Carol Marra é um fenômeno de artista que já vem de muito tempo. Ela foi uma das primeiras mulheres trans a conquistar seu espaço, fosse na moda ou no audiovisual, e com muita garra e talento tem conquistado cada vez mais. Um verdadeiro exemplo a ser reverenciado e em especial neste mês em que se celebra o Orgulho LGBTQIAPN+. Nascida em Belo Horizonte, Carol Marra é atriz, jornalista e comunicadora e tem participado de diversas produções na televisão, cinema e teatro desde o início de sua carreira. Sua primeira aparição na TV foi como personagem do programa Tabu, exibido mundialmente pelo canal National Geografic e, na sequência, foi destaque no importante jornal The New Times, que enviou uma equipe para o Brasil para gravar uma pauta com a artista. No ano seguinte, atuou na série Segredos Médicos exibida pelo canal Multishow. Em 2015, fez sua primeira aparição em uma novela – Boogie Oogie, (Globo), e fez parte de outras produções da emissora como Brasil a Bordo (2017) e Quanto Mais Vida Melhor (2021), ao lado de Giovanna Antonelli e Mateus Solano.
Cheia de projetos em andamento, no final de 2023 Carol filmou no litoral baiano o longa Melodia do Amor (What About Lov), dirigido pela portuguesa Ana Cavazzana, que tem cenas gravadas na Ilha de Itaparica – BA, sem data prevista para estreiar. Ainda em 2023, a atriz fez uma participação especial na primeira produção do Núcleo de Filmes dos Estúdios Globo, no longa Ritmo de Natal , ao lado das atrizes Clara Moneke e Taís Araújo. Mas as novidades não param por ai. Em 2024, Carol Marra estréia na Netflix a série Luz, a primeira produção infanto juvenil do streaming no Brasil. E para descobrir um pouco mais dessa artista incrível, leia a entrevista. Imperdível!
Carol, com uma longa trajetória artística, conta pra nós como tudo começou? Quando a arte surgiu em sua vida e você se tocou que queria viver disso? No início da minha trajetória, eu não imaginava trabalhar como atriz. Comecei no jornalismo, sou formada na área, e meu grande sonho era ser editora de uma revista de moda ou produtora de cinema. Trabalhei no jornalismo da TV Cultura e TV Globo, mas acabei tomando a decisão de abandonar tudo para investir na moda. Foram 10 anos produzindo capas de revistas com várias atrizes no Rio de Janeiro, no tempo em que esse mercado era bem mais enxuto. Na época, eu nem imaginava ser modelo, mas fui convidada por um produtor do Fashion Week e topei, e foi isso que me abriu as portas – tempos depois, para ser atriz. Fui convidada para participar da série PSI, da HBO, e no set de filmagem descobri que era aquilo que eu queria.
Você foi descoberta nos bastidores da semana de moda no Rio de Janeiro. Tempos depois você estava trabalhando como modelo, inclusive sendo o rosto de campanhas de produtos de beleza. Como isso lhe tocou na época? Essa profissão nunca foi um sonho exatamente. Sempre desejei estar do outro lado, sendo editora de uma revista ou trabalhando nos bastidores, como estava fazendo na época. Então, quando fui convidada para desfilar, aquilo me pegou completamente desprevenida. E a gente está falando de uma época em que não tinha modelos trans. Na verdade, só tinha eu e Lea T – não existia outras. Mas, apesar de não ter sido algo que eu havia sonhado, abracei aquilo com muito amor. Eu via editoriais de moda, colecionava revistas para ter como material de pesquisa e referências e, de repente, estava vendo minha foto estampada nas páginas dessas revistas. Foi surreal e inesperado!
Afinal, você foi a primeira mulher trans em muitas questões que só alguns anos depois seriam tão divulgadas. Como foi esse início? Isso se tratando de uma época onde o mercado não era tão aberto nessas questões. Foi difícil. Quando eu comecei, realmente não tinha muitas mulheres trans em evidência, e nos desfiles eu me sentia como em um espetáculo, porque as pessoas não estavam acostumadas com aquilo, e sempre chamava muita atenção. Aquilo me incomodava muito, porque eu queria ser vista e tratada da mesma forma que as outras meninas, não como alguém diferente. A sensação era como de uma atração especial do circo. Como jornalista que sou, eu entendo a curiosidade das pessoas e a “novidade”, mas ser o foco disso me doía, porque às vezes soava pejorativo. Já fui retirada de desfiles por ser trans. Já sumiram com a minha roupa depois do desfile. Já colocaram alfinete no meu sapato e outros episódios desagradáveis. Infelizmente, o mundo da moda é muito preconceituoso. Mas que bom que as coisas mudaram e, hoje, esse tipo de comportamento é inaceitável, e tem muitas mulheres trans lindas desfilando e sendo respeitadas.
