CAPA: AS MULTIPLAS FACETAS DE GABRIEL GODOY

Gabriel Godoy é um cara fora da curva. Tê-lo aqui na MENSCH, essa é sua terceira capa, é sempre um prazer. Parece papo de amigo na mesa de um bar numa tarde ensolarada. Por que Gabriel é isso, um cara solar! Disposto, ativo, curioso e daqueles que se joga de corpo e alma a cada novo trabalho. Prova disso tem sido seus personagens mais recentes em séries e novelas que vão do drama mais pesado ao humor mais divertido e puro. Assim como seu atual Chicão na novela Família é Tudo (Globo), onde ele e seu parceiro, o cachorro Maradona, aprontam todas com sua Kombi e suas declarações para Andrômeda. Resultado, sucesso de público e crítica. Vindo de personagens bem dramáticos em séries como Impuros e Rota 66, isso sem falar do seu Honorato em Dona Beja. Gabriel mostra seu talento para transitar por diversos cenários com o mesmo empenho, assim como nesse ensaio com diversos estilos. E que venha muito mais Gabriel, no audiovisual e aqui na MENSCH.

Gabriel, como andam as coisas depois que Chicão (seu personagem em Família é Tudo) entrou em sua vida? Tem se divertido tanto quanto trabalha? O alcance de uma novela popular como Família É Tudo no Brasil é gigantesco. Muito feliz com a repercussão. Ao mesmo tempo que fazer uma novela das 19h, com essa linguagem popular, não é fácil. Meu personagem assim como a Andrômeda, Lupita, Leda, Júpiter são muito caricatos e por isso tem que ter muito cuidado para nunca esquecer da verdade na hora da cena, mesmo que a cena seja absurda. Adoro esse tipo de comédia e me divirto fazendo. Hoje sou um defensor da comédia popular. Muitas vezes a classe artística acha uma grande besteira. Mas fazer com verdade e compor esse tipo de personagem não é fácil. Não é qualquer ator que faz. Luto também para esse tipo de trabalho ser mais valorizado dentro da classe. 

Depois de passar por personagens mais densos e dramáticos como o Felipe Gonzaga, de Impuros, e o Marcelo Santana, de A Divisão. Como é pra você transitar do drama para o humor com naturalidade (pelo menos pra nós parece)? Se tem naturalidade é sinal de um trabalho bem executado. Mas requer muito estudo e cuidado na criação de cada personagem. Eu sou um apaixonado por personagens de composição. Digo composição quando requer um trabalho maior de prosódia, corpo, visagismo. Aqueles personagens que não lembram o Gabriel pessoa física. Então poder ser um médico do tráfico em Impuros (Star+), um vilão improvável em A Divisão (Globoplay), um policial sanguinário da Rota em Rota 66 (Globoplay), um mestre de obra em uma novela popular, compor tantos personagens tão diferente entre si, é um privilégio. O difícil no mercado audiovisual brasileiro é entender que sim, o ator pode fazer personagens diversos e transitar nos gêneros, mas, infelizmente, muitas vezes, colocam os atores em gavetas. Tem o ator de comédia, o ator cult, o ator de novela das 19h, o ator de novelas das 21h e etc. Por isso que para transitar por diversos gêneros e produtos requer muito trabalho e passa por uma estratégia de carreira justamente para não parar em uma gaveta. E isso é muito difícil, mas tenho tentando, na medida do possível, fazer boas escolhas. Nos EUA, por exemplo, atores consagrados na comédia estão fazendo muito sucesso em personagens dramáticos.

Em A Divisão, você está inclusive com um visual totalmente diferente. O quanto isso é importante para construir um personagem. E que novos desafios o Murilo te trouxe? Sempre sou a favor de arriscar na caracterização, até para não parecer com o último personagem. Não tenho a vaidade de estar bonito sempre, pois acho que cada trabalho pede uma personalidade e automaticamente uma caracterização diversa. Percebo que muitas vezes o público não linka meus personagens e isso é como se fosse um elogio. “Era você naquele personagem? Irreconhecível”! Gosto desse elogio. Trabalhar na série A Divisão foi uma experiência única até porque eu era o vilão da trama e não podia entregar isso até o último episódio. Era um desejo antigo trabalhar com o AfroReggae Audiovisual e com o ShowRunner José Júnior e fui muito bem recebido. Uma equipe nota 1000 para conduzir um trabalho com uma temática tão delicada. Fui o vilão da terceira temporada e em breve estreia a quarta temporada no Globoplay. Uma série que chega na quarta temporada é sinal de sucesso. 

