Versatilidade é uma palavra que está sempre presente na trajetória do Leandro Lima. O cara começou como cantor de banda de axé, na época em que trabalhou como publicitário, depois virou modelo internacional e em seguida ator. E se nada desse certo ele já partiria para seu plano D, arquitetura! Tudo isso é reflexo da dedicação com a qual Leandro se joga em seus projetos, e claro, seu talento para executá-los. Nascido em João Pessoa, paraibano com muito orgulho, Leandro estudou línguas, estudou artes cênicas em Nova Iorque, e em seu mais recente trabalho na TV, canta Bossa Nova na séria “Coisa Mais Linda” (Netflix). Quando topou posar para MENSCH queria algo diferente, que ousasse desconstruir a masculinidade criada pela sociedade. O resultado disso tudo está aqui nessa bela matéria que esperamos seja a primeira de muitas.
Leandro, falando de sua trajetória até aqui… como foi passar de cantor de banda de axé, para modelo internacional e depois galã de novela? Vida agitada essa hein? É uma longa história, mas vou tentar resumir ao máximo (risos). Desde muito novo descobri que os palcos me encantavam. Uma vez, quando tinha uns 10 anos, meu pai me levou ao teatro Santa Rosa, em João Pessoa, pra assistir um projeto musical. Fiquei empolgadíssimo e passei a fazer teatro na escola e no espaço cultural. Quando tinha 16 anos, me juntei a uns amigos para fazer um som. Era o auge do axé no Brasil e então nossa banda “Ala Ursa” fez bastante sucesso pelo Nordeste. Lembro de Claudia Leitte abrindo um show nosso e esse mesmo show foi gravado ao vivo em Souza/PB, estourou a Claudinha. Mas eu, que trabalhava ao mesmo tempo numa agência de publicidade como RTV, já não estava mais tão empolgado com a banda. Ai surgiu a Milene, uma scouter de modelos baiana que sem que eu tivesse a menor ideia do que estava acontecendo de fato, me levou a um casting de uma agência importante na Itália. Resolvi dar uma chance a mim mesmo e foi incrível – vivi em vários países, aprendi idiomas. Foi muito rico, mas ainda tinha vontade de retomar o sonho de atuar, então procurei meu caminho e aqui estou.
Passar necessidade nunca foi um problema porque você, sendo versátil, sempre teve um plano B. Se não tivesse dado certo como ator ou modelo, qual seria sua 4ª opção de profissão, digamos assim? É, já fiz bastante coisa na vida – publicitário, vocalista de banda, cantor de jingle, fotógrafo de evento, barman, enfim, mas uma área que me encanta muito é a arquitetura. E nada impede que eu ainda seja arquiteto (risos).
Como modelo você desfilou para várias marcas internacionais, participou de campanhas e viajou pelo mundo. Aprendeu a curtir esse universo da moda ou foi coisa do momento? O que ficou disso tudo? Sim, meu período na moda foi um grande portal de mudanças e conhecimento, ainda agradeço por isso. Eu dificilmente teria acesso para conhecer tantas culturas tão de perto se tivesse feito a escolha de ficar no Brasil. A primeira cidade em que morei fora foi Milão. Trabalhei bastante para marcas que nem sabia o que eram direito como Armani, Dolce&Gabbana, Disquared, Salvatore Ferragamo etc. Esses trabalhos me levaram a conhecer lugares incríveis e ter amigos que trago comigo até hoje. Estudei italiano (considero minha segunda língua) e depois, fui para Paris (preguiçoso não aprendi francês) onde também fiz muitos amigos e tive grandes experiências. Ai, fui para Londres, fui muito a Hamburgo, Capetown, Barcelona e depois Nova Iorque, onde fiquei por mais tempo e voltei a estudar interpretação. E o que ficou disso tudo? Aprendi a respeitar as diferenças, a resolver meus problemas (independentemente do tamanho) e entender o quanto somos pequenos diante do universo, expandiu meu olhar para tudo.
Somos resultado de nossas escolhas. Você está satisfeito com sua caminhada até aqui? Mudaria algum “trajeto”? Sim, estou muito satisfeito com minhas escolhas, quando olho para trás. Talvez tivesse feito coisas de forma diferente com a experiência que tenho hoje, mas se paro para tentar achar o que especificamente faria diferente, fico em dúvida porque a escolha é a morte do não escolhido, e quando penso que se fosse diferente perderia outra coisa incrível que vivi, então deixa pra lá (risos). Vamos pra frente.
