ENTREVISTA: MARCÉU PIERROTTI ATUANDO E DIRIGINDO

O ator e diretor Marcéu Pierrotti está em um dos melhores momentos da sua carreira, acabou de estrear na Univer Vídeo a série, Até Onde Ela Vai, onde interpreta o antagonista. A história fala de violência doméstica e relacionamentos tóxicos. E agora em abril ele se reveza no palco com o ator Ricardo Burgos, para a peça 3 Meses e 3 Dias, na qual também é diretor,que reúne monólogos baseados em fatos para abordar fragilidade a masculina e a paternidade. Conversamos com Marcéu para saber como anda essa agitação toda em sua carreira.

Na série “Até Onde Ela Vai” você vive um vilão. Creio que todo ator espera viver um personagem assim. Como foi sua preparação para viver o Sidney, seu personagem na trama? Sidney foi o personagem mais difícil e complexo que já fiz. Quando li o roteiro pela primeira vez eu sabia que tinha ali um material riquíssimo para eu construir em cima. O vilão estava lá escrito, o caminho da dramaturgia mostrava claramente a função deste antagonista perverso e violento. No entanto, desde o início da preparação me propus um desafio maior – ir em busca da humanidade dele, encontrar as sombras, mas também onde estava o amor dentro dele que aparentemente não existia mais. Buscar onde estava o trauma deste personagem. Buscar onde que o abandono e a falta de amor abriram um buraco para ele exercer toda sua violência em abusos, tanto físicos quanto psicológicos.

Para pesquisar tudo isso que me propus, tive a condução generosa e cirúrgica da Andrea Avancini que preparou todo o elenco da série. Na preparação, eu trabalhei dez horas por dia, cinco vezes por semana durante cinco semanas. Dois ou três dias com a Andrea, e nos outros era eu sozinho atrás dessa profundidade que eu sabia que era necessária para este trabalho. Além disso, conversei bastante com minha mãe, uma excelente psicóloga, que me ajudou a entender possibilidades para a dinâmica de pensamento dele e seu perfil psíquico. E durante os quatro meses de gravação, eu confesso que minha energia mudou, me entreguei totalmente a este trabalho, precisei de muita concentração no set para viver o Sidney em toda a sua densidade. Era preciso. Precisava dessa entrega para contar esta história em toda sua potencialidade.

Hoje em dia o audiovisual está muito voltado para o streaming. Qual a sua opinião com relação a isso? Acho maravilhoso. As emissoras tradicionais continuam com sua produções e as plataformas de streaming cada vez mais buscando produzir formatos variados – séries, filmes e agora novelas. Quanto mais espaços para a produção de conteúdo audiovisual de qualidade melhor. Mais diversidade de histórias, mais empregos. E ainda, mesmo com algumas derrapagens, percebo nas produções para streaming uma maior abertura para investir em narrativas e estéticas buscando inovação e qualidade na linguagem artística.

Abordar temas como: relações abusivas e tóxicas é uma forma de dar voz ao que acontece atualmente no mundo com relação às mulheres? Claro, joga luz sobre esse tema. Traz o debate, a reflexão, e ainda pode dar a ver para algumas mulheres que o que elas vivem em suas relações não é algo normal. A arte tem essa potência, revelar algo a mim que só percebo quando vejo encenado numa peça ou numa série. “Até Onde Ela Vai” é baseado numa história real, é inacreditável que Bárbara tenha sofrido estes abusos por tanto tempo e demorou pra conseguir escapar dessa violência. Existem muitas Bárbaras neste momento que precisam ser resgatadas e ajudadas. Sinceramente é o que mais importa neste trabalho – ajudar.

Como você se coloca, sendo ator, em causas como essas? Presente. Como ator, abrindo espaços como esse para debatermos sobre. E como homem, falando para outros homens que é preciso estar atento e sim, repreender outros homens. Acabou o papinho de: “Ele não quis dizer isso.” “Não fez aquilo naquela intenção.” “Mas será que ele fez isso mesmo?” “Ah, mas ela… mas ela…” Mas ela, nada! Acabou! Não dá mais. Na verdade, nunca poderia ter sido possível este tipo de posição. De passar pano. Qualquer fala ou ação agressiva e abusiva contra mulher precisa ser interditada no ato. Ponto final.

