Ricardo Pereira deu sua primeira entrevista de capa para a MENSCH em abril de 2011. Praticamente doze anos depois, ele está de volta em um ensaio incrível e com sua vida totalmente modificada de lá pra cá. Hoje, pai de três filhos, com uma carreira consolidada tanto no Brasil como em Portugal e desbravando fronteiras em outras línguas. Atualmente, interpretando um daqueles vilões que adoramos odiar, no caso o Danilo Bôscoli de Cara e Coragem (Globo), ele demonstra mais uma vez sua versatilidade em dar vida aos mais diversos personagens. Mas, uma coisa não mudou ao longo desses anos, Ricardo continua o mesmo cara tranquilão e de bem com a vida que conhecemos lá atrás no início da MENSCH. Já há algum tempo queríamos trazê-lo de volta e, o momento ideal chegou para abrirmos o ano com chave de ouro – um cara que admiramos bastante.
Ricardo, ano passado você participou de alguns trabalhos em Portugal, inclusive como apresentador. Como foi voltar a trabalhar em Portugal? Que novas alegrias e desafios esses trabalhos lhe trouxeram? Eu acho que a gente tem sempre energia renovada em cada trabalho, seja de onde for. Cada novo trabalho traz essa energia associada, esse entusiasmo, esse desejo de querer apresentar algo diferente – novo. Isso é fundamental também para nossa evolução como artista, como ator, como apresentador. Então, acho que sempre os novos trabalhos nos trazem essas emoções renovadas. E sim, na verdade, ao longo de muitos e muitos anos, eu acabo trabalhando em vários lugares diferentes e isso é fantástico porque possibilita eu contatar com várias pessoas diferentes, aprender com pessoas diferentes que me trazem sempre esse entusiasmo do conhecimento. Então, é sempre super bacana esses desafios em lugares diferentes.
Você já tem mais de 20 anos de carreira e, ao longo de sua jornada seus trabalhos se dividiram muito entre Brasil e Portugal. O quão importante é para você estar trabalhando nos dois países? Tem toda a importância do mundo. São dois países que são a minha casa, dois países onde defini a minha carreira. Além desses dois países, eu tenho trabalhado em tantos lugares como ator, na França, Itália, Holanda… Acho que, para o artista é isso – a gente quer ter experiências novas cada vez mais e em lugares diferentes. Eu acho que isso significa que você entra em contacto com várias pessoas diferentes, aprende coisas diferentes e te fazem crescer como artista, como ser humano e isso é fundamental. Grande parte de meu trabalho é feito entre Portugal e Brasil – são duas casas que eu amo. Dois países que eu amo que estão no meu coração, e será assim pra sempre. Então, temos muitos projetos ainda pra fazer nesses dois lugares, assim como em outros lugares do mundo. E isso é o mais importante.
Falando em trabalho… Você está tirando uma boa onda de vilão hein?! Como tem sido interpretar Danilo Bôscoli? O que posso falar do meu Danilo? Estou amando fazer o Danilo. É fantástico! É um vilão super cheio de camadas, de segundas intenções, de vidas paralelas dessa vida que ele ama, da família que ele preserva, que é uma vida e um amor de verdade. Ao contraste à sede do poder que ele tem, a vontade de alcançar os objetivos que ele tem passando por cima de tudo, de todas as pessoas. Então, é um vilão muito rico, um vilão repleto de camadas diferentes, sedutor e ao mesmo tempo frio. Um cara muito ligado à estética porque a gente olha pra ele e vê a paleta de cores, como ele se veste, como ele está, como ele se cuida. Então, é um vilão cheio de lugares diferentes de atuação, um vilão que me seduziu desde o começo da preparação. Desde a primeira leitura de capítulos, eu vi que eu tinha um presente maravilhoso da Claudia Souto na mão. Então, eu estou muito feliz. Tem sido muito bom a gente no dia a dia, na gravação, colocar na prática tudo que a gente pensou para esse vilão desde o momento que a gente começou a construí-lo, a pensar nele. E é muito bacana vê-lo agora, fazendo tudo que a gente imaginou que ele poderia fazer. Tem sido um trabalho muito, muito, muito importante na minha carreira e que tem me dado um retorno de público na rua e no digital muito grande, porque as pessoas se envolvem muito com esse Danilo. Porque, ao mesmo tempo que se apaixonam, acabam odiando ele. Então, isso era o que a gente queria desde o começo – que as pessoas sentissem aquele personagem. Então, é um prazer tremendo fazer e realizar esse Danilo.
