CAPA: A PRIMEIRA VEZ DE TÚLIO STARLING

Quem conhece um pouco da carreira de Túlio Starling sabe bem que ele não é mais um rostinho bonito que surgiu na TV com o sucesso de Rancho Fundo, onde interpreta o mocinho Artur Ariosto. Natural de Belo Horizonte, Túlio começou a estudar teatro em 2003, aos 13 anos, e se formou em artes cênicas pela UnB (Universidade de Brasília) em 2015. Vive em São Paulo desde 2017, quando ingressou no Teatro Oficina, onde foi dirigido por Zé Celso Martinez. Túlio, aos 34 anos, colhe atualmente os frutos de anos de estudos e dedicação às artes cênicas, através da visibilidade que a TV aberta proporciona. Além de ser protagonista da atual novela das 18h (Globo), ele também pode ser visto na série Justiça 2 e Vicky e a Musa (ambas Globoplay). Apaixonado por teatro e encantado por tantos personagens nos quais deu vida, Túlio nos conta aqui nessa entrevista exclusiva um pouco da sua brilhante trajetória até aqui.

Túlio, apesar de um longo currículo como ator, No Rancho Fundo é sua primeira novela. E você chegou já como protagonista. Como surgiu o convite e como tem sido para você? Sim, minha primeira novela com um personagem de arco longo. O convite surgiu pra fazer um teste – tanto o Allan Fiterman quanto o Pedro Brenelli já conheciam meu trabalho. Eu fiz um ótimo teste e eles me convidaram pra fazer a novela. Tem sido uma experiência maravilhosa. Eu gosto muito de investigar as relações entre o meu ofício e as diferentes linguagens e formatos – como trabalhar minhas dinâmicas criativas numa série, num filme, numa novela e numa peça de teatro – suas diferentes autorias e estilos. Tô adorando perceber como tecnicamente é fazer uma novela, como é ir compondo o personagem, seus conflitos e relações numa dramaturgia longa. Tenho gostado dessa companhia que o personagem me faz durante os meses.

Antes de No Rancho Fundo você fez uma participação em Pantanal (como irmão de Juma). Para você que já fez muito teatro e cinema, qual a importância de fazer uma novela do começo ao fim? Uma novela, depois de apresentar personagens, contextos e conflitos centrais, vai caminhando a partir de novos conflitos, porque são muitos capítulos e a história precisa se manter instigante. E todos os conflitos precisam também se compor e ir se aprofundando em cada personagem na sua jornada inteira, no todo da trama. É muito fácil perceber isso quando se faz uma novela de um autor com a qualidade que tem o Mario Teixeira. Você vai lendo os blocos de capítulos e vai sacando os ganchos, os beats, o clímax de cada conflito. Então, como ator, fazer uma novela do começo ao fim, é uma oportunidade de exercitar em uma mesma dramaturgia a abordagem em vários ciclos de conflito, sua apresentação, se desenvolvimento, ápice e resolução, com o gancho para o conflito seguinte, sempre no intuito de ir compondo a jornada total do personagem. É um exercício único e muito instigante.

Indo para o início, você começou a fazer teatro aos 13 anos. Aos 25 formou-se em Arte Cênicas pela Universidade de Brasília, e sua grande estreia no teatro foi pelas mãos de Zé Celso Martinez. Como foi esse início e como foi estrear por Zé Celso? Sem dúvida tudo que eu vivi no Oficina me expande muito como artista, mas minha grande estreia foi aí com 13 anos, fazendo teatro na escola, e descobrindo essa dimensão da vida na cena. Eu lembro de detalhes até hoje. É muito bonito quando uma pessoa, em qualquer idade e contexto se percebe capaz de mover a atenção de outras pessoas no mesmo tempo e espaço, a fim de dar a ver e ouvir o que quer imaginar nessa linguagem humana que é o teatro, que qualquer pessoa pode se arriscar a fazer. E a concretude disso, do acontecimento teatro, eu pude aprofundar, na sua simplicidade mágica, no Teatro Oficina, com Zé e toda o saber que vive ali nessa criação coletiva de 65 anos, através dele e de outras tantas pessoas que ali permanecem criando. Eu já fiz teatro com um bocado de gente e quero seguir fazendo, ganhando da vida esses encontros. Essa forja permanente, através do que se vive em comum, é o maior tesouro que este ofício dá.

