Ele incendeia. Apimenta, chega, chegando. Nenhuma resposta de Alexandre Nero é aquela coisa batida ou programada. Ele reflete, divaga e responde com vontade, inteligência e muita opinião. Não é à toa que essa é sua 3ª entrevista para a MENSCH. E em tempos de mídias sociais ele não se esconde ou se poupa, coloca a boca no trombone se estiver com vontade e espera sem temor o que vier pela frente. Consciente sobre o mundo artístico Nero não é do tipo que se deslumbra, mas é inegável que deslumbra, seja no palco, na TV ou nas entrevistas. Fazendo alusão ao Comendador José Alfredo, seu atual personagem, “enjoy it”
Desde que Zé Alfredo chegou na sua vida, o que mudou? Chegou aonde queria chegar? É inegável que Zé Alfredo é um divisor de águas na minha carreira, mas eu ressalto que, pra mim, quase todos os personagens que fiz foram divisores de águas. O Vanderlei (verdureiro), de A Favorita, foi meu primeiro personagem na TV e, mesmo sendo apenas uma participação, um personagem que entrou depois na trama, foi um divisor de águas também. Foi a partir dali que as coisas começaram pra mim na TV. Depois veio o Terêncio (Paraíso), o primeiro personagem que peguei desde o início de uma novela. Depois fiz o Gilmar (Escrito nas Estrelas), meu primeiro antagonista. O Baltazar (Fina Estampa) foi o meu primeiro personagem grande em uma novela das 21h. Depois o Stenio (Salve Jorge), quando pude mostrar esse lado mais leve e cômico no horário das 21h, que, sem dúvida, é o horário de maior repercussão nacional. E agora o Zé Alfredo, que tem um apelo muito maior de popularidade, pois além de ser o protagonista, é um personagem maravilhoso que o Aguinaldo Silva criou. Conseguimos, todos juntos, construir um belo personagem. E ele é claramente um divisor de águas, como quase todos os outros. Se cheguei onde queria chegar? Minha resposta mais sincera seria dizer que já cheguei onde queria chegar há 25 anos, porque durante todo esse tempo consegui viver da minha arte. Nunca almejei outra coisa além de viver do que faço. Não é o fato de estar na TV, cinema, no Oscar, ou em algum pódio, que me transforma em algo pior ou melhor.
Você talvez tenha atingido o ponto máximo de popularidade de um grande ator. Como isso afeta sua vaidade, sua segurança, seu medo de não fazer nada aquém disso? Nada como a experiência (risos). O primeiro que me deu esse medo foi o Baltazar, pois foi o primeiro personagem grande numa novela das 21h. E eu ouvia a mesma coisa, que depois dele eu não iria fazer mais nada, que ficaria preso nele pra sempre. Logo depois, eu estava fazendo o Stenio. Até hoje falam do Baltazar, mas todo mundo também fala do Stenio, que tem fã clube e tudo. Faz quase dois anos que fiz o Stenio e muita gente me diz que ele nunca será esquecido, que não querem que o Stenio acabe. Já estou quase terminando de fazer o Comendador e até hoje tem gente nas redes sociais comemorando a data de aniversário de casamento do Stenio com a Helo (personagem da Giovanna Antonelli). Quer dizer, os personagens ficam para as pessoas. Para nós, atores, eles vão mudando. É muita pretensão achar que um personagem fica para 100% das pessoas. O Comendador vai entrar, acredito e espero, para a história da teledramaturgia. Ele será eterno, como o personagem mesmo diz. E nesse sentido, da ficção e da teledramaturgia, ele é eterno mesmo. Mas, pra mim, ele morre em março. Acabou a novela eu mato o Comendador e parto para o próximo.
