Maria Padilha é daquelas atrizes que vão do drama ao humor com muita facilidade. E ao longo dos seus mais de 40 anos de profissão, diversas personagens são a prova viva disso. Desde sua estreia nas novelas com Água Viva, de Gilberto Braga, passando pela Falecida, de Nelson Rodrigues, no teatro, às suas personagens mais recentes como Silvana da série Justiça 2 (Globoplay) e a atual personagem Alba Duran, na peça Um Jardim para Tchekhov. Maria Padilha é sempre puro encanto. A MENSCH conversou com a atriz que posou para as fotos no loft da arquiteta Ana Cano na Casa Cor Rio.
Desde sua estreia até hoje já se vão mais de 40 anos de profissão. No teatro, TV, cinema…na arte de modo geral. Num país que não valoriza muito a arte de modo geral, se sente orgulhosa por tudo isso? É isso, são mais de 40 anos mesmo. Claro, me sinto muito orgulhosa, me sinto persistente, me sinto feliz de ter escolhido uma profissão da qual eu gosto. Não é uma profissão fácil, mas acho que eu não teria outra. Acho que essa profissão da gente não tem muita escolha não. Você quer fazer, você tem que trabalhar estudar, persistir, não desanimar, criar oportunidades. Me sinto orgulhosa de ter sobrevivido até hoje disso.
O início dos anos 80 e 90 em especial, foi um período de muitas premiações na sua carreira. Ou seja, você já chegou mostrando a que veio. Como isso lhe tocou na época? O que conspirou a favor disso? Tive sorte. Na minha família não tem artista – eu vim de uma família de médico, professora… não havia muito estímulo para eu seguir essa profissão. Havia insegurança pelo desconhecimento total da minha família. Então, foi importante ter o reconhecimento da crítica, de colegas, de pessoas muito importantes e prêmios, dentro da profissão. Pra mim, na época, pessoas mais velhas, diretores, atores e atrizes. A gente quer fazer teatro, mas será que o teatro quer a gente? Será que a arte quer a gente? Ter tido reconhecimento muito rápido, acho que facilitou a minha permanência na profissão. Eu tinha muitas dúvidas. Fazia faculdade de Desenho Industrial, tinha dúvidas se ficaria na profissão, e acho que o reconhecimento ajudou bastante. O reconhecimento me tocou e me mostrou que não estava maluca, achando que podia ser uma coisa que não podia ser.
Quando a gente tem confirmação de pessoas que respeita muito e admira, como tive no começo, de José Celso Martinez Corrêa, Antunes Filho, de atores mais velhos como Beatriz Segall, Tônia Carrero, Marília Pêra, Raul Cortez, Rubens Correa… pessoas que me reconheceram rápido, pessoas do ramo. Fora os críticos, então, acho que foi muito bom. O que conspirou a favor disso não sei, o destino, não sei, acho que eu vim com tudo mesmo, e estávamos vivendo um momento no Rio de Janeiro, no Brasil, de abertura política e uma valorização grande de grupos jovens, já na esteira do Asdrubal. Nós viemos depois, nosso grupo foi muito festejado e, na primeira peça que fiz, já fui chamada para a novela das nove, Água Viva, do Gilberto Braga – na época uma coisa muito importante, com muita audiência. No primeiro ano de carreira fiz uma peça, vieram os prêmios. Fui chamada para a novela do Gilberto Braga e fui fazer um filme em São Paulo com a Ana Carolina, que é uma cineasta genial. Então, nos três lugares, acho que tive uma confirmação muito legal, muito boa, acho que a conspiração foi assim.
Na TV você trabalhou ao lado de grandes nomes e esteve com grandes diretores. As novelas exerciam um fascínio especial para você nesse período? O que você destacaria desse período? Já em Água Viva eu trabalhei com Glória Pires, que era muito jovem, mas já era uma grande atriz, Tônia Carrero, Beatriz Segall, Raul Cortez, Jacqueline Laurence, Betty Faria, e até Madame Morineau – fiz algumas cenas com ela, que fez uma participação na novela, e Gilberto me colocou como uma jovem jornalista que a entrevistaria. Foi muito interessante conhecer estas pessoas, elencaço, logo de cara, pessoas que eu já admirava muito. E também fiz a peça infantil A Menina e o Vento, dirigida pela Marília Pera, um sonho de atriz. Eu era muito apaixonada por ela. Foi muito importante conhecer essas pessoas, ouvir coisas delas, eu ouvia muito, ficava do lado delas.
Se as novelas exerciam um fascínio especial sobre mim? As novelas não, se você quer saber. Na adolescência, não era muito fã de novela não. A primeira que vi e achei interessante foi Dancin’ Days, do Gilberto. Mas eu era mais fã do Chico City, de programas humorísticos, não era apaixonada por novela. Não tinha esse fascínio por novela, mas fiquei fascinada pelo elenco, pelas pessoas que conheci, e pelos diretores também – Roberto Talma, Paulo Ubiratan. O que eu destacaria nesse período? Eu destacaria tudo, o próprio período. Foi muita ebulição, eu trabalhava muito. Fazia peça infantil (O Menino e o Vento), fazia peça adulta (O Despertar da Primavera) com meu grupo que foi muito importante pra mim, eu destacaria esse grupo, O Pessoal do Despertar, onde eu conheci Miguel Falabella, Daniel Dantas, Paulo Reis, Rosane Gofman, Zezé Polessa – atores também muito importantes e bons.
