Não tem como negar que parte do sucesso da personagem Shirlei, na novela “Haja Coração”, é por conta do carisma e da verdade transmitida por sua intérprete Sabrina Petraglia. Muito pé no chão, ciente do seu papel como atriz na sociedade (não só para o entretenimento), Sabrina segue sua trajetória conquistando e emocionando cada vez mais o público. Diante disso fomos atrás de conhecer o que essa garota tem de tão especial e o resultado está aqui nessa entrevista. De quebra um belo ensaio que conquista de cara com esse sorriso largo de Sabrina.
Depois de alguns trabalhos na TV parece que a Shirlei será seu grande destaque na carreira (até agora). Como tem sido para você encarar esse personagem? Algo de Sabrina em Shirlei? Todo trabalho é especial, toda personagem tem o seu destaque. Mas não dá pra negar que a Shirlei é quem está projetando meu trabalho para o grande público. Na TV, com certeza é a minha primeira personagem marcante, um dos papéis da vida, algo que marcará a minha carreira pra sempre. Devo isso ao Daniel Ortiz que acreditou em mim e me deu esse presente depois de muito me assistir nos palcos da Escola de Arte Dramática da USP. Sou muito grata por essa oportunidade. Toda essa preparação que fiz me colocou diante da realidade de tantas meninas que convivem com problemas semelhantes ao da Shirlei, e essa troca me beneficiou demais, como profissional e como ser humano. Além da composição, é uma personagem que tem me ensinado muito. Recebo muitas mensagens e me emociono demais, sinto uma responsabilidade enorme ser porta voz de tantas “Shirleis” da vida real. A Sabrina é tão batalhadora como a Shirlei. Isso posso te garantir!
A personagem levanta a questão sobre preconceito contra quem tem algum tipo de deficiência física. Como foi sua preparação e como está sendo a repercussão disso? Foi muito intensa. Posso dizer que um longo e dedicado processo de preparação. Observei muito as pessoas com esse tipo de deficiência, sempre buscando um olhar delicado e atento. Conversei com pelos menos quatro meninas que estão na mesma situação física – e também emocional – da Shirlei. Mas o mancar da personagem começou quando realizei por quase dois meses um trabalho de improviso, movimento e consciência corporal com a Tica Lemos. Eu já havia feito aula com ela antes na EAD (Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo). Além disso, pesquisei e tive acesso a algumas cenas da Aracy Balabanian na novela “Nino, o italianinho”, onde sua personagem também mancava, e assisti alguns filmes onde os atores também tiveram que desenvolver esse trabalho corporal – como a Audrey Tautou em “Eterno Amor” e o Dustin Hoffman no clássico “Perdidos na Noite”. Cheguei a encontrar com o Ari Barroso num restaurante em São Paulo para mostrar meu movimento pra ele e observar o que ele tinha criado para o coxo que havia feito no longa “Se Deus Vier Que Venha Armado”. Fazer um personagem com uma deficiência física é árduo, exige muita consciência corporal para o intérprete não se machucar.
O movimento, por menor que seja, desalinha todo o meu corpo. Não sinto cansaço no final do dia, mas me cuido alongando sempre, fazendo fisioterapia e massagens. Na parte técnica, estudei sobre o que seria essa má formação do osso do quadril, que do lado displásico não consegue segurar a cabeça do fêmur, causando esse movimento diferenciado que a personagem tem. Optei em fazer a perna da Shirlei um pouco torta pra dentro, por exemplo, porque isso pode ser uma das consequências dessa má formação – além de signo de uma certa introspecção. Então consegui definir o movimento, fiz uma bota ortopédica e treinei andando pelas ruas de São Paulo pra sentir na pele o que essas meninas passam. Através dos olhares e comentários que ouvia fui percebendo o que isso me causava por dentro, transitando por diferentes impulsos e sentimentos por ser “diferente”. Nascia, assim, o coração da minha Shirlei.
Como despertou para ser atriz? Como foi no início? Aos sete anos subi pela primeira vez num palco. Isso aconteceu no Colégio Santa Marcelina, em São Paulo, onde estudei. Era uma grande brincadeira, um passatempo muito gostoso que me fazia feliz. Por ser uma carreira muito difícil, sobretudo no Brasil, passei muito tempo tentando fugir, tentando não ser atriz. Tive medo de assumir pra mim mesma que era isso que eu queria dá vida aos 17 anos, quando estava pra prestar vestibular. Me formei em Comunicação em Multimeios, depois fiz mais três anos e me formei jornalista pela PUC-SP. Então tentei ser jornalista e trabalhei na redação de três emissoras de rádio em SP. Mas quando me vi falando sobre cultura, mas sem subir no palco, me bateu um vazio muito grande. Ao perceber que poderia virar uma crítica frustrada, pedi o apoio dos meus pais, joguei tudo para o alto e resolvi arriscar. Foi mais forte do que eu. Aos 24 anos entrei pra Escola de Arte Dramática da USP. Mesmo sendo muito difícil no começo, sinto que foi a melhor coisa que fiz. Lá encontrei minha turma, minha casa… me curei! Não demorou muito e comecei a trabalhar no Teatro Popular do SESI Paulista, a participar no grupo de estudos do Tapa e, graças a Deus, não parei mais.
