ENTREVISTA: NA TERAPIA COM BRUNO FAGUNDES

Bruno Fagundes não é um mero ator talentoso da sua geração e nem apenas o filho de Antônio Fagundes, ele vai além de interpretar, ele mergulha na alma humana em busca da melhor interpretação daquele personagem. E partindo desse princípio seu atual personagem, o Dr. Bernardo, um psicólogo na novela “Volta Por Cima”, traz muito disso. Bruno mergulhou de cabeça pesquisando sobre psicanálise, terapia, processo terapêutico e auto-jornada, até achar o tom certo e se achar dentro daquele universo. Isso o levou a um autoconhecimento ainda mais profundo, “eu adoro fazer terapia, eu acho que é extremamente importante, que todo mundo deveria fazer, da maneira que pode, é claro”, comentou ele ao longo da entrevista exclusiva para a MENSCH.

Bruno, soubemos que você tinha lamentado a falta de trabalhos na TV e, algum tempo depois, veio o convite para entrar na novela Volta Por Cima. Foi coincidência ou resultado dessa declaração? Oi revista MENSCH, muito obrigado por me ceder mais um espaço! É um espaço lindo, com tanta atenção, tanto carinho ao meu trabalho.

Eu sempre advoguei muito a favor da honestidade e, nos últimos anos, nas minhas redes sociais, tenho trabalhado muito para que, se eu for postar algo, que seja sincero, com muita verdade, algo que reflita o que estou sentindo, sem maquiar. Esse post foi nessa intenção também. A gente vive uma profissão muito instável, esse mercado tem muito ator para pouca oportunidade. Cada vez que alguém fala abertamente sobre isso e se posiciona, pode ressoar em outras pessoas, além de gerar aquele sentimento de saber que não está sozinho. Então, em nenhum momento fiz isso para pedir alguma coisa para alguém ou parecer vítima, eu só efetivamente compartilhei um fato que acontece recorrentemente na minha profissão. O meu mercado é escasso, é um mercado difícil e eu sempre tenho a impressão que muitas pessoas acham que meu jogo está sempre ganho, baseado no privilégio que eu tenho de ter nascido na família que nasci. No fundo, não é assim que funciona pra mim e pra muita gente.

Compartilhei no ímpeto de falar a verdade e repercutiu muito bem nesse sentido. A novela veio muito depois, esse post saiu em junho, se não me engano, e fiquei sabendo que eu entraria na novela na segunda metade de novembro. As coisas não estão relacionadas. Depois que eu entrei na novela, ainda conversei com as pessoas que estavam envolvidas e soube que minha participação estava em negociação desde março, e eu não sabia de nada. Foi muito curioso como as coisas se encaixaram. Mais um sinal do quanto nós atores, especialmente, não temos muito controle sobre o mercado e sobre como as coisas acontecem.

Como é voltar a fazer novela? Como você lida com essa rotina louca de TV/novela? É realmente uma rotina louca, ela é muito individual, né? Mas, particularmente, eu sou apaixonado por isso, eu amo fazer novelas. Me dá um prazer absoluto viver essa rotina de escritório de cena, porque é mais ou menos assim que funciona. A gente trabalha seis por um, das nove da manhã às seis da tarde. É algo que me entusiasma, um processo de imersão, uma oportunidade incrível. E acho que o trabalho, inclusive, cresce quando tem esse tipo de imersão, quando você mergulha no personagem, quando vive ele por um tempo longo. No teatro, eu sempre busco temporadas mais longas, exatamente para criar essa sensação de que eu estou imerso naquele universo. Pra mim é especialmente conturbado, porque moro em São Paulo e toda gravação é feita no Rio. Então, essas idas e vindas em ponte aérea, de ônibus, às vezes de carro, dá um sabor a mais, dá uma picância, porque fico sem saber como vai ser a próxima semana. Mesmo com algum tipo de perrengue, de traslado, locomoção, às vezes dormindo em casa de amigo, às vezes trocando de casa por dia para não sobrecarregar ninguém de favores, eu sigo amando fazer novela. Estou bem feliz.