Você também é diretor. Já dirigiu teatro e agora está em cartaz, no Rio, com o espetáculo “3 Meses e 3 Dias” onde atua. Como é esse processo de dirigir e atuar ao mesmo tempo? É uma pequena insanidade…(risos). Eu já havia feito essa dupla função em “Moléstia” em 2018, mas era uma peça com quatro personagens no palco, dessa vez é diferente e sinto que mais difícil. Porque “3 Meses e 3 Dias” é uma peça composta por dois monólogos que se entrelaçam e formam uma história, então me autodirigir em um monólogo foi e é uma tarefa árdua. Ao dirigir o Ricardo segui uma dinâmica tradicional de trabalho, mas ao me dirigir foi mais complexo. Era preciso deixar meu ator voar sem autocrítica, e ao mesmo tempo era preciso ter uma visão do todo e do que eu estava fazendo.

No entanto, eu tinha uma equipe criativa ao meu lado que foi meu olhar externo para a parte que eu estava em cena. Além do próprio Ricardo que foi meu espectador diário, Camila Moreira e Thiago Félix foram em um ensaio por semana para trocar comigo sobre minhas propostas. Thiago com um olhar mais para o movimento e as emoções e Camila foi uma interlocutora artística maravilhosa com quem eu troquei e troco sobre tudo do espetáculo. Como diretor eu penso em uma concepção geral para o espetáculo – estética e narrativa – além de caminhos para os atores. Faço perguntas para o Ricardo e para mim mesmo como ator para serem respondidas na ação da cena. Neste trabalho, deixei meu ator preencher a alma e a carne deste personagem e meu diretor desenhou o corpo na cena. Convido você a assistir. É uma história muito envolvente, são dois relatos impactantes sobre fragilidade da vida, relação pai e filho e como devemos aproveitar os momentos com as pessoas que amamos. Venha! Quartas e Quintas às 20h30 no Teatro Solar de Botafogo.

Na arte é preciso ser persistente. A questão de patrocínio e leis de incentivo, na sua opinião, ainda é necessário para se produzir um espetáculo no Brasil? Sem dúvida é necessário. Não é a única forma, “3 Meses e 3 Dias” foi montado sem nenhum tipo de patrocínio ou lei de incentivo. Mas o investimento privado e público continua sendo fundamental para termos uma cultura pulsante. Diversas outras áreas e indústrias tem aportes e investimento público para continuarem crescendo e gerar empregos, e acho que com a cultura não pode ser diferente. A Economia Criativa gera milhares de empregos e uma belíssima receita para o país. Além dessa importância econômica, a cultura é o principal caminho para a construção de identidade de um país. Nós, criadores e agentes culturais, não podemos depender somente disso, mas precisamos continuar a batalhar para que esses investimentos continuem acontecendo a favor de uma arte democratizada, diversa e com grande capilaridade pelo Brasil.

Viver de arte é possível? Honestamente, poucos conseguem. Afunilando para a área que eu atuo – teatro e audiovisual – é uma grande batalha. Tenho muitos amigos que não conseguem viver exclusivamente do nosso ofício em tempo integral. É uma profissão de eternos começos. Às vezes, você engata dois trabalhos na sequência, e de repente você fica meses sem nada. Eu nunca quis ficar só esperando a oportunidade surgir. Claro que quando surge, eu a abraço de corpo inteiro. Mas eu aprendi a criar minhas oportunidades, meus trabalhos.

Desde 2018 eu comecei a produzir minhas peças, dirigir, e contar histórias que me interessam. Muitos desses trabalhos que criei me levaram para outros que fui convidado e assim tenho construído minha carreira. Pra mim, viver do meu ofício tem sido possível e eu agradeço demais à vida por isso.

Quais são os seus planos daqui para frente? Fazer “3 Meses e 3 Dias” chegar em muita gente é o primeiro. É uma peça que tem impactado demais todo tipo de público – as pessoas saem muito movidas do teatro refletindo sobre diversas questões. Quero fazer essa peça por muitos lugares do Brasil. Segundo, estou cada vez mais me aprofundando na direção de cinema. Apesar de já ter dirigido um filme, tenho alguns projetos nessa área que vão exigir mais de mim. E por último, continuar atuando personagens instigantes em boas histórias no audiovisual é o meu plano permanente.

Fotos Vinícius Mochizuki

Direção de estúdio Rodrigo Rodrigues

Assistente de estúdio Josias Vieira

Edição de moda Alê Duprat

Produção de moda Kadu Nunnes Ass. de imprensa Equipe D Comunicação