Unidos pelo matrimônio, arte e ativismo. O ator, Érico Brás, e a defensora da ONU Mulheres, Kenia Maria, celebram 5 anos de união. Érico estreia neste domingo no novo reality da TV Globo, “PopStar”, e mantém seu ativismo como uma das celebridades escolhidas para apoiar a campanha “He For She – pela igualdade de gênero”. Já Kenia foi a primeira mulher no mundo a ser escolhida pela ONU para lutar pelos direitos das mulheres negras e criou a primeira webserie brasileira protagonizada por negros, “Tá Bom Pra Você”. O casal venceu uma ação importante na justiça contra o racismo, recentemente, e segue junto nos palcos com o stand up “Double Black”. [Foi com essa foi a apresentação que o jornal Extra divulgou nosso casal da capa e que reforçamos com todas as letras. Entrevista incrível com um casal igualmente incrível. Que muito do que foi dito aqui sirva de reflexão, principalmente nessa terra sem fronteiras que é a internet.]
Érico, é impressão nossa ou você não para de trabalhar? “Tapas & Beijos”, depois veio “A Lei do Amor”, volta Zorra… e agora “PopStar” (só para citar os mais recentes na TV). Como você avalia isso? Realmente trabalhar me faz sentir vivo. Estou acostumado a trabalhar com arte desde os meus 8 anos de idade, quando comecei a fazer teatro amador e já encarava como minha profissão. Antes de “Tapas e Beijos”, eu fiz na TV e no cinema, “Ó Paí,Ó!”, que foi um sucesso. Hoje, eu estou no Zorra, que adoro fazer e foi indicado ao Emmy. O Jader de “A Lei do Amor” foi um presente e tive o privilégio de estar ao lado de Tarcísio Meira, Heloisa Perissé e Vera Holtz. Dessa vez, o “Pop Star” é um desafio daqueles que gosto de encarar porque é cheio de novidades a cada momento.
Mas indo para o início… como tudo isso começou? Quando percebeu que queria ser ator e como foi na estreia? Comecei minha carreira artística no subúrbio de Salvador e depois ingressei profissionalmente no Bando. Eu percebi que a arte devia pagar minas contas quando vi que não conseguiria viver sem ela. Me dá uma inquietação, uma fome estranha, um calor e frio ao mesmo tempo se não faço arte.
Quando esse baiano arretado conquistou a “cidade maravilhosa”? Como foi a chegada no RJ e a aceitação? A minha chegada ao Rio de Janeiro, cidade que amo e me acolheu como filho da terra, aconteceu em 2010 quando protagonizei o filme “Orfeu”. Depois, o diretor Maurício Farias me chamou para trabalhar na TV Globo e aí fiquei de vez.
Sem falar de TV, você está no teatro, esteve em cartaz no cinema com filme de terror e uma série para ser vista por smart TV’s e celular. Conta um pouco do que vem por aí. Estou com uma peça que estreou em Salvador em junho, texto de Kenia Maria junto comigo. É a minha primeira direção. O ‘Double Black’ deve entrar em cartaz no Rio de Janeiro somente no ano que vem porque estamos tentando cumprir a agenda de viagens e além disso estou no ‘Pop Star’. Isso porque eu e Kenia dividimos o palco nessa ‘comédia romântica black’ e com situações do nosso cotidiano mas que é inerente a qualquer pessoa.
E como se não fosse o suficiente… você vai se aventurar como cantor em PopStar. Como está sendo esse novo desafio? Existe uma coisa bacana nesses desafios, que são as descobertas. Eu passei a estudar canto com mais compromisso e com isso me conheci um pouco mais, como unir o cantar intuitivo com o jeito de cantar técnico. E realmente faz a diferença! Por outro lado vi que para ser um PopStar é necessário mais que talento, haja visto os atores norte-americanos que cantam, dançam e interpretam muito bem por conta dessa dedicação e disciplina que a arte exige.
Sempre cantou? Como a música faz parte da sua vida? Sempre cantei. Na minha infância, eu me lembro que tinha um terreiro de candomblé no fundo da minha casa que cantava em Yoruba e eu brincava com os netos da mãe de santo de cantar e tocar instrumentos percussivos. E a noite eu ia para igreja com minha mãe e cantava louvores cristãos; e tocava violão também! Era muito divertido! Amo música e sempre fez parte da minha vida e também dos meus trabalhos na TV, cinema e teatro.
