livro de tantas que seriam as fotos que faria no caminho de ida e volta. Ledo engano. A viagem em comboio precisa de certas regras de convivência para manutenção da harmonia. A parada desejada por Caju para registro em suas câmeras significaria a parada do grupo todo e consequentemente atraso na chegada que tinha data certa para acontecer. O jeito foi uma ou outra paradinha enquanto a galera estava no espírito de fazer pose e depois só fazer cliques durante paradas para almoço e descanso coletivo. Resultado; ele já pensa numa próxima viagem para que o fotógrafo tenha mais espaço que o motociclista. Para tanto, ele está montando um grupo de motociclistas fotógrafos com o intuito de paradas a cada desejo de registro. Alguém se candidata?

Mas a bem da verdade é que ainda assim foi possível fazer muita foto bacana (como mostra essa matéria) e ver paisagens já conhecidas com outro olhar. A Chapada Diamantina na Bahia foi um exemplo disso. Não era um lugar novo, mas passar por ela sobre uma moto revelou outras faces mágicas do lugar. São dois dias e meio de viagem só na Bahia, um estado que se torna ainda mais gigante sendo percorrido de moto. Algumas retas levavam 3 horas para serem percorridas. Nesse momento, piloto automático acionado, fotos, música, mudança de posição para se manter esperto e atento e não deixar a tranquilidade levar a um cochilo que possa ser fatal.

A viagem trouxe para Cajueiro a experiência das estradas de mão dupla e a necessidade de estar atento aos veículos que vem e vão e aumentam o perigo. Imagine a seguinte situação: sua moto a cerca de 140 km passando por uma carreta de 30 metros em posição contrária. Você entra em um vácuo que faz tudo balançar e o medo de cair te pega de jeito. Por um lado, é uma boa forma de dar aquela chacoalhada e espantar o sono. De tudo vivido, o mais bacana foram as amizades feitas e a rede de relacionamento criada com tanta gente diferente, mas com uma paixão em comum: a vida na estrada sobre duas rodas e a certeza do ditado que diz que a história se escreve na estrada.