Trabalhar como modelo te deixou mais vaidoso, ligado em tendências, cuidados pessoais? O que aprendeu que traz para sua vida hoje? Era uma questão de sobrevivência me ligar nas tendências, estava inserido em um mercado de alto nível de competitividade, e, acredito que isso também tenha mudado muito meu senso estético. O que aprendi disso é que personalidade é o que conta, independentemente do que vestimos.
Da época em que morou em Nova Iorque você estudou artes cênicas no Lee Strasberg Theatre and Film Institute de lá. Como foi essa experiência? Foi um momento especial de escolha, parei de trabalhar como modelo para me dedicar aos estudos. Aprendi muito com os mestres e como é ter a riqueza de uma sala de aula multicultural. Estudei com italianos, bolivianos, americanos, indianos e japoneses – era realmente uma salada cultural. Foram muitas descobertas interessantes para o trabalho e coisas que NY proporciona, tais como ao final de uma aula de sábado chegar um cara com um roteiro debaixo do barco e um boné do Yankees enfiado meio cobrindo o rosto – era o Leonardo di Caprio que queria dar uma palavrinha com o professor.
Paraibano, nascido em João Pessoa, morando pelo mundo e atualmente em São Paulo, o que levou de sua terra natal que você não abre mão? Onde se identifica esse paraibano arretado? Paraibano com orgulho e hoje vivendo em São Paulo, mas confesso que houve momentos que me disseram que meu sotaque era forte e precisaria mudar, se não, não trabalharia bem. Então, fiz fono pra caramba para neutralizar, me sentia meio negando a origem. Foi então que me toquei que quem me disse isso estava errado, o ator pode ser até de marte, mas se em cena traz a prosódia e a verdade exigida para a personagem, não tem essa. Tenho muita facilidade com sotaques e consigo reproduzir qualquer um do Brasil. A Paraíba está em mim, trago muito da alegria, do humor e da resiliência nordestina. O Nordeste dá identidade ao Brasil. Não conheço uma pessoa de São Paulo, por exemplo, que não tenha um avô, pai ou algum parente do Nordeste.
Já sofreu algum tipo de preconceito, ou por ser nordestino ou por ter sido um modelo que entrou na carreira de ator? Ou mesmo ser julgado pelo físico? Olha, eu acho que somos julgados o tempo inteiro, as pessoas sempre acham algo para te criticar, mas seria um desrespeito da minha parte dizer que sofri preconceito. Eu nasci com muitos privilégios, nasci “branco”, tive acesso à escola particular, hétero, magro, alto. Enfim, não sei o que é viver o preconceito, coisas que vejo acontecer com amigos meus ou até pessoas que não conheço e que me fazem sofrer muito – sou resistência no combate a todo tipo de preconceito. O que acontece bastante são crenças limitantes das pessoas tais como, ele é muito bonito para ser inteligente ou até que, para uma mulher, ela dirige bem, ela é bonita, uma negra de traços finos. Enfim, um monte de absurdos que ouvimos por ai.
Pelo jeito sua vida sempre foi muito agitada, e como está sendo essa parada forçada por conta da pandemia? Como tem lidado com esse isolamento social? Acho que todos nós andávamos muito acelerados e essa parada obrigatória serviu para revermos muita coisa. Apesar de todas as dificuldades e estranhamento causados, acredito que estou mais consciente de muita coisa, tive tempo de me informar de coisas que queria, mas não conseguia antes, como me habituar a usar meios como lives, compras e cursos online, reuniões à distância. Enfim, um momento de crise sempre acelera processos que estavam em andamento.
Você foi pai muito cedo, aos 17 anos, né isso? Como foi isso e como é a relação de vocês hoje em dia? Ter sido pai muito cedo trouxe dificuldades e delicias como todas as coisas. Giulia é uma benção. Mesmo que ela não saiba precisamente, muitas escolhas que fiz na vida foi por ela também. Hoje tenho um imenso orgulho da pessoa que ela está se tornando, uma menina sensível, inteligente, extremamente amorosa, minha filha.