No streaming você também está na série Justiça 2, onde trabalhou ao lado de Alice Wagmann, trazendo à tona pautas pesadas como abuso sexual. Como foi participar desse projeto? Abuso sexual é sim uma pauta pesada, mas que infelizmente faz parte do dia a dia do país, só que nem sempre se encara essa violência com a honestidade devida. O número de pessoas, e muitas delas menores de idade, que são abusadas diariamente é muito grande. Isso porque evidentemente há casos que nem viram estatística. E a maioria dos casos ocorrem em contexto familiar. Portanto, os congressistas deveriam gastar menos energia com deturpações e alarde moral e mais em compreender a necessidade de políticas públicas amplas que vão desde a rede de amparo e proteção a uma educação sexual que permita formar cidadãos capazes tanto de se protegerem quanto de não promoverem ou reproduzirem essas violências. Mas há muitos políticos que se promovem através de terrorismo moral, fazendo jogo eleitoreiro nas redes sociais.

Já em Vicky e a Musa, você interpreta o Deus do Teatro. Inclusive, você chegou a comentar que faria umas 10 temporadas se fosse necessário pois adorou participar da série. Por que lhe encantou tanto? Porque é muito divertido brincar com a condição imortal do personagem. Imagina se você fosse imortal! Tudo o que você já viu e sentiu durante milênios. Você é o início, o fim e o meio do mistério da vida e da morte, da festa e do tédio, do trágico e do cômico, da transfiguração por entre todas as coisas – o teatro! Não há como ter moral, você consegue ser além dela. Você só quer se divertir, com a grandeza de um deus. É delicioso brincar disso. O humor que isso gera é muito bom de brincar.

Aliás, o que te encanta num personagem? O que lhe faz abraçar um projeto? Você usou uma palavra bonita pra me perguntar: encanto. Abordar uma história e compor um personagem é um jogo técnico de encantamento. Não dá muito pra explicar o que me emociona numa história. Mas tem a ver com o quanto ela encatatoriamente se alinha com alguma coisa dentro de mim, o quanto ela cabe no meu corpo. Corpo é sonho encarnado. Uma história me encanta quando meu corpo sonha por ela.

Como o teatro te toca? O que ele faz por você? Me faz viver. Viver no sentido maior, no sentido extraordinário. Me faz ultrapassar as dimensões isoladas da razão e da emoção, e evocar o agora compartilhado entre pessoas, lugares e todos os seres viventes naquele instante. A vida pode ser chata sem a dimensão total do instante. O teatro me chama pra essa dimensão de totalidade.

Estar como protagonista de uma novela global faz você atingir um número inimaginável de pessoas. Como tem percebido isso? E o assédio nas ruas e redes sociais? Isso de certa forma te assusta ou lhe faz querer ainda mais? No meu dia a dia essa troca na rua é pontual. Nas redes sociais, aumentou o número de troca com um público que gosta do meu trabalho. Em ambos os contextos eu acho bonita essa troca, porque você percebe que as pessoas desejam te acessar porque a história que você tá ajudando a contar está movendo em algo essas pessoas. A única coisa que eu gosto de limitar é o acesso à minha intimidade. Isso é algo que eu quero preservar.

A cada novo personagem uma mudança visual e de vestimenta. Algum apego ou desapego sempre do que de fato o Túlio gosta (em relação ao cabelo, barba ou forma de vestir)? Não. Minha preocupação com caracterização e figurino é de funcionalidade com a dramaturgia e com a linguagem. Gosto de ousar, se for necessário – basta ver o figurino do Dionísio em Vicky e a Musa, ou adereços do meu personagem no longa Anna, ou o bigode do Fred em A Porta ao Lado, ou o Andrea sem camisa e sem shape em Lama dos Dias 2, ou o cabelo do Peu em Feras, entre vários outros exemplos e que venha mais e mais. Mas a pergunta chave é: isso me ajuda a contar quem é esse cara? E nunca é uma resposta óbvia, porque é sempre um jogo tanto de concordância quanto de contraste com as ações do personagem na dramaturgia. E de coerência, mas também de provocação, com a linguagem.

Falando nisso, quais suas vaidades, como ator e homem? Do que não abre mão? Não abro mão da minha identidade, que tem a ver com minha história, com as coisas que me forjaram e me forjam na vida. E isso pode sim ser uma vaidade, mas eu aprendo todo dia um pouquinho mais a como minha identidade me dá acesso a fluxos criativos de liberdade, e não de apego ou rigidez.

Fora dos holofotes, o que encanta esse mineirinho? A natureza e os silêncios cheios de vida que ela tem.

E para conquistar Túlio, basta… Bastar não basta nada. O que me conquista é mistério e simplicidade. Olho que enxerga, ouvido que escuta, riso meio bobo, e uma ampla dose de falta de vergonha sobre a própria loucura.

Fotos Philipp Lavra (@lavraphilipp) e Isadora Relvas (@relllvas)