Você se vê como Zé Alfredo em alguns pontos como a intolerância e o romantismo velado? Há algum caminho entre vocês? Todo personagem que faço sou eu mesmo, em algumas características mais sublinhadas, em negrito. Mas sempre eu. Eu sou, e creio que todos somos, milhões de pessoas dentro de uma só. O Zé Alfredo, assim como todos os outros, é um Frankenstein. Um braço do autor, outro do diretor, uma perna do diretor de arte, da figurinista, fora as pessoas que passaram ou passam pela minha vida diariamente. Tem uma expressão que uso no Zé Alfredo de vez em quando que é “Misericórdia”. Não estava no texto, peguei da minha diarista. Então, a minha diarista também faz parte do Comendador. Assim como o meu porteiro, o meu vizinho… Tem uma amiga da minha vizinha que mora na Califórnia e mistura muito o inglês com o português, assim como o Comendador. Peguei muitas expressões dela sem que ela soubesse. Ninguém monta um personagem sozinho. Acho que a minha intolerância e o meu romantismo também passam pelo Zé Alfredo, como todos os sentimentos. Eu tenho um pouco de doçura e de crueldade, como todos os personagens que já interpretei.
Com a fama, sucesso e popularidade, como anda sua satisfação com você mesmo? Que análise faz do homem e ator Alexandre Nero? Eu me sinto um cara realizado. Fiz muitas peças de teatro, para todos os tipos e gostos. Gravei e lancei vários CDs, um DVD, fiz sete novelas e posso dizer, com orgulho que, grande parte delas, fez sucesso. Mas eu ainda tenho muita coisa a conquistar, experimentar outras coisas na TV, no cinema, no teatro e na música. As pessoas confundem um pouco sucesso com fama. Eu não era conhecido nacionalmente, mas era conhecido na minha cidade, ou no meu bairro (risos). Você não precisa ser Presidente da República, mas se você é o cara que organiza o seu bairro, você é um cara de sucesso ali, naquele local. Eu morava em Curitiba e meu trabalho era muito respeitado lá. Sempre me considerei um cara de sucesso, só não era famoso.
Era uma vez um verdureiro que se apaixonou pela Lília Cabral lá atrás e, hoje, virou o Comendador e trocou a Lília pela Marina Ruy Barbosa. Que balanço faz de sua carreira de ator até agora? Eu diria que eu me tornei um bom ator de novela e aprendi um pouco como me defender, defender um personagem, como fazer com que o público goste, ou não, desse personagem. Novela é uma das coisas mais difíceis e fáceis de se fazer na vida, dependendo do ponto de vista. É muito difícil porque é tudo muito rápido. E é muito fácil porque realmente, pela rapidez, não tem como se aprofundar demais. São corridas diferentes. Eu entendi a novela, agora, como se eu fosse um maratonista. Diferente de um filme, por exemplo, onde o ator é um corredor de 100 metros rasos. São técnicas completamente diferentes, apesar de ter a mesma matéria prima. A novela precisa de muito mais fôlego, criatividade, porque você acaba se repetindo dentro de oito meses no ar, e vez ou outra “tira o pé”. Já em um filme, não se pode tirar o pé. Cada cena tem que ser tratada como relíquia. Você precisa ser certeiro, trabalhar com a síntese, pois tem que se comunicar em duas horas. Ambos têm dificuldades, mas são dificuldades diferentes. E eu quero aprender mais, quero aprender tudo (risos).
Novela tem ritmo puxado, como protagonista você tem muitas cenas por dia. Mesmo cansado, consegue compor suas músicas ou é um tempo focado só para o personagem? Não, só existe Zé Alfredo na minha vida. Não existe mais nada que eu faça. Eu não como direito, não faço exercício, não leio livro, não ouço música, não converso com pessoas, não respondo entrevistas. Isto aqui está sendo gravado (risos).
Falando em música, como foi cantar ao lado do Rei Roberto Carlos no especial da Globo? O que representou para você aquele dueto? Gostou do resultado? Gostei muito. O Roberto foi muito gentil. Sua produção, os músicos, todos me receberam muito bem, e aí eu fui propondo. Fiz uma piada, uma brincadeira, introduzi uma segunda voz e eles foram gostando. Me deixaram muito à vontade. Fiquei meio tenso na hora de encontrá-lo pela primeira vez, mas quando a gente “desmistifica” um ídolo acaba vendo que eles são absolutamente normais e comuns como a gente. O Roberto foi um cara muito generoso e divertido comigo.
O que destrói o amor, e o que constrói? O que destrói é a intimidade e o que constrói é a intimidade também (risos).