Nessa volta às novelas, seu personagem Bernardo, um psicólogo, está trazendo diversos questionamentos e debates para a trama. Como tem sido para você? Para mim, uma das coisas mais excitantes da profissão é mergulhar em águas desconhecidas e cada mergulho me levar para caminhos, às vezes, radicalmente opostos. Assim como no meu último personagem na Globo, o Renan de Cara e Coragem, em 2022, que era um coreógrafo de dança vertical, e lá fui eu fazer aulas, entender o que era aquilo, preparar meu corpo, entender sobre acrobacia, desenvolver uma rotina de treino para me pendurar e conseguir fazer tudo sem ter um dublê. Aqui estou eu pesquisando sobre psicanálise, terapia, processo terapêutico, auto-jornada. Então, o mergulho nessas diversas águas, essa imprevisibilidade da minha profissão, faz eu me perguntar qual é o próximo assunto que eu vou mergulhar? Isso é o que faz de mim um eterno navegante e apaixonado em viver coisas que eu ainda não vivi, através da minha profissão.

Você faz, ou fez, terapia? Como foi (ou é) a experiência? Como te toca? Fica mais fácil para criar um personagem como Bernardo? Existem alguns elementos que fazem o universo interno de um personagem existir. E eu acredito que esses elementos moram nos detalhes. E para você achar detalhes de diferentes personalidades, em diferentes áreas, é preciso observar. Então, obviamente, claro que me ajuda observar o meu próprio terapeuta, como ele se comporta, como diversos terapeutas que eu já encontrei na minha vida se comportavam. Isso tudo é alimento. Aliás, um ator, ele é melhor ator quando tem uma vida vivida. A gente fala sobre maturidade, mas a maturidade do ator não está só nos estudos, nos livros que lêem –  está em tudo que você consome, no olhar, na sua curiosidade. Quanto mais vida vivida, mais interessante é um ator. No final das contas, facilitar não é a palavra, eu acho que me dá mais ferramentas para navegar por diversas vidas.

E sobre a parte mais pessoal da pergunta, eu adoro fazer terapia eu acho que é extremamente importante, que todo mundo deveria fazer, da maneira que pode, é claro.  Inclusive, hoje, já é possível fazer um acompanhamento psicológico pelo SUS. Um grande avanço da ciência da mente, conseguir disponibilizar tratamento, acompanhamento e diagnóstico pelo Sistema Único de Saúde. Também há outras diversas formas terapêuticas de elaborar seus problemas, de processar suas questões que não são necessariamente terapia. Acho que cada um pode buscar a sua, desde meditação até desenhar, cantar, pintar, fazer cerâmica e tantas coisas que nos ajudam no autoconhecimento. Pra mim, a minha vida tem uma divisão entre pré-terapia e pós-terapia. Eu recomendo muito.

Acredita que, mais que nunca, os males da mente hoje em dia tem sido reflexo do mundo acelerado em que vivemos? Sim, eu acho que existe uma construção coletiva de um mal-estar que paira pelo ar, especialmente na nossa era. E que tudo isso é resultado de um contexto no qual a gente está inserido. Sempre foi assim e sempre será. Nós somos seres sociáveis, de coletividade e, obviamente, essa energia coletiva impacta individualmente cada um. E a gente está vivendo um momento de muita incerteza, de muita transformação, com todas as revoluções que estão acontecendo, desde a inteligência artificial, a insegurança climática, até as redes sociais, e o quanto elas estão transformando a nossa subjetividade. Então, acho que tudo isso contribui para determinado comportamento aflorar. Às vezes, para o bem e, às vezes, para o mal. Acho que, por isso, é importante a gente sempre procurar o nosso centro, a nossa baliza moral, nossas crenças e reflexões, talvez seria mais fácil. Então, sim, acho que sempre é um reflexo do nosso contexto e também do quanto estamos mais individualizados e menos focados exatamente nesse senso de comunidade. Uma coisa puxa a outra. Espero que com tanta sombra que vemos, a gente ache frestas de luz para encontrar bons caminhos e boas soluções.

O que você faz para cuidar da mente e do espírito? Eu sou apaixonado por qualquer tipo de expressão artística. A cultura nesse sentido, além de ser um processo identitário muito importante, me dá um estado que a gente chama de mindfulness, um estado de aqui e agora, de plena atenção, que te faz esquecer seus problemas por um segundo e estar ali, presente. A cultura e a arte me fazem sentir assim. Então, eu não sei o que veio primeiro – eu sou artista por causa disso? Ou, ser artista, me abriu para isso? Eu acho que é tudo junto. Acredito que a minha alma vem primeiro e que, desde sempre, ter esse olhar, esse apreço pela expressividade artística, fez com que eu fosse artista. É aí que eu encontro essa segurança, esse conforto pra minha mente. Eu vou muito ao cinema sozinho. Mesmo namorando eu vou ao cinema sozinho. Isso é uma coisa que eu preciso fazer – costumo fazer. Também adoro ler. Ler, o que me transporta para um lugar que me faz esquecer dos problemas. Tem outros hobbies que também me ajudam muito nisso, como cantar. Eu faço aulas de canto, de piano e um hábito que eu retomei ultimamente, foi a pintura. Eu pinto quadros a óleo e consegui fazer em um cantinho da minha casa um pequeno ateliê. Vira e mexe, eu sento e passo 12 horas na frente de uma tela. É uma fonte de energia pra mim. Essas são algumas das coisas que eu faço – tem outras que, numa próxima entrevista eu falo.