Você parece ter sido uma criança hiperativa. Aliás, parece que ainda é! (risso) Verdade? Eu sou feliz e faço questão de dividir essa alegria com as pessoas em tudo que faço e por onde passo. A hiperatividade pra mim é reflexo da minha alegria de viver. Se for pela conotação que se dá a uma criança e adultos agitados de que hiperativo é uma doença, não faço parte desse time. Mas se for o Hiperativo vivo e feliz…esse sou eu!
Por trás, ou melhor dizendo, do lado, de um homem de sucesso… uma mulher de fibra. Como é a relação com Kenia? Kenia é a minha maior parceira. A evolução de minha carreira eu devo a ela, que a administra e diz os rumos que devemos tomar. Kenia é a verdadeira empresária brasileira, em que o sucesso está na sua atuação nos palcos e se estende para o planejamento de carreira dos atores que comanda. A minha relação com ela se divide em marido, companheiro de cena e sócio.
Junto com esse casamento vieram dois filhos, enteados. Como é a relação de vocês (que já soubemos ser muito boa)? O que mudou na sua forma de viver a dois começar logo com dois filhos adultos? É diferente, mas vantajoso. Matheus e Gabriela são mais que filhos e são donos de suas próprias vidas. Matheus é biomédico e Gabriela é atriz, contratada da Rede Globo. Eles chegaram na minha vida pra somar. Vi que ser pai é dar amor, carinho, afeto… e gostaria de ficar mais próximo deles, mas o trabalho e a vida corrida de todos nós deixa o tempo curto para saborear o nosso amor mútuo. Mas sempre que posso, eu encontro tempo para estar com eles e Kenia para celebrar a vida. Nos amamos muito!
Recentemente vocês venceram um processo de caso de racismo. Infelizmente parece que não evoluímos ainda nesse sentido e casos assim teimam em acontecer. Qual o caminho para diminuição disso? As pessoas precisam saber que mesmo a justiça brasileira sendo falha, a gente tem que saber dos nossos direitos. Vivemos numa sociedade corroída pelo fascismo, corrupção e discriminação em que o diálogo proposto por muitos não funciona. Talvez um dia consigamos esse êxito que me parece utópico. Queria acordar e sair na rua sem ser discriminado, mas no Brasil isso é impossível. Então, enquanto não me aceitam como parte desse país, eu vou cavalgando com a Justiça e mexendo no bolso de quem tem que pagar pela covardia.
Você acredita que em casos como esse a pessoa que está atacando quer mais aparecer do que realmente ser um racista? Acha que as redes sociais terminaram sendo um caminho “seguro” para esse tipo de gente? Não acredito que queira só aparecer. Mentira de quem acha que as pessoas tem essa necessidade apenas. A verdade é que a nossa sociedade multi-facetada procura maneiras e formas para a manutenção do racismo. A internet é mais uma porta aberta para esse tipo de atitude. As pessoas expressam seu ódio racial por ali e com verdade absoluta questionável. O racismo é uma ideologia que deu certo no Brasil e em vários lugares do mundo. Nós, brasileiros, somos ainda os retardatários na busca eficiente pela equidade. É impressionante como as pessoas vão para as redes sociais gritar contra as políticas públicas, cotas etc…e depois falam mal da política que corrói o país. Essas mesmas pessoas não se dão ao luxo de pensar que se acabássemos com o racismo institucional, por exemplo, teríamos um Brasil mais equilibrado. E digo isso porque pesquisas mostram que as empresas que tem negros no seu quadro de funcionários administrativos rendem e lucram mais que as racistas.
O que curte fazer para relaxar? Quando quer fugir de tudo para onde vai? Adoro ficar com a família no meu tempo livre. Adoro viajar com eles e acho que vou conseguir fazer isto neste fim de ano!
Entrevista Kenia
Kenia como é viver com esse cara hiperativo e divertido no dia-a-dia? (risos) Temos temperamento diferentes, mas somos muito parecidos (risos). Gostamos de rir da vida e tirar lições das coisas mais difíceis do dia-dia. Dá muito certo e eu gosto da energia que ele tem!