Como surgiu o convite e como foi a preparação, até chegar no tom certo de Danilo? Então, recebi esse convite por parte da Natália Grimberg e da Claudia Souto para fazer esse vilão, o grande vilão da história. Um cara que iria começar muito tranquilo, iria começar seduzindo todas as pessoas para depois chegar aonde ele queria chegar. Ele sempre teve seus objetivos, o que de fato ele queria alcançar – ele tinha isso sempre presente em sua cabeça. Mas isso aí só seria revelado mais pra frente. Então, a gente – eu e Marcelo Bochart, que é o meu preparador, e a Cris que é também a minha preparadora, com quem trabalhei na preparação do personagem pensou muito em construir um personagem que não fosse óbvio, de cara, que ele era um vilão. Queríamos mesmo que as pessoas ficassem em dúvida, não soubessem, não conseguissem perceber logo o que ele era e o que ele queria. Então, pra isso, tivemos que construir o passado desse personagem, criar todo um jeito de falar, um jeito de se vestir e aí, a caracterização, o figurino foram importantíssimos na construção desse Danilo. Pensamos em várias formas, em como as pessoas iriam olhar. Não era só o público e a audiência da novela, mas também os outros personagens. Então, pensamos nele como o cara que se achava o criador das histórias das outras pessoas, dos outros personagens que iriam se cruzar com ele. Ele achava que tudo que ele dizia estava certo. Então, ele estava numa segurança, e ao mesmo tempo um certo olhar crítico em relação a outras coisas. Ele julgava muito as coisas, e achava que só ele é que sabia. Então, esse é o lado psicológico dele e ao mesmo tempo, um lado doentio dele. Porque ao mesmo tempo que ele amava aquela família, amava a Rebeca, a mulher dele. De verdade, ele a amava. E de verdade ele queria ter aquela família com aquele enteado – iria fazer tudo para construir essa família, guardar essa família. E ao mesmo tempo, ele a teria e sabia que para atingir o que ele queria, iria ter que fazer muita coisa que não era correta. Ele vivia uma vida dupla.
E a parceria com Mel Lisboa e Ícaro Silva, parece que deu super certo. Como é entre vocês fora das câmeras? Maravilhosa a parceria com Ícaro a Mel, dois atores extraordinários, amigos! Dois atores com quem eu já tinha trabalhado e a conexão foi perfeita. A gente fez ali um trio de vilania muito intenso, muito forte. Cada um com seu jeito, sua personalidade. E cada personagem com suas camadas, com seus segredos. Foi maravilhosa a parceria. E isso dentro da cena, né? E fora da cena também uma troca, uma amizade muito grande, uma beleza de estar junto com eles. De partilhar momentos com eles, não só gravando, mas também fora da gravação.
Fazer um vilão é um desafio novo? Onde e como se sente mais desafiado como ator? Não é um desafio novo. Já fiz vários vilões em toda a minha carreira, tanto na TV como no teatro e no cinema. Na televisão, tem uns bem recentes como em Deus Salve o Rei, Liberdade Liberdadde… Mas já fiz em cinema, teatro. E vilão é isso – eu diria que a diferença está nas múltiplas possibilidades que se abrem na história, no arco dramático, quando você constrói um vilão. E possivelmente também o fato de poder construir um vilão que não é de cara, que as pessoas entendam logo que não é um vilão. É muito interessante. Todos os personagens são bons e desafiantes, mas eu posso falar que as vilanias nos personagens exercem um fascínio, talvez, muito interessante e muito desafiante. Porque construir um vilão é sair de alguns lugares mais óbvios, experimentar caminhos mais diferenciados. Procurar lugares mais profundos em algum momento dessa construção.
