CAPA: Pedro Nercessian de volta à TV com polêmico personagem na série “Justiça”

 

O ator Pedro Nercessian é daquele tipo de ator que tem a real noção do seu ofício e como isso pode de certa forma questionar valores dentro de uma sociedade. Não foi à toa que nesse momento da sua carreira chegou até ele um personagem polêmico, forte e que traz com ele esses questionamentos sérios que o grande público precisa ter. Estamos falando de Téo, seu personagem na série “Justiça”. Pedro praticamente começou sua carreira na Globo, com Malhação, depois alçou voos mais altos que outros canais de TV, cinema e muitos trabalhos no teatro. Tudo isso construiu o ator que ele é hoje. Aos 30 anos, Pedro mostra que tem muito a fazer e demonstra uma maturidade para circular por vários caminhos com uma segurança de quem sabe o que quer e como isso pode influenciar o outro.

Pedro, para começar como foi fazer o personagem Téo (de Justiça) com valores tão distorcidos? Que desafios te trouxe? O maior desafio é não julgar o personagem. Entender o que o levou a ser assim é o primeiro passo para não fazer um simples vilão que é mau e ponto. Entender esses pormenores me fez construir uma personalidade mais complexa para o Téo.

Participar desse trabalho te fez questionar muitas coisas em relação a justiça e deveres? O que mais te tocou? Já me questiono sobre isso desde a adolescência e a idade me trouxe uma calma em relação a isso também. Entendi que o “justo” é relativo, que é só um valor particular de cada indivíduo ou de um grupo específico. Hoje, penso que não existe certo e errado, mas isso não me impede de lutar por um mundo regido por valores que eu considero mais humanos e sem aquela forma radical típica da adolescência.

 

Infelizmente pessoas com valores como o de Téo estão bem comum hoje em dia. A que você atribui essa distorção? Essa pergunta, por sí só, pode render uma entrevista inteira, mas acho que, dentro da nossa sociedade, temos muita coisa que não traz benefício a ninguém. São assuntos que precisam ser mais debatidos como o machismo, o consumismo, a maneira como educamos nossas crianças, como lidamos com o sexo, com as drogas, com a religião… Acho que esses fatores tem contribuído para uma sociedade doente e capaz de gerar cada vez mais “Téos”.

Você como ator se sente com a responsabilidade de questionar esses valores e atiçar o público a questionamentos? Ou entreter é mais o foco? Responsabilidade é uma palavra forte para isso. Não me sinto obrigado a questionar ou fazer o público refletir. Acho que seria uma postura pedante da minha parte, mas imprimo meu pensamento de mundo em tudo que faço. Absorve quem achar válido. Não sou dono da verdade, mas tenho minha opinião sobre o mundo em que vivo.

O que é mais injusto para você no Brasil hoje em dia? Questões muito importantes e que ainda precisam ser fortemente combatidas como o racismo, a homofobia, o machismo (como já citei antes), entre muitas outras.

 

Depois de um tempo fora da Globo você voltou com um papel bem forte e polêmico. Como foi essa volta para você? É bom voltar em uma obra tão forte, tão de verdade. O convite foi, de certa forma, fruto do trabalho que mostrei no cinema. A autora da série participou do roteiro do filme “Canastra Suja” que rodei no final do ano passado e me convidou por ter gostado do meu trabalho. Ver as pessoas confiando em você é sempre bom. A nossa carreira é muito difícil nesse sentido.

Seu tio teve alguma influência sobre você em relação a sua carreira de ator? Quem foi ou são suas influências ainda? Acho que, na verdade, meu tio e eu recebemos a mesma influência do meu avô Garô, pai dele. Foi órfão de guerra, refugiado e, mesmo assim, nunca perdeu o brilho e a esperança no ser humano. Não o conheci pessoalmente, mas o espírito livre, pensador, questionador e humano dele ficou impregnado na minha família.

Como foi filmar em Recife? Acompanhamos você pelo instagram, e você parece ter acompanhado bem o dia-a-dia da cidade. Recife é bem o retrato de um Brasil que não foge à luta. O movimento “#OcupeEstelita é o retrato de como a cidade tem sido desenhada pelos políticos para atender somente o interesse dos ricos. Fui a Recife antes das gravações para fazer um laboratório para o personagem e essa divisão entre ricos e pobres foi o que mais me marcou nessa construção do Téo. Recife tem sangue quente, pulsa. Me inspirei nessa força!

O que te instiga culturalmente? O que move no processo criativo? O humano. A cabeça das pessoas me fascina. Os grandes e pequenos encontros. As dores que ninguém ouve me interessam mais que os grandes dramas. Por isso, gosto tanto de “Justiça”. Lá colocamos uma lente de aumento e mostramos quanta coisa pode existir em uma simples briga de vizinhos.

Quando não está gravando ou com peça o que te distrai? O que curte ler, ver e ouvir? Tenho a melhor profissão do mundo. Meu dia a dia de trabalho já é ler, ver e ouvir coisas interessantes. As referências de cada trabalho são sempre as minhas leituras do momento. Meus autores preferidos, Júlio Cortázar e Valter Hugo Mãe, foram referências de trabalhos que fiz. Agora, por exemplo, estou ouvindo todos os discos do Otto depois que ouvi a música “Crua” na trilha na minissérie. E por aí vai.

Com a exposição na TV o assédio aumenta… Como você lida com isso? Lido da minha maneira. Tenho preguiça de entrevistas vazias e de pessoas que nem sabem seu nome mas querem tirar uma foto com você. Se alguém demonstra que me admira pelo meu trabalho e não pelo fato da minha cara estar na televisão, então eu sou capaz de ficar horas batendo papo com essa pessoa. Sempre que tentam me enquadrar nesse modelo antigo de celebridade, eu busco sair pela tangente.

Falando em instagram, como você lida com redes sociais? Como separa o que é público e o que é pessoal? Tudo é pessoal. Talvez a separação esteja entre o que é público e o que é privado. Acho que, em geral, sou bem reservado. A internet e o jornalismo são muito cruéis. Existem veículos em que o repórter não assina a matéria, pegam fotos das suas redes, escrevem o que querem e não assinam. Acho isso uma covardia. Então, sempre antes de postar alguma coisa, eu penso que, além de estar dividindo aquele momento com um monte de gente legal, também posso estar dividindo com alguém mal intencionado da indústria de fofoca.

O que podemos esperar daqui pra frente? Quais os próximos passos? Vou continuar por aí contando umas histórias.

Fotos Rodrigo Lopes
Direção Criativa e Stylist – Márcia Dornelles @marcia_dornelles
Beleza – Paulinha Cunha Teixeira @paulinhacunhateixeira

Pedro Nercessian veste
Look total black calça e casaco de tricô Ellus
Look total fucsia bermuda e jaqueta Ellus e camisa acervo
Look total cinza camisa Oliv e calça acervo
Look total vermelho calça Moog e camisa Poggio