E você, atriz, escritora, youtuber e nomeada pela ONU Mulheres do Brasil a primeira Defensora dos Direitos das Mulheres Negras no mundo. Não é pouca coisa não. Como dá conta de tudo? Não é fácil, mas é o que me completa. E desta forma fica mais possível encarar a rotina pesada de trabalho. Amo tudo o que faço! Lembro que na ECO 92 eu ganhei um concurso de redação na escola e depois veio a paixão por escrever. Espero ainda este ano lançar o meu livro infantil. Não via TV quando criança, mas gostei da linguagem no YouTube e por isso tenho o “Tá Bom Pra Você”. O mesmo ocorre com o “Double Black”, que estreou lindamente em Salvador. Muito trabalho, mas tudo com muita dedicação, esforço e satisfação.
Como defensora dos direitos das mulheres negras qual seu maior desafio? O grande desafio da sociedade brasileira e fazer com que a mulher negra saia da base da pirâmide social. Que os homens parem de nos matar, que a mulher negra seja tratada como humana. Eu estou me juntando a muitas vozes que gritam por isso a anos. A meta da ONU Mulheres é que em 2030 tenhamos um planeta 50-50 pela igualdade de gênero. Esse desafio é meu, seu; é nosso!
Você acredita que as cotas para negros (seja em faculdades ou outros) seja uma forma velada de pré-conceito. Afinal a pessoa deve ter direito a algo pelo seu potencial, e não por conta de cor, sexo ou outra categoria. Como você vê essa questão? Eu morei, trabalhei em comunidade e vi a cara da violência de perto. Comecei a trabalhar com jovens em situação de risco aos 18 anos, hoje tenho 41 e nada mudou!!! A guerra contra as “drogas” continua matando pretos. NA FAVELA NÃO TEM PLANTAÇÃO DE COCA, MACONHA E MUITO MENOS FÁBRICA DE ARMAS DE FOGO! Acho que vale lembrar que no direito internacional de guerra, nos direitos humanos, o acesso à educação e à saúde são direitos que não podem ser suspensos nem em situação de conflito armado. PRECISAMOS ENTENDER QUE ISSO NÃO É NORMAL! Alguém precisa avisar oficialmente que estamos em Guerra! Funcionários dos hospitais estão sendo treinados para atender vítimas de arma de fogo. Como faço pra garantir que as crianças negras desse país cheguem na universidade sem cotas? Talvez o Brasil não seja o país mais racista do mundo, mas o racismo dá muito certo aqui! Há 130 anos, aproximadamente, assinaram a Lei Áurea e jogaram os negros nas favelas. Hoje o braço armado do estado entra na favela e mata crianças negras de 10, 13 anos para combater “drogas”.
De onde vem o racismo? Difícil responder isso tão rápido e sucintamente. Mas recomendo que leiam o livro do doutor Carlos Moore, “Racismo e Sociedade”. Eu diria, de forma bem resumida, que conquistar, ganhar e até escravizar são práticas utilizadas pela humanidade há milênios e por todas as civilizações. Já desumanizar uma raça por uma diferença de fenótipo é racismo. E o racismo é simplesmente um forte sistema de poder.
Kenia, falando em redes sociais… você acredita que a evolução (tecnológica) nos trouxe o retrocesso? Acho que remexeu o esgoto. Acho que todas as atrocidades e até mesmo o racismo, machismo e homofobia – que são problemas graves na sociedade – estão sendo filmados e discutidos. E isso incomoda, mas é necessário.
Você é uma mulher bonita e vaidosa… Como lida com vaidade? Até que ponto é saudável? No meio de tanta coisa me sentir linda é sentir paz. Mas tenho muito cuidado com minha pele, cabelo e alimentação. Não saio na rua sem protetor solar pra não tomar bronca da minha dermatologista, a doutora Katleen Conceicão. Gosto de maquiagem às vezes e não obedeço moda. Não sou escrava dos padrões de beleza e isso me faz sentir saudável é linda.
Qual o maior desafio da vida à dois? Somos um casal heterossexual. Pra mim o maior desafio é viver com um homem que respeite e entenda que sou humana. Sou uma mulher feminista que vive com um homem que aceita o desafio de desconstruir o machismo. O Érico aceita rever os seus privilégios todos dias e isso torna as nossas vidas muito mais saudável.
Como atriz qual sua maior realização e desafio? Quero muito falar o que penso, vejo e sinto! Por isso amo escrever. Confesso que o lado atriz dá sempre lugar a escritora, roteirista mãe e ativista. Subir no palco ou fazer cinema pra contar novas velhas histórias é um sonho.
Para te conquistar basta… Amar a justiça e respeitar a humanidade.