Ser ator ajuda a se entender ou bagunçar ainda mais a cabeça?! (risos) Com certeza ajuda a entender. Sabe aquela máxima quando você entra num quarto, num cômodo da sua casa e está uma super bagunça, mas você sabe exatamente onde está cada coisa? Tem armários na minha casa que são meio assim, e eu faço essa analogia sobre ser ator. Parece uma quantidade alucinante de informação, diferentes vidas e universos que você entra, e tem a possibilidade de delimitar onde termina, onde começa, o que é uma organização interna incrível. Mas claro, ser ator não me faz melhor do que ninguém – já tive momentos muito melancólicos, de estagnação, de dúvida absoluta. Porém, acredito que todo ser humano tenha que, em algum momento, experimentar um curso de atuação, um curso livre de ator. Você se exercita a olhar pra dentro. Mesmo na bagunça, você acaba se encontrando. E aí você consegue transformar a sua dor em criatividade, transformar a sua solidão em solitude, enfim.

Na novela existe um certo flerte entre seu personagem e o de Rodrigo Fagundes, o Gigi. Torce por esse romance? Eu torço todos os dias da minha vida. Existe um flerte, sim, existe aí um gato e rato entre nós. E eu fico muito feliz, porque além da delícia que é estar com o Rodrigo Fagundes, a gente desenvolveu uma relação… Eu e ele já éramos amigos, mas a gente está convivendo muito mais, dividindo muito mais o nosso tempo. E está sendo tão rico para nós. Somos de gerações diferentes, nós temos vidas totalmente diferentes, mas muitos pontos em comum na nossa amizade, nos nossos interesses e está sendo lindo descobrir, para além do ator e colega maravilhoso que ele é – quem realmente é o Rodrigo e a vida dele. Ele é um ser humano de universo interno muito amplo. Ele é uma galáxia de coisas interessantes. E o Gigi e o Bernardo acho que servem para isso também. Tem tantos pontos interessantes nesse possível romance, tantos pontos legais que dá para a gente levantar a partir disso. Eu acredito que pêra o público, está sendo uma delícia descobrir o que pode unir os dois. E a gente é muito doido, se prestar atenção. Eu entrei na novela em novembro e eu tive com o Rodrigo, especificamente, cenas de flerte. A gente sai juntos no Rio e as pessoas nos param na rua pra dizer “E aí, vocês vão ficar juntos?” E são pessoas mais velhas, crianças, pessoas de todas as idades. Ou seja, em tão pouco tempo de tela, desse casal acontecendo, a gente já conseguiu angariar uma torcida. Isso é sinal da nossa confidencialidade entre eu e ele, da nossa troca, energia, da nossa química. Claro que eu quero que dê certo, ainda mais vendo que o público está torcendo também. Não vejo a hora disso ir para frente.

Você já declarou que está adorando essa troca com seu “irmão” Rodrigo Fagundes. Como é a relação entre você nos bastidores? O que tem mais em comum além do sobrenome entre vocês? Vou complementar um pouco do que já falei. Sim, a gente se chama de irmão de alma porque todo mundo acha que a gente é irmão, pelo sobrenome. Inclusive, tem muita gente achando que ele é filho do Fagundes e se referem a ele, mas usando o meu nome “Ah, o Bruno Fagundes que é casado com o Ender Bendelak, que é o marido do Rodrigo”, e vice-versa, se referem a mim, mas usam o nome dele. É uma super de uma confusão que fazem. A gente ri disso. Mas nós somos pessoas completamente diferentes, com trajetórias diferentes. E um sobrenome tão forte quanto Fagundes. No final, a gente se conheceu por causa disso, eu fiz Cara e Coragem e uma das primeiras pessoas que eu vi nos bastidores foi o Rodrigo. A gente sentou e imediatamente falamos “Oi irmão”, a gente riu e contou meia dúzia de casos desses. Nossa energia bateu e hoje a gente se chama de irmãos de alma, ele é meu irmão mesmo, mas de diferentes pais.