Mas, parece que era nos palcos você se soltava e se realizava. Ele mexe com você de forma especial? Quem é a Maria Padilha dos palcos? No começo, tive mais afinidade com o palco do que com as outras mídias, apesar de ter feito esse filme da Ana Carolina que eu adorei – Das Tripas Coração, em São Paulo. Eu estranhei um pouco televisão, novela, a rapidez, a agilidade. Eu não tinha desenvolvido essa agilidade da televisão ainda. Então, no palco eu me sentia mais à vontade, até porque tinha os ensaios, as preparações. Quem é a Maria Padilha dos palcos? (risos) É a Maria, eu sou a Maria. A gente, quando chega no palco, ou hoje em dia em qualquer outro trabalho, diante de uma câmera, a gente trabalha, trabalha, trabalha, estuda, estuda, estuda pra chegar ali e contar, apresentar bem um personagem e a história que a gente quer contar, e ter o mínimo de interferência possível que prejudique o personagem. Sou completamente devota aos personagens. A Maria Padilha dos palcos e das telas.
Uma grande repercussão, ainda falando em teatro, foi quando você posou para a Playboy para poder produzir a peça A Falecida, de Nelson Rodrigues. Hoje, como você avalia essa decisão? Chegou a ser criticada pelos colegas? Acho que teve tanta repercussão porque eu não trilhava esse caminho, essa coisa de símbolo sexual. Eu era muito do trabalho, dos personagens, era muito dedicada a isso. Então, foi um estranhamento para muitos colegas. Lembro até que teve uma matéria na primeira página do Segundo Caderno do Globo, nunca vi isso sobre foto de Playboy de ninguém. Tinha uma enquete com várias colegas minhas, se aprovavam ou não aprovavam minha atitude. Todas aprovavam, menos uma moça lá, que ficou no caminho. Mas todas aprovavam porque eu estava querendo realizar uma paixão. Também não sei se é mais nobre você fazer fotos na Playboy para realizar, para produzir uma peça, comprar um apartamento. Não sei, acho que no show business do Brasil a gente não ganha tanto como lá fora. Então, às vezes, é necessário fazer umas coisas assim, né? Não acho que seja mais nobre. Fui muito apoiada pelos colegas. Avalio essa decisão hoje como uma decisão tomada por uma paixão de querer fazer a peça, que já estava montada, naquele momento. Era muito importante pra mim fazer teatro. Hoje não sei se faria por uma peça, algum trabalho, alguma coisa assim, esse esforço todo. Mas, na época, eu fiz e não me arrependo, tá lá. Fui muito bem amparada pelo Gringo Cardia na direção de arte, pela Marcia Ramalho fotógrafa, e acho que não me expus mais do que deveria ter me exposto, acho que foi bom.
E falando das fotos… Que foram inspiradas em personagens de Nelson Rodrigues e teve toda uma dramaticidade. Algum arrependimento, orgulho do resultado…? Como foi pra você na época? Que lembranças guarda desse trabalho? Na época, pedi ao Gringo Cardia, que era o meu amigo, pra me ajudar na direção de arte porque eu ficava pouco à vontade – menos de estar nua, mas com o rosto, que cara fazer, com que cara você faz fotos nua? No começo, a gente pensou em fazer personagens do Nelson Rodrigues, já que eu estava ensaiando a peça A Falecida, do Nelson. Eu também consultei o diretor da peça, Gabriel Villela, e ele sugeriu uma coisa mais interessante: “fala dos universos do Nelson, do futebol, das debutantes, do bicheiro”. E aí começamos a pegar esses universos, da viúva, da morte, que a própria Falecida tinha, pensamos em buscar esses universos. O trabalho foi uma delícia porque só tinha amigos, Gringo, Márcia Ramalho, Fabio Namatame, que fez cabelos e figurinos. A gente ria muito, a gente se divertia muito, foi uma diversão.
Pela arte tudo? Como ela lhe move? Não, não tudo. Muito. Mas não tudo. Se ela me move? Bastante. Eu acho que é uma alegria, uma beleza, é um conforto, e um conforto que eu posso proporcionar aos outros também. Eu adoro qualquer tipo de arte, música, dança, artes plásticas… É um lugar incrível do ser humano, assim como a ciência. São lugares incríveis que o ser humano tem.
Como você percebe o etarismo hoje em dia? Já sentiu na pele ou não se deixa abater por isso? O etarismo existe, né? Não tem como negar. Há muito tempo eu já sinto. A gente de repente é chamada pra fazer um personagem que tem um filho que é quase da sua idade. Mas, ao mesmo tempo, tem um lugar que é muito interessante para atrizes da minha geração, da minha idade. Eu encontrei Tônia Carrero, Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg fazendo grandes personagens, grandes personagens nas novelas, então acho que ainda temos muitos personagens pra fazer. Hoje em dia, a expectativa de vida aumentou muito, as pessoas estão vivendo mais. Então, a gente vai ter que ter personagens mais velhos se quiser retratar o mundo como ele é. Então, acho que derrotaremos o etarismo.