Na sequência você fez o delegado Rodrigues no filme “O Sequestro do voo 375”. Também seguindo pelo lado mais dramático, como foi participar desse filme? O Sequestro do Voo 375 também fez parte dessa estratégia de recusar trabalhos na comédia para conseguir aos poucos entrar em um gênero mais dramático. Tenho muito orgulho desse filme. Acho ele inédito no Brasil. Nunca vi nenhum filme de sequestro de avião no Brasil. Foi um convite do diretor Marcos Baldini (que dirigiu Bruna Surfistinha). Fiquei muito empolgado e animado. O filme tem dois protagonistas que são atores que admiro demais Danilo Grangheia e o Jorge Paz que conduzem o filme brilhantemente. Quando vi o resultado no festival do Rio ano passado fiquei emocionado. A sala de cinema foi a loucura. Ainda mais por se tratar de uma história real que aconteceu no Brasil. O filme traz uma reflexão política e social que reverbera até hoje. Mérito da Joana Henning que teve a ideia de produzir esse filme. Hoje está no catalogo da Disney.

Seguindo a linha drama policial, você ainda esteve em Rota 66 e Impuros. Um trabalho meio que ajudou a você chegar ao outro? O que te fez aceitar esses dois projetos? Rota 66 foi o primeiro grande projeto dramático que fiz. Agradeço até hoje ao diretor Philippe Barcinski por acreditar em mim. Série baseada no livro “Rota 66: A História da Policia que Mata” do jornalista Caco Barcellos. Fiz um dos três policiais que mais mataram nessa triste história. Um trabalho muito intenso e feito com muito cuidado. Se conectar com a nossa sombra nunca é fácil. Lembro que durante o projeto me vi no dia a dia mais denso e triste. Humberto Carrão liderou brilhantemente esse elenco. Tem cenas que impressionam na série. Nesse trabalho a preparação foi fundamental para nos levar para esse lugar de crueldade com muita verdade. Preparação assinada pelo Clayton Nascimento e pelo Theo. E, claro, acho que sempre um trabalho ajuda a chegar a outro. Em Rota 66 tinha um personagem denso, dramático, isso ajuda a outras produções a verem esse meu lado como ator. E, com certeza, aceitar esses trabalhos, além de uma realização pessoal, faz parte da minha estratégia de carreira.

Qual a importância para você mesclar estilos além de mostrar sua versatilidade como ator? Dona Beja, novela a ser lançada da Max por exemplo, foi sua primeira novela de época? Todo ator quando deseja ser ator é justamente para poder transitar em diversos personagens e obras. Seja ela mais clássica ou contemporânea. Quando decidimos estudar artes cênicas é justamente para ganharmos ferramentas para estar em prontidão para qualquer personagem ou produto. Por hoje conseguir mesclar diversos estilos nesse mercado me considero um ator de sorte. Mas como disse anteriormente requer muito trabalho, estudo e atenção devido às armadilhas dessa profissão. 

Dona Beja é uma novela muito aguardada, até por ser umas das primeiras novelas em streaming. Fazer um trabalho de época foi diferente de tudo que já fiz e a preparação mais uma vez foi fundamental. Minha caracterização me ajudou muito a entender quem era o Honorato, personagem que faço na trama. Nunca tinha deixado minha barba crescer tanto e ainda o personagem tem uma reviravolta no meio da trama que vai surpreender. Eu adorei. Fazer um remake também é uma responsabilidade muito grande, mas tenho certeza que o público vai se encantar com a Grazi Massafera interpretando a Beja e com todo elenco na novela. 

Acreditamos que para um ator é importante não ficar preso a um estereótipo e poder transitar por áreas diferentes da atuação. Mas como controlar isso já que em muitos momentos você precisa ter um bom trabalho para se manter na ativa? Digamos que é um luxo poder escolher gêneros e personagens? Acho sim um luxo poder escolher trabalho. Não vejo a hora desse dia chegar. São poucos artistas no Brasil que tem esse privilégio. Pois antes do trabalho tem o sobreviver nessa profissão tão incerta e instável aqui no Brasil. Eu tento, na medida do possível, administrar minha carreira, mas tem as contas para pagar, né? Talvez se eu tivesse me entregado para a comédia e virado literalmente um comediante poderia estar mais rico (risos). Pois a comédia pode ser marginalizada, mas mesmo assim ela dá dinheiro, vide referências como Fabio Porchat, Tata Werneck, Rafael Portugal, Marcelo Adnet e tantos outros. Mas ainda tenho a esperança de ter mais espaço em todos os gêneros. Agora com 40 anos e 20 de carreira me sinto também pronto para ter uma oportunidade como protagonista em alguma novela. Até por isso administro para não ficar na gaveta do comediante. Quero sim ainda poder ser “mocinho” de novela. Por isso que administrar a carreira e as contas em uma profissão tão instável no Brasil é muito difícil. Mas sigo tentando…