Quem conhece você mais de perto sempre elogia sua simpatia e sorriso fácil. Esse é seu “segredo” que tanto conquista as pessoas? Eu sou muito intensa, gosto de sentir, de me deixar atravessar pelas emoções. Isso me faz viva. Me emociono quase todos os dias quando chego das gravações e tento responder os recados que me mandam nas redes sociais. Recebo histórias lindíssimas de superação, outras tristes de preconceito… E fico extremamente tocada quando sinto nessas mensagens que, de alguma forma, a Shirlei representa e “grita” a voz de muitas pessoas. Mas não sei dizer qual é o meu segredo pra conquistar as pessoas, não. Nunca pensei nisso. Tento ser sempre gentil, valorizar as pessoas ao meu redor, ouvir de verdade o outro, olhar nos olhos… E não economizo mesmo no sorriso, porque acho que contamina. Sorrir deixa tudo mais leve, né?!
Acha que esse carisma tem atraído bons personagens e com isso a simpatia do público? Sorriso atrai sorriso. Gentileza atrai gentileza, e assim vai… É só isso que eu sei. Não consigo me autojulgar carismática. A personagem, que foi criada por Silvio de Abreu em “Torre de Babel”, por si só já é dona de um carisma particular. Naquela época já foi sucesso! Acho que o meu sorriso e o brilho nos olhos pela alegria e gratidão em conceber essa linda princesa de conto de fadas contribuem e abrem caminhos dentro e fora de cena. É isso.
Qual a maior função do ator? Ser um porta voz crítico visando denunciar, mostrar, prospectar, melhorar as relações sociais e humanas de seu tempo.
O que te desafia mais nessa profissão? Existem barreiras ou tabus para você? Ser ator é se expor, é se despir, escancarar a alma, se doar para o outro, ser canal para ser outro e representar muita gente. E para que isso aconteça de maneira profunda e tocante passamos por um processo dolorido e às vezes confuso de se autoconhecer. É um ofício de doação e entrega infinita.
O que mais admira em você e o que você gostaria de mudar? Difícil falar de si mesma. Admiro a minha vontade e disposição pra fazer os outros felizes, de arrancar um sorriso de alguém, de valorizar, dar importância ao que o outro tem de bom. Gostaria de ser menos exigente comigo mesma, porque me cobro demais e me perdoo de menos. Sofro com isso.
A vaidade pode ser uma “armadilha” para o ator em sua trajetória. Já pensou nisso? Como driblar? Pode, sim. Já pensei muito sobre isso. O equilíbrio e a consciência são as saídas pra essa questão. Cuidar da saúde, da alimentação, fazer exercícios físicos, cuidar da beleza… tudo isso vale. Nosso corpo é o nosso templo, nosso instrumento precioso de trabalho. Mas é preciso ter limite para não perder a humanidade. A vaidade não pode ser mais importante, estar à frente do nosso ofício.
Sabemos que você é noiva. Mas o que um cara precisa ser ou ter para atrair sua atenção? Sim, sou noiva do Ramón, um homem que é cheio de qualidades – e uma das coisas que mais admiro nele é a segurança que ele tem e me transmite. Acredito em encontros de pessoas imperfeitas que se aceitam e se respeitam numa linda parceria plena de carinho, respeito, admiração e amizade. Já estamos juntos há cinco anos. Homem tem que ser autêntico, gentil, bem educado e humorado. Ramon é tudo isso!
Quando quer ser sexy e sedutora que “armas” usa? A sinceridade dos meus sentimentos, dos meus desejos e vontades espontâneas, escancaradas com relação ao outro, são as minhas principais armas.
Na hora de relaxar qual seu programa preferido? Eu tenho gravado muito, uma média de seis dias por semana! Então o tempo que fico livre preciso ainda me dividir em muitas funções, como estudar os textos das próximas cenas, estar com a minha família e meu noivo, responder entrevistas (risos)… Mas, de modo geral, gosto muito de ler, assistir filmes e peças, ir a uma boa exposição, cantar, estudar, receber amigos em casa, andar de bicicleta, cuidar das minhas plantas, da minha casa… Também amo conhecer restaurantes. Sou caseira e diurna.
O que os homens precisam saber sobre as mulheres urgente? E o que as mulheres precisam aprender com os homens? Acho que homens e mulheres devem se escutar, se observar, se colocar no lugar do outro. Nós, mulheres, somos muito diferente dos homens – e vice e versa. Os hormônios são diferentes, as forças são diferentes, e tudo só se torna complementar e potente quando existe escuta e respeito pela particularidade do outro, sem julgamento.
Para conquistar Sabrina basta… A pessoa se aceitar e se amar como se é. Ser autêntico, verdadeiro, com todas as diferenças sem tentar se esconder em padrões.
Fotos Rodrigo Lopes
Styling Camila Amadei
Make up Vivi Gonzo
Tratamento de imagem Isabela Lira