Você acredita que só há um grande amor na vida ou pode existir mais de um e cada um à sua maneira? Eu amo as pessoas que eu amo e luto por elas, pelo que elas acreditam. E, não, de maneira nenhuma eu acredito em um único grande amor da vida, porque seria talvez a maior injustiça que a vida poderia fazer. Mas a vida não é lá muito justa, então pode até ser que exista, mas não acredito nisso. Eu, por exemplo, já tive milhares de tipos de amor. Porque grandes amores você pode ter em qualquer lugar. Minha mãe foi um grande amor, meu pai foi um grande amor. Minhas irmãs, meus sobrinhos, namoradas, cachorros… o amor está dividido em milhões de espaços.
Homens e mulheres amam de maneiras diferentes? Quando eles divergem e quando eles se combinam? Divergem na temperatura do ar condicionado. Pra mulher sempre estará frio e para o homem calor (risos). O mundo já tá cheio de gente dando opinião. Parece que ninguém escuta ninguém, ninguém tem mais nada a aprender. Uma nova onda onde todo mundo sabe tudo. Não quero estar nesse lugar de “formador de opinião” e de “cara que tem resposta para tudo”. Minha resposta seria “Não sei” (risos)
Na vida real estamos tão intolerantes como nas redes sociais? Creio que sempre fomos e somos intolerantes com o “diferente”. As redes sociais talvez tenham potencializado isso, afinal é uma festa onde todos podem entrar, sem distinção de raça, credo, cor, cultura ou padrão social. Isso, somado ao fato de ser uma comunicação escrita e o altíssimo grau de analfabetismo funcional no Brasil, faz com que os mal entendidos aconteçam constantemente.
Além do fato já detectado em 1950, por Walt Disney, no desenho “Pateta no Trânsito”. O desenho mostra a transformação do Pateta quando entra no carro, pois a partir daquele momento ele tem a sensação de poder, de que ali, ele é intocável, e de que ele não trata mais com pessoas e sim com máquinas, no caso, o carro. A sensação na rede social é igual. É o “poder” para quem é anônimo, pois o cara julga o mundo todo, sem que o mundo possa julgá-lo. Ele é agressivo pela falsa sensação de poder e de “estar sendo ouvido”. Senti isso algumas vezes. Muitas pessoas entram em meus perfis e escrevem o que querem. Elogios (a maioria, ainda bem) e alguns insultos gratuitos. Nas três vezes que expus esses insultos, as pessoas excluíram seus perfis. Fazendo isso, as tirei do “anonimato” e centenas de pessoas começaram a agredi-las. A agressão da internet é a punheta do covarde.
O humor perdeu a graça de tanto que ele ficou “politicamente correto”?Precisamos compreender melhor o que quer dizer “politicamente incorreto”. A dificuldade disso está na grande diversidade cultural na internet e/ou a má fé de alguns em, propositadamente, interpretar de maneira rasteira o que vc disse. As discussões são válidas e necessárias, o grande problema está na agressividade sem argumento. Eu posso convencer um homofóbico a compreender melhor uma relação homoafetiva com argumentos, mas com xingamentos nunca. Quando toquei na palavra “zoofilia” com humor e nenhuma apologia, fui atacado brutalmente pelos defensores de animais. Fui chamado até de pedófilo e ameaçado de morte. Essas pessoas ignoram o fato de que “proibir” uma palavra, seja zoofilia, pedofilia, droga, sexo, aborto, apenas levam os problemas para debaixo do tapete. É preciso discutir, que é bem diferente de brigar, todo e qualquer assunto para que todos saibam que ele existe. Proibir a palavra “zoofilia” não fará com que a prática acabe, pois isso está enraizado na cultura do interior do país há séculos. Proibir as palavras e os assuntos, apenas dá aquela falsa sensação de que as coisas não existem. O pensamento do medíocre é “se não vejo e não ouço, não existe”. É preciso perder os pudores dos assuntos para que possamos chegar a um lugar comum.