Chico, seu personagem na série “Coisa Mais Linda” (Netflix) é um cara talentoso mas que tem o alcoolismo como ponto negativo. Na sua vida, já conviveu com alguém com esse problema? Onde se inspirou para esse drama do personagem? O alcoolismo é uma doença muito comum e séria. Achei essa abordagem na série de extrema importância, ainda que tenha sido uma pincelada leve na trama. Houve casos próximos na família que graças a Deus tiveram um final feliz, mas tive bastante referências na infância.
O Chico é um cantor, foi um presente para você poder voltar às origens e cantar? Bossa Nova fazia parte da sua setlist? Na verdade, atores sempre querem fazer a maior variedade de personagens possível, e disso atualmente, não posso reclamar. Na comédia, “Solteira, quase surtando”, fiz o Ravi um publicitário gay com problemas para assumir a sexualidade. Na série americana/mexicana “La Dona 2”, fiz um traficante. Já tinha feito um príncipe medieval em “Belaventura” e, finalmente, o Chico, o sonhado personagem músico. A Bossa Nova sempre foi muito presente na minha vida, ouvia em casa, desde pequeno, graças ao bom gosto musical de minha mãe.
A segunda temporada da série entrou no ar faz pouco tempo e continua sendo um sucesso. A que se deve isso no seu ponto de vista? “Coisa Mais Linda”, a meu ver, é a série brasileira que mais nos representa e isso tem se mostrado cada vez mais presente no desenrolar da trama. Além da escolha dramatúrgica característica das nossas novelas (só que em altíssimo nível), com estética de cinema, figurinos impecáveis (de Verônica Julian), fotografia linda (Ralph Strelow) e trilha sonora do mestre (João Erbetta); mostra a beleza e bossa do Rio de Janeiro dos anos 60. A série trata de temas sociais importantíssimos e muito atuais como o racismo, o machismo tóxico, a impunidade no país, coisas que seguem até hoje e precisam ser levantadas. Além de revelar nossas poderosíssimas mulheres protagonistas. Pelas diversas mensagens que recebi (com certeza as meninas receberam mais), elas têm encorajado muitas mulheres a se posicionarem e reverem conceitos que temos ainda em 2020. É realmente uma série para se deliciar.
Como foi reviver essa época áurea da música no Brasil onde a Bossa Nova e o Samba iam aos pouco tomando seu espaço? Gostaria de ter vivido essa época? Olha, tive o prazer de viver um pouco nessa época graças à série, mas nunca parei para pensar se gostaria de viver realmente nos anos 60. O fato é que as relações eram mais humanizadas, a arte era muito latente e crua, as dificuldades em realizar coisas (sem googles, tutoriais de tudo), tornava cada feito e descobertas muito mais relevantes e valorizadas. Isso tudo me atrai, mas o que queria mesmo é uma máquina para viajar no tempo e no espaço para experimentar um pouco de tudo!!!
Onde busca inspiração na hora de compor um personagem? Depende do personagem, cada um é um universo, quando abrimos um canal para conectar com ele as coisas mais simples e cotidianas inspiram. No caso do Chico, por exemplo, além de ouvir tudo que pude de música da época, às vezes parava enquanto passava por uma rua para observar um músico solitário num bar decadente ou até entrar nesses bares, conversar com amigos que tinham traços de personalidade que me lembravam o Chico, que me traziam coisas, uma observação constante.
E nas horas vagas, o que te distrai? Gosto de ficar sozinho com o violão, ver filmes clássicos e fazer absolutamente nada deitado numa rede (tenho que ter sempre um rede por perto).
Passado esse isolamento social, o que mais deseja fazer? O que ainda vem por ai neste ano? Tenho projetos no cinema e TV que foram adiados para não sei quando. E quando acabar esta quarentena, eu quero dar abraços, muitos abraços apertados!!
Por fim, agradeço a todos da revista MENSCH pelo espaço e confiança. Foi muito importante para mim conceber com Ivan Erick e Philipe Mortosa, Leandro Portos e Jake, a imagem desta matéria onde propomos desconstruir a masculinidade criada pela sociedade, por séculos. Realizar isso me causou um estranhamento maravilhoso, obrigado a esse time!!
Fotografia Ivan Erick (Thinkers mgt) / Produção Maria Antonia
Styling Leandro Porto (Thinkers mgt) / Grooming Jake Falchi (Thinkers mgt)
Retouch Philipe Mortosa (Thinkers mgt) / Produção Executiva Márcia Dornelles