Você nasceu em Lisboa, mas vive no Rio de Janeiro há muitos anos. Como é a porção portuguesa e a brasileira em você? É exatamente como diz a pergunta, eu nasci em Lisboa, em Portugal, e vivi e vivo grande parte da minha vida adulta no Brasil, no Rio de Janeiro. São dois lugares muito meus, dois lugares que eu amo. Dois países que já são muito meus – meu coração está sempre presente nesses dois lugares. Dois lugares onde cresci muito profissionalmente, e onde tenho momentos incríveis. Esses lugares fazem parte de mim. Fazem parte daquilo que eu sou hoje em dia.
TV, cinema ou teatro? Onde se sente mais em casa (seja no Brasil ou em Portugal)? Eu amo essas três linguagens. Eu venho do teatro. Comecei a fazer cinema muito cedo e a televisão tem ocupado grande parte da minha carreira. Como falei, tenho trabalhado não só no Brasil e em Portugal, mas também em outros países, com outras línguas, com outras formas de fazer a mesma arte. E essas três linguagens desse mesmo ofício, desse mesmo trabalho artístico, são linguagens totalmente diferentes, com jeitos diferentes de fazer. Diferentes de se preparar, mas todas elas são partes integrantes de uma profissão incrível que é a da atuação. E eu amo navegar entre elas, sair de um filme, ir para um projeto longo de televisão, do projeto de televisão e me desconstruir para uma produção teatral. Eu acho que todas essas disciplinas diferentes, linguagens diferentes me fazem construir um ator melhor, ser um ator melhor, exigir mais de mim – diversificar meu trabalho. Então, me sinto em casa em cada uma delas. Eu gosto de sentir o desafio em cada uma delas. E gosto de navegar de uma pra outra porque são importantes para a gente continuar exercendo e melhorando esse trabalho de ator.
Indo para suas origens, que recordações guarda da infância em Lisboa? Eu tive uma infância em Lisboa e em Ericeira, que é próxima a Lisboa, perto do mar. Uma infância muito de rua, de brincar na rua e ter muitos amigos. Combinar de passear. Uma infância de descobrir coisas a toda hora e lugares diferentes. Lembro muito de um jardim, que é o jardim de Torel, que tem uma escola de música do lado, onde eu escutava música deitado na grama. Dessas primeiras descobertas, de sair com os amigos à noite, essa responsabilidade de virar uma pessoa mais velha, viver essa adolescência. A idade da descoberta. Uma Lisboa em cada canto, recanto, trazendo uma novidade. Com recordações incríveis. Outono com as folhas no chão, dos invernos rigorosos, do verão de céu muito azul. Lisboa tem uma luz muito bonita. Então, são recordações que ficam para uma vida inteira. Fazem parte da minha vida, das minhas memórias daquilo que eu sou, né?!
Em nossa primeira entrevista (abril de 2011) você e Francisca ainda não tinham tido filhos. Hoje você é pai de um menino e duas meninas. Como isso mudou sua vida? Agora vocês me fizeram recuar no tempo… Abril de 2011 minha mulher estava grávida do meu primeiro filho, o Vicente, e estávamos nos preparando para essa experiência de sermos pais. De ter uma família aumentando. Uma experiência totalmente nova, sem saber o que seria, mas muito ansiosos e felizes. E Vicente nasceu em novembro, e anos depois nasceu a minha filha Francisca, anos depois nasceu Julieta. E tem sido a maior e melhor viagem de nossas vidas. A gente olha pra eles, que são fruto do nosso amor, da nossa continuidade… São três pessoas distintas, com suas personalidades. Que aprendem, que nos ensinam e que nos permitem uma descoberta diária. E isso é fantástico.