Você acha que hoje em dia as coisas por um lado podem ser mais fáceis, mas por outro lado mais cruéis por conta das redes sociais? No início da minha carreira, as redes sociais não eram como são hoje. Algumas nem existiam. Acho que as redes sociais só amplificam o que está acontecendo na sociedade. Ainda somos o país que mais mata pessoas trans no mundo. Então, ao mesmo tempo que avançamos muito em várias questões, as pessoas preconceituosas também ganham mais visibilidade com as redes sociais. É uma pena, e temos que lutar contra isso diariamente, mas acredito que as coisas estão evoluindo cada vez mais.
Hoje em dia temos atrizes em destaque em horário nobre como Gabriela Medeiros (Buba, em Renascer), Gabriela Loran e Glamour Garcia. Você acha que de fato o mercado está mais democrático e aberto à diversidade em todos os aspectos? Como você enxerga essa abertura no meio audiovisual? Se formos comparar com 20 anos atrás, por exemplo, com certeza avançamos muito, mas ainda não dá para dizer que chegamos em um estágio ideal – até porque, na maioria das vezes, somos representadas por vários estereótipos, com humor, como se estivessem achando graça da nossa existência. Nunca representam mulheres trans apenas como mulheres, em situações comuns, vivendo coisas que todo mundo vive. Então, na minha opinião, a mídia e o audiovisual ainda têm ainda uma dívida muito grande com as pessoas trans. Mas, sem dúvida, as coisas estão mudando muito, e tenho certeza que vão melhorar cada vez mais.
E em relação ao público? Como você enxerga ele hoje? Acredito que o público está um pouco mais acostumado, estamos normalizando cada vez mais a presença de pessoas trans no audiovisual, mas ainda temos um longo caminho a percorrer. Para mim, a forma de chegar nesse patamar ideal é realmente normalizar essa representatividade. Ter mulheres trans como médicas, políticas, empresárias, advogadas, etc. A mídia tem um poder muito grande, e quanto mais colocarmos pessoas trans em posições de destaque, mais o público vai normalizar a nossa existência na sociedade.
Você sempre passou uma imagem de elegância e segurança. Você acredita que isso ajudou você a ser respeitada no mercado e por onde passava? Eu tenho uma relação muito grande com a moda, como já disse anteriormente. Sempre gostei de produzir looks, pesquisar referências e acompanhar a moda, ver o que as pessoas usam aqui e lá fora. Também sei traduzir isso pro meu estilo e biotipo. Acredito que a forma de se vestir passa uma mensagem, uma forma de se expressar. Sem dúvida, para conseguir dar certo nesse mercado, tem que ter talento. Sem ele, você não consegue permanecer, e nem em nenhuma outra profissão. Talento e carisma não se medem por roupa.
Acreditamos que a sua determinação tenha sido a sua maior força. Olhando para trás, quais os maiores desafios vencidos até aqui? Acredito que o maior desafio seja justamente ser uma mulher no Brasil, e principalmente uma mulher trans. Somos o país que mais mata pessoas trans, a expectativa de vida para essa população é só de 35 anos. É um absurdo, uma brutalidade. Além de todas as dificuldades do dia a dia, da vida normal, nós ainda temos que passar por tudo de forma dobrada, justamente por sermos uma população tão perseguida. O maior desafio foi ter conseguido realizar tudo o que eu sempre quis, mesmo com todas essas dificuldades.
Mês do Orgulho, do que mais se orgulha (até hoje)? Se sente realizada? Acredito que ter chegado onde eu cheguei, fazendo parte de uma minoria tão perseguida no país, com uma expectativa de vida tão baixa, e sendo capaz de realizar os meus maiores sonhos. É o meu maior motivo de orgulho. Fiz parte de projetos incríveis, trabalhei com pessoas muito talentosas, e acho que ainda tenho muito mais a oferecer.
Como lida com a vaidade, como artista e mulher? Quais os limites? Eu tenho vários rituais de beleza e autocuidado. Amo maquiagem, tenho minha rotina de skin care, faço musculação e tenho uma alimentação saudável. Para mim, isso são coisas importantíssimas que fazem parte da minha vida. Já fiz muitos procedimentos estéticos e, recentemente, tenho até feito a reversão de alguns. Estou gostando muito mais de uma beleza mais natural, menos produzida. A minha relação com a feminilidade mudou, e a forma como vejo meu corpo mudou também.
Você tem filme e série vindo por aí. O que podemos esperar para este ano ainda? Por enquanto, não posso entrar em muitos detalhes sobre os meus próximos projetos. É aquela frase – “mineiro come quieto pelas beiradas”. Mas tenho projetos incríveis e muitas histórias para contar. Como atriz, espero tocar muitas pessoas com o meu trabalho.
E para conquistar Carol Marra, basta… Acreditar, perseverar e nunca desistir. Por mais que te digam não e fechem portas, procure outras para abrir. Se a gente não acreditar em nós mesmos em primeiro lugar, ninguém vai acreditar.
Fotos Jeff Amaral / Beauty Gustavo Ribeiro