A gente tem muitas coisas em comum, a gente ama muitas coisas da nossa profissão, filme, livro, séries, a gente ama as divas pop, observar o mundo de uma forma que é muito nossa, e a gente achou isso também super incomum – a gente tem o mesmo humor, a gente se diverte muito. E o que também me deixa feliz é o Wendell Bendelak, que é casado com o Rodrigo. Eles moram juntos e ele também faz parte desse bolo. Eu tenho ficado muito na casa deles quando eu venho pro Rio. Eles me abrigaram com o coração aberto e com muito amor, um amor que poucas pessoas na minha vida me deram, sabe? Eu tenho uma dívida de gratidão eterna com o Rodrigo por esse acolhimento. Eu posso ficar uma entrevista inteira das qualidades do Rodrigo, do quanto ele é um ser humano completo, um artista de primeira mão… Eu aprendo com ele, eu assisto as cenas dele na novela com prazer. E além de tudo, agora eu tenho o orgulho mesmo, o orgulho de olhar para ele e dizer “irmão, você está vendo o quanto você faz sucesso nessa novela, o quanto você tem uma trajetória vencedora”. Compartilhar com ele esse momento do Gigi, acho que vai ser um marco na carreira dele, está sendo muito especial. Então, o Bernardo e o Gigi viraram um capítulo importantíssimo, fundador da minha carreira, na minha vida.

Na vida real você vive um relacionamento homoafetivo. Isso já chegou a ser um “peso” na sua vida em algum momento? Não existe peso nenhum em ser quem se é na integridade. Quando alguém vive a sua verdade, de encontro com seu coração, mente, corpo, só existe leveza. Eu desejo essa leveza para quem ainda não a encontrou, porque muito provavelmente, quem olha pro outro com preconceito e intolerância é quem verdadeiramente carrega o peso. Quando se é feliz com o que se é, tudo flutua.

Você sente que estamos evoluindo neste aspecto onde cada um que sabe de que forma o amor e a atração lhe toca? Não existe uma linearidade nessa evolução. Historicamente, sempre foi assim. Determinado tempo e contexto gera uma linha ascendente e de repente, quem está interessado em poder e controle, cria condições de fazer a linha despencar. Nenhum direito está escrito em pedra. O mundo todo vive hoje uma assustadora onda conservadora de extrema-direita e isso gera necessidade de mais luta e resistência. É um eletrocardiograma de picos de baixa e alta e assim segue a humanidade. Então, o que nos resta é resistir.

Você parece ser um cara bem resolvido e leve na forma de lidar com a vida. É isso mesmo? O que lhe tira do sério? Parafraseando o meme da Marília Gabriela (risos) “Eu tenho uma intensidade, melancolia e inquietação que me fazem cansar de mim mesmo, às vezes”. Sou extremamente realista, um pouco niilista, muitas vezes cético, duro demais comigo mesmo. A minha exigência é minha amiga e inimiga mais próxima, na mesma medida. Mas surpreendentemente, tenho uma fé inabalável e uma alegria de viver que vão contra tudo isso. Uma vontade profunda de celebrar e amar cada segundo de vida como se fosse o último, enquanto explode em mim um humor que permite me divertir com tudo, inclusive com a própria desgraça. Sou esse pequeno poço de incoerência, mas quem não é? Nessa miscelânea vem o barro que construiu meu artista e minha individualidade. E tudo isso está mudando de forma a cada dia que passa. E isso é estar vivo, né? Então, me tira do sério a estagnação e o conformismo… prefiro ser essa dúvida constante que só vai parar de procurar respostas quando morrer.

O que lhe coloca um sorriso no rosto? E o que faz recarregar suas energias? A Arte e a criatividade. Encontro nelas um antídoto e estímulo que não encontro em outros lugares.

Por fim… para conquistar Bruno basta… Nada basta. Não sou um tiro ao alvo e nem uma fórmula matemática. Eu não tenho essa resposta. Ela muda, varia, se transforma, me surpreende, se adapta. Para me ter por perto é preciso saber navegar junto à incerteza e permitir redefinir/renovar tudo isso, o tempo todo.

Fotos Fernando Tavares