Você parece ser um cara tranquilo e de bem com a vida. É isso mesmo ou disfarça bem? Quem me conhece, de verdade, sabe que eu sou aquilo que eu aparento, aquilo que de fato sou. Eu sou muito transparente, e ao mesmo tempo emotivo, sorriso fácil. Espelho bem aquilo que eu sou. E eu gosto da vida. Dou muito valor à vida e à felicidade. Procuro a felicidade, assim como qualquer pessoa. Procuro ver o lado bom da vida, encarar o lado bom das coisas. Às vezes é difícil, como para todas as pessoas, mas acho que a gente tendo um espírito mais positivo, ajuda bastante. Acho que isso me define muito. Esse lado positivo da vida. Positividade sempre me leva a um melhor caminho. Sempre encaro isso como uma verdade e tem sido assim ao longo de meus 43 anos. É algo que me guia e faz com que eu tenha um lado mais leve de olhar as coisas achando que tudo sempre tem uma solução.
Ricardo, você parece ter um estilo mais discreto e básico. É um cara vaidoso? Do que não abre mão? Eu tenho sim esse estilo mais discreto, tranquilo. Acho que meu estilo de roupa varia de caso para caso – depende do mood que eu acordo todo dia. Depende muito pra onde eu vou. Tenho vários estilos, na verdade. Eu tenho várias paletas de cores que eu amo também. Então é isso, eu tenho um pouco de tudo – a verdade é essa. E não me considero um cara muito vaidoso não, mas tenho meus cuidados normais. Sou um cara que gosta de exercícios físicos, gosto de dormir, beber água, gosto de cremes… Gosto de me cuidar acima de tudo. Isso sim!
E para relaxar, o que faz sua cabeça? Aquilo que mais me faz relaxar, sem dúvida, está na natureza. Ler, viajar também… Viajar é algo que eu amo, que eu gosto. Faz a minha cabeça ir pra outro lugar. Amo conhecer novas culturas, novos lugares, novas pessoas, novos costumes. Aprender com eles, conhecer de fato como são – acho que a viagem me dá muito isso de relaxamento. Até porque eu tenho o sonho de conhecer muitos cantinhos do mundo. Eu acho que a viagem é um prazer que me relaxa bastante. E amo ficar, às vezes, tranquilo em casa escutando uma boa música, sentado numa poltrona, degustando uma taça de vinho tinto. São vários momentos… Passear na praia, me relaxa muito. Ter os meus filhos por perto, ao mesmo tempo. Como toda criança, são bem agitados, e querem sempre fazer alguma coisa… Esse conforto deles, e tê-los por perto me relaxa bastante, me dá uma nova energia. Então, é isso. Tem um pouco de tudo mesmo. Às vezes estar deitado na grama e olhar para o céu sem pensar em nada, só contemplando e observando, é uma forma muito bacana de relaxar também. Minha cabeça gosta de voar e relaxar também.
Quais os planos para quando acabar a novela? Exatamente o que falei na resposta anterior – descansar, relaxar, passar tempo com a família. Aproveitar as férias das crianças. Dar uma viajada. Colocar a leitura dos livros que tenho em dia. Aproveitar exatamente os momentos inteiros, grudados na família o dia inteiro. Ter os nossos momentos, nossas brincadeiras, nossos abraços e nossos afetos. E o nosso amor. É isso que pretendo. E depois, obviamente, de dar essa descansada, voltar para novos projetos. Este ano será bem intenso de projetos, tanto no cinema quanto na televisão, e provavelmente no teatro.
Fotos Márcio Farias
Beleza Daianne Martins
Asst. de fotografia Ruan Ferreira