O humor é uma arma que serve para isso! Para questionar, para jogar lenha na fogueira, merda no ventilador. É um dos maiores equívocos contemporâneos achar que humor serve só para rir e divertir. Humor, assim como poesia, é dinamite. As pessoas saem pregando coisas que elas entenderam como verdade absoluta. É preciso saber do que está falando, de que época estamos falando, se ali contém humor, ironia ou algum outro tipo de figura de linguagem. Não é certo você não entender o que está escrito e querer julgar conforme sua percepção. Antes de retrucar e escrever o óbvio “não concordo” é preciso se perguntar: “será que eu entendi mesmo o que ele quis dizer?”. Eu só posso dar o meu parecer sobre algo conforme o meu nível cultural, e não o seu. Imagino hoje o Drummond escrevendo numa rede social e aí vai lá um zé mané qualquer e escreve “Não concordo” (risos). Esse é o momento que estamos vivendo. Se você não entendeu o que Drummond escreveu a culpa não é sua, mas muito menos dele. Por isso, não se meta a corrigir quem quer que seja e discursar sobre o que se deve ou não fazer antes de ter certeza que entendeu o que foi escrito, e aí sim, argumentar com o mesmo nível, apesar do outro não ter perguntado sua opinião (risos).
Que análise faz da “guerra” travada entre eleitores durante o segundo turno da eleição presidencial? Tornaram-se torcedores e não eleitores. Se fossem eleitores saberiam que não estávamos escolhendo o melhor e sim o menos ruim, e isso sempre será extremamente egoísta, pois só olhamos o que é melhor para nós mesmos.
Geralmente suas opiniões nas redes sociais são bem polêmicas. Costuma pensar em como as pessoas pensam sobre você? Não acho minhas opiniões polêmicas, acho é que as pessoas fogem de falar dos assuntos, e aquela imprensa que só visa lucro cria essas pautas e usa essa manchete “Polêmico” para vender jornal/revista/likes com sensacionalismo. Isso também não deixa de ser uma maneira de tentar “calar a boca” de quem toca nesses assuntos, pois eles fogem do interesse dos que detém o poder para manter tudo como está.
Madonna está para lançar o novo CD batizado de “Rebel Heart”… Você se considera um rebelde dentro e fora da TV? Não sei se sou rebelde. Eu sou um cara que acha necessário falar sobre as coisas abertamente, independente de ser a favor ou contra. Acho importante debatermos os assuntos para que a ignorância dê espaço para a sabedoria.
E o tal Comendador povoa o imaginário feminino… Como isso mexe com você? Envaidece? Enlouquece? Ou te deixa tímido diante desse desejo delas te levarem para cama para serem chamadas de sweetchild? (risos) No show do Roberto muita gente disse que me descobriu cantando. Sim eu canto! Muita gente está descobrindo coisas sobre mim, inclusive que também posso ser bonito (risos). Esse é o meu trabalho. O personagem pede isso, e eu tento dar. Uma coisa sou eu, e sim, me acho um homem bem interessante, mas o que você vê num palco, TV, cinema, são personagens. Ali, apesar de ser eu, tem muitas coisas que não são minhas, e só será bom de verdade se você acreditar que sou eu. Resumindo, não ligo pra isso, pois sei que não é pra mim, e sim para o personagem. Na hora que vier um personagem mais bobalhão ou algo do tipo, todo esse furor passa.
Sua primeira capa de revista impressa foi com a gente e você divulgou com muita empolgação até fazendo menção à sua capa do Batman na infância (risos). Depois veio Rolling Stone e mais tantas outras e cá está você de novo com a gente (oba!). Essa coisa de ser capa de revista é bacana mesmo? (risos) Para chegarmos a esse “qualitativo” não podemos ter a inocência de achar que isso tem a ver só com talento, generosidade ou sonhos purpurinados. Uma revista, assim como a TV, o cinema, jornal, sites, blogs, ou qualquer meio de comunicação (inclusive as redes sociais) visam o lucro, seja ele financeiro direto ou indireto. Por isso, se alguém o chama para ser capa de uma revista é porque as pessoas estão interessadas em você, pelo menos naquele momento, e isso é gratificante. Fiz minha primeira capa nacional com vocês, essa é a segunda, e espero que possamos fazer muitas ainda (risos).