Um visionário e um grande romântico. É como poderíamos definir a personalidade do artista plástico Francisco Brennand. O homem que soube ver o mundo com formas ousadas e criativas, estudou direito, morou por um tempo na Europa, estudou arte e descobriu sua própria arte. Uma arte, que muitas vezes paira pelo erótico-romântico, aflorou com toda sua forma numa antiga usina em ruínas e hoje é um refúgio para arte e o artista Brennand. Um patrimônio nacional da arte contemporânea no alto dos seus 80 e poucos anos. Que continua nos brindando com obras e respostas como essas aqui.
Com quantos anos o senhor começou a se interessar por arte?
Desde muito cedo me deixava impressionar pelas gravuras de Gustave Doré na Bíblia Sagrada e nas aventuras de Don Quixote de la Mancha. Lembro também das gravuras coloridas da História Natural, de Buffon e, igualmente, das inúmeras gravuras e fotografias na Revue des deux Monde, que minha avó assinava diretamente de Paris. Depois os próprios quadros na parede, uma vez que meu pai era um colecionador de porcelanas e também de pinturas a óleo.
Como sua família reagiu quando você comunicou que não queria cursar Direito e sim Artes?
De acordo com a primeira resposta fica patente que foi uma reação favorável, pelo menos da parte de meu pai que era um homem de fina sensibilidade. Ele inclusive tocava piano e lia Balzac no original.
Como era o seu convívio com artistas como Abelardo da Hora e Álvaro Amorim, e qual foi a influência deles no seu trabalho?
O jovem artista Abelardo da Hora trabalhou na Cerâmica São João da Várzea como escultor e modelador a convite de meu pai, Ricardo Lacerda de Almeida Brennand. É evidente que com o seu convívio e, sobretudo, pelas conversas sobre arte em geral, Abelardo teve uma certa influência sobre mim, embora, na época, o meu interesse maior fosse a pintura a óleo e não a escultura e muito menos a cerâmica.
O velho pintor Álvaro Amorim, a quem foi entregue vários quadros para restauração provenientes da velha coleção de João Perretti, adquirida pelo meu pai, teve uma influência decisiva na minha futura carreira, pois ele e seus colegas fundadores da Escola de Belas Artes, os pintores Mário Nunes e Murilo La Greca, foram os meus verdadeiros iniciadores no mundo da pintura a óleo.
O que você sentiu quando ganhou seu primeiro prêmio no Salão do Museu do Estado, em 1947?
No ano de 1947, eu havia completado 20 anos e pela primeira vez participei de uma exposição pública no Salão do Museu do Estado de Pernambuco e posso assegurar que, uma vez detentor do primeiro prêmio, fato que voltou a se repetir no ano de 1948, não só o primeiro prêmio como também uma menção honrosa, me considerei um pintor desde que competi inclusive com vários de meus mestres e outros conhecidos artistas de Pernambuco.
O que mudou ou foi acrescentado no seu processo criativo após sua temporada na Europa?
Quando embarquei para a Europa, em fevereiro de 1949, eu já tinha um conhecimento muito grande sobre arte em geral, não só de pintura como também de literatura e música. Eu havia conhecido o pintor Cícero Dias numa de suas exposições realizadas em Recife, na Faculdade de Direito, no ano de 1948, e ele me foi muito útil nos seus conselhos e diferentes contatos em Paris. Essa minha permanência caracterizou-se, sobretudo, por uma época de estudo intensivo sobre técnicas de pintura e freqüência em museus e galerias. Voltei a repetir uma nova viagem a Paris, em 1951, para concluir os meus estudos sobre pintura e a Itália, em 1952, para estudar cerâmica.
Porque você escolheu as ruínas da Cerâmica São João da Várzea para instalar seu ateliê?
Lembro ter encontrado a velha cerâmica São João em ruínas. Inclusive, cabe salientar que não havia necessidade de um anteprojeto, pois as antigas paredes já indicavam aquilo que devia ser refeito: as ruínas balizavam tudo. Portanto, toda e qualquer idéia chegava à medida do trabalho em progressão. Talvez por isso eu providenciei chamar o lugar de “oficina”, baseado na origem da palavra “ofício” (officium, em latim) que quer dizer “trabalho”; local de trabalho, evitando o francesismo atelier. Ao mesmo tempo há a idéia de uma comunidade, à maneira das coletividades de ofício medievais e renascentistas, onde o mestre e os discípulos trabalhavam em conjunto, a serviço de um só desígnio.
Qual a sensação de caminhar pela cidade e observar suas várias obras?
A sensação é a de que esses diferentes trabalhos uma vez colocados nos seus lugares definitivos passam a pertencer a uma coletividade e, portanto, desperta um sentimento de afastamento progressivo, o que de certo modo é benéfico pois você pode olhá-los com maior independência. Como se fosse a obra de um outro.
O que você acha da opinião popular que vê muito erotismo nas suas obras?
A opinião popular sobre as minhas esculturas é totalmente distorcida. Elas não são propriamente eróticas, embora carreguem em si uma pesada carga sexual, uma vez que se reportam ao grande enigma do Universo, isto é, a REPRODUÇÃO da imagem. As coisas são eternas porque se reproduzem. As próprias estrelas nascem, vivem e morrem. Todo o Universo é uma história de um imenso desejo. Todavia, reconheço que na minha pintura existem fortes componentes eróticos.
Você já realizou todos os seus sonhos ou acha que ainda pode fazer mais pelas artes?
Acredito que nenhum artista, num determinado momento de sua vida, possa ter a sensação de haver terminado o seu trabalho como se dissesse: “Nada mais há a fazer”.
Texto: Jamahe Lima
Fotos: Arquivo Brennand, Tuca Reinés,
Juan Esteves, Osvaldo Barreto, Nivaldo Almeida
Agradecimento: Cristiane Dantas