Entrar no universo de Chicão (Família é Tudo), deve ser um respiro depois de passar por tantos dramas (risos). O personagem é leve, divertido e de bem com a vida. Tem algo de Gabriel nele? Algo em comum? Chicão veio para deixar meus dias mais leves. Acho que é o personagem mais querido que já fiz. Pois a repercussão nas ruas sempre é com muita alegria. Abordagens do tipo: “Cadê o Maradona?”, “Vai ou não vai ficar com a Andrômeda?”, “Aê Palmeiras!”. É um personagens com muitos símbolos populares como o futebol, a kombi, o cachorro e romance recheado com muita paixão. Receita ótima para cair na graça dos espectadores. Sempre colocamos um pouco de nós. Sempre acredito em uma construção de dentro para fora nos meus personagens. Mas acredito que a leveza é o que o Gabriel mais emprestou para o Chicão.

Falando nisso, como é o Gabriel no dia a dia? O humor é um elemento forte na sua vida? De onde vem essa veia cômica? O humor é genético. Meu pai sempre foi muito palhaço, com certeza porque o irmão dele também é. E óbvio que eles são assim porque meu avô, já falecido, Santiago Loreto, era o rei da palhaçaria. Esse é o lado do meu pai, família toda argentina. Já o lado da minha mãe traz um humor mais ácido, que adoro também e a profundidade e o aprofundamento nas questões da vida. Meus anos de terapia devo a minha mãe que sempre apoiou o autoconhecimento dentro de casa. Humor e autoconhecimento é um excelente casamento. Tive sorte!

Na série “Homens?” vocês tratavam de assuntos bem atuais do cotidiano masculino. Aprendeu alguma coisa com aquelas situações vividas pelos quatro amigos? Que saudade que eu tenho da série “Homens?”. Ainda tenho uma esperança de uma terceira temporada. Foi uma delícia poder trabalhar com o Porta dos Fundos, no caso dessa série liderada pelo Fábio Porchat. A série teve uma excelente repercussão e até hoje me param para falar dela. Por se debater um tema sensível tivemos muito cuidado e muito trabalho de mesa antes das gravações. Achei a ideia do Fábio ótima para propor uma reflexão aos homens através da comédia. Com certeza aprendi e venho aprendendo muito quando o assunto é machismo. Como eu sempre digo é o meu lugar de escuta quando o assunto é esse e não de fala. Porém também de ação para não repetir padrões. Eu trabalho constantemente enquanto ser humano para redobrar minha atenção, não rir mais de piadas machistas e estar sempre aberto a escutar. Nós, enquanto homens, precisamos urgentemente rever o que consideramos masculino. 

Além de ator você abriu uma produtora, isso te deu mais liberdade para novos projetos mas também mais trabalho e responsabilidade. Como equilibrar tudo e ainda se divertir? Sou um capricorniano bem workaholic. Mas a Prelúdio Núcleo Criativo surgiu por uma paixão em criar histórias. Sempre tive essa característica de gostar de produzir. Em um mercado onde sempre existe o “entre”. “Entre” um trabalho e outro. Optei em estar constantemente trabalhando. Ao lado dos meus sócios, o roteirista e diretor Vinicius Vasconcelos e o ator e produtor Pablo Sanábio hoje temos mais de 15 projetos, entre séries e filmes na nossa cartela. Alguns já estão em produtoras e outros estamos trabalhando para vendê-los. Por isso a rotina de fazer pitching em players e produtoras passou a ser constante. Tenho gostado e estou aprendendo muito. 

Gabriel, família é tudo? Como é esse seu lado família? Sim, família é tudo e não a “tradicional brasileira”, mas sim a que tem muita união, amor, troca e escuta. Meus pais são separados e mesmo assim nunca perdemos a conexão de família. Tive uma criação muito leve e lúdica graças aos meus pais, Iara e Daniel. Cresci no mato, próximo de SP, com cachorro, gato, galinha, galo, jabuticabeira, pé de abacate e por isso os laços são verdadeiros e profundos. Sou o filho do meio entre duas irmãs maravilhosas que me inspiram. Patrícia e Flávia. Estamos sempre nos apoiando e por isso sim, Família é Tudo.

Hora de relaxar… o que procura? Cada ano que passa fico mais caseiro. Sempre considerei o lar um templo para relaxar e revigorar. E amo minha casa onde vivo com minha namorada, Raissa Xavier. O famoso ficar jogado no sofá vendo série com ela é o típico programa que sou apaixonado. Viajar virou presente para quando concluo um trabalho e por isso cada fim de projeto me presenteio com uma viagem legal. Agora o que nunca sai da rotina é o cinema e o teatro. Além de ser uma paixão, penso que é lição de casa para artistas frequentar esses espaços. Beber cultura faz bem pra alma.

Fotos Caio Oviedo

Styling Sabrina Moreira

Visagismo Diego Nardes