CRÔNICAS: O QUE FAZ A VIDA TER SENTIDO?

Por Guilherme Pintto

O que faz a vida ter sentido? Ou seja, para além das necessidades básicas imprescindíveis à nossa existência, ao subir a pirâmide de Maslow, o que de fato dá significado à vida? Essa é uma pergunta difícil de responder sem recorrer ao autoconhecimento, justamente porque exige observação, tato, autoescuta e sensibilidade. Não é algo pronto, posto ou genérico, mas sim construído, como preciosidades que surgem na lama, em meio ao desconforto.

Ficamos tão desesperados para fugir, para nos esquivar, que raramente nos lembramos de usar a curiosidade para investigar de onde vem a ferida. Aprendemos, de forma equivocada, desde pequenos, que quanto menos falarmos sobre nossos medos, mais eles se tornam insignificantes. Contudo, ignorar o que nos assusta apenas nos afasta da oportunidade de lidar com o que mais nos apavora.

Na tentativa de fazer desaparecer tudo o que nos incomoda, tornamo-nos cada vez mais ignorantes diante do incômodo. Uma dor de cabeça, por exemplo, pode ter muitos significados — desde desidratação até algo mais grave. Sentir dor de cabeça constantemente e insistir em eliminá-la apenas com remédios é reforçar o raciocínio de que tudo o que é ruim precisa ser extinto de uma vez por todas. Talvez seja por isso que fui tão criticado certa vez, ao usar o termo “comportamentos disfuncionais” em sala de aula. Ainda que desajustados, incompatíveis com os objetivos ou desproporcionais aos valores, os comportamentos apresentados têm uma função. Podem não estar funcionando em prol do que se pretende hoje, mas em algum momento funcionaram — e por terem funcionado, persistiram. Além disso, nem tudo que é ruim deixa de ter algo de bom. Aliás, que insuportável seria se tudo estivesse às maravilhas; o que nos moveria, então?

Não faria sentido, por exemplo, homens escalarem árvores para coletar mel silvestre a fim de demonstrar força, bravura e habilidade à sua tribo. É, inclusive, o desconforto que nos conecta — e ele é o principal produto deste texto. A perturbação em querer ser alguém melhor do que se é hoje talvez evidencie que, apesar de grato pelo que temos, ainda não é suficiente. No trabalho, ao perceber que pessoas menos qualificadas ganham dez vezes mais do que nós, talvez isso seja um alerta para nos explorarmos em outro contexto, onde haja maior valorização. Sentir que não estamos sendo correspondidos à altura que deveríamos pode nos mostrar que estar em um relacionamento com reciprocidade é algo a ser priorizado da próxima vez.

Precisamos nos autorizar a sentir o desconforto, as emoções e os sentimentos desagradáveis: a raiva, o medo, o nosso próprio cheiro, a frustração, a quebra de expectativa, a tristeza, o ciúme, a demissão, o fim de um relacionamento, o choro, as inseguranças, a falta de amor, a falta de reciprocidade, a falta de dinheiro, a falta do pai, a saudade da avó, a inveja, a ausência de tudo aquilo que nos faz falta. Precisamos nos autorizar a sentir — ou melhor, nos autorizar a não negar o sentir — tanto a beleza quanto o sufoco. Observar a frequência, a intensidade e a duração das dores de cabeça e dos solavancos. Examinar a pulga que fica atrás da orelha, não porque queremos enfeitar a pobreza, a desigualdade ou as imundícies da vida, mas porque desejamos nos autorizar a observar, descrever, ouvir e, quem sabe, mudar ou aceitar o que precisa ser aceito.

Talvez, ao enxergarmos a vida como ela realmente é — bela e feia ao mesmo tempo —, consigamos finalmente responder à pergunta que deu início a essa reflexão.

GUILHERME PINTTO – Psicólogo (CRP 09/20503) e escritor best-seller especialista em amor-próprio e saúde mental

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