Recentemente você esteve em destaque por sua participação na série Justiça 2. Personagem forte e bem dramática. Como foi participar desse projeto. Lhe tocou de alguma forma? Foi muito legal fazer. Acho que a Manuela Dias teve muita confiança em mim porque não é uma escolha óbvia. O que eu faço em televisão, normalmente são coisas mais para o engraçado, porque tenho esse lado de humor. E ela confiou que eu tinha esse lugar. Ela já me conhecia, já me viu no teatro, em outros meios, cinema, e confiou a mim. Eu tive muito apoio, uma direção maravilhosa, parceiros de cena, o Marco Ricca, maravilhoso, além do Juan, da Belize Pombal, da Helena Kern. Então, foi muito legal participar, foi um projeto muito feliz de fazer e de ver o resultado. Fiquei muito feliz tanto com o processo quanto com o resultado. Me tocou, claro. Quando estamos falando daqueles assuntos tão sérios, é um personagem que me tocou profundamente. Procurando a personagem, na construção, tive que pensar em muitas coisas, em mim, em outras mulheres, em situações de justiça, de racismo. De como também nas tentativas de reparação em que Silvana se mete, como ela se atrapalha. Cenas bastante difíceis, feitas com muita delicadeza, com muita precisão, mas bastante difíceis. Foi muito bom para mim ter feito esse trabalho. Quando a gente faz uma coisa que é difícil pra gente – um desafio acho, que a gente se sente mais viva, acho que a gente vive pra isso.
E como foi a composição para viver Alma Duran em Um Jardim para Tchekhov? Como está sendo a repercussão? Alma Duran é uma personagem bem diferente da Silvana, – é uma sonhadora, uma atriz que está procurando realizar um sonho. Eu me lembrei de mim com a coisa da Playboy, ela está topando qualquer coisa pra montar a peça, e teve uma hora que eu falei “Gente, parece eu na época da Playboy”, fazia qualquer coisa para montar a peça. A composição foi bem interessante, procurei me inspirar em muitas atrizes e atores que conheço e conheci. Pensei muito no teatro Ipanema, no Rubens Correa, no Ivan de Albuquerque, na Marília Pera, na Camilla Amado, na Tônia Carrero… Pensei em tanta gente que conheço, em pessoas da minha idade também, nós que sonhamos, que queremos fazer peças, que precisamos desse lugar no mundo. A repercussão está sendo muito boa. A peça é poética, mas tem um lado muito humorado. A conexão com a plateia é muito fácil, tranqüila – se dá de uma maneira muito suave. Uma peça que tem várias leituras. Se a pessoa conhece Tchekhov, vai ver outras coisas, se ela não o conhece, vai ver aquilo que está ali, que também é muito legal. Através de uma leveza, é uma peça que propõe muitas reflexões e muitas sensações. Eu gosto muito de fazer.
Já foi julgada pela beleza? E já foi cobrada por ela? Já. Já, né? O tempo todo. (risos) Acho que o mundo da gente é meio isso, né? Julgada o tempo todo pela beleza, cobrada… Sempre procurei não associar meus personagens à beleza. Sempre procurei fazer personagens que não necessariamente precisariam ser feitas por mulheres bonitas. Mas quando você vai para a televisão, às vezes, precisa disso – de uma aparência, porque é o vídeo. O teatro é mais longe, acho que isso não é tão importante, não tem o close, né? Mas eu procuro – já tem uma idade em que não dá pra ficar pensando em beleza, né? Procuro ter o físico o melhor possível para a personagem e, na minha vida, procuro ter saúde. E me sentir razoavelmente feliz com a minha aparência. Não sou uma pessoa obcecada por beleza, não acho que isso vai resolver a minha vida. Minha felicidade não está aí, mas a minha saúde é muito importante.
O que procura na hora se recarregar as baterias e se inspirar para o próximo trabalho? Eu procuro a natureza, na cachoeira, no mar, uma viagenzinha calma. Meu filho, sempre me recarrega muito a me esvaziar um pouco para começar um trabalho novo.
Algum plano ou projeto para os próximos meses que possa nos adiantar? Alguns planos sim, não posso adiantar. Mas sim, não estou só fazendo Um Jardim para Tchekhov. A peça me consome muito tempo, mas sempre procuro arranjar um tempo para novos planos, novas ideias. E também, quando a gente faz uma coisa inspiradora, como está sendo essa peça para mim, fica estimulado a fazer outras coisas. Então, já surgiram ideias, mas ainda não posso revelar.
Fotos Guilherme Lima
Styling Samantha Szczerb
Beleza Tito Vidal
Maria Padilha usou: Nayane, Riachuelo e Pulsa
Agradecimentos Casa Cor Rio e Ana Cano Arquitetura