Eriberto Leão é uma guitarra dedilhada com afinco, uma bateria estridente, um baixo em notas de maestria, é rock na veia e no coração. Quem se acostumou a vê-lo em papéis rurais e de mocinhos-heróis sem dúvida terá uma grata surpresa ao assisti-lo na pela de Jim Morrison, no musical Jim. Eriberto se transforma em corpo e alma no roqueiro de discursos inflamáveis, de ideias até hoje atuais e necessárias e através dessa entrevista (a segunda dada a MENSCH) você vai ver que ele e Jim têm muito mais em comum do que uma caracterização e interpretação bem feita. Eriberto é também um homem de olhar apurado sobre a vida. Leia essa entrevista ao som do The Doors e inspire-se caro leitor.
The Doors é um clássico dos anos 60 e faz parte do seu gosto musical, interpretar o Jim é então um grande presente e uma realização? É a concretização de uma promessa que fiz a mim mesmo, aos 18 anos, de um dia homenageá-lo, pois no filme do Oliver Stone sobre o The Doors, o Jim que se vê tem só um lado da sua multifacetada personalidade, embora defendido brilhantemente pelo Val Kilmer. Queria mostrar um Jim mais próximo da minha visão e da visão da maioria dos admiradores que mergulharam fundo na sua poesia e leram o que ele lia, como Nietzsche, Rimbaud, William Blake, Baudelaire, Aldous Huxley…
Na peça você interpreta dois papeis, o Jim e um fã fortemente influenciado pelas ideias do Morrison. Sendo artista, como se sente sabendo que pode influenciar pessoas de maneira tão profunda? Faço arte pra isso. Para ser transformado e transformar. Não tem como sair de JIM, sem ser tocado profundamente pela música, poesia e potência de James Douglas Morrison.
O que você tem do Jim Morrison e onde são opostos? A busca. A inquietação. A vontade de desafiar um sistema combalido e ineficiente que insiste em se mostrar infalível e onisciente. Blake diz que oposição é amizade verdadeira. Então até as nossas diferenças me aproximam dele. Quente ou frio. Morno nunca. Meus heróis morreram para que eu não morresse da mesma forma. Eles testaram os limites e deixaram para nós uma responsabilidade gigantesca. Nós queremos o mundo e queremos agora. Ou como dizem os guerreiros indígenas das mais variadas etnias das Américas: essa Terra tem dono!
Cantar é um grande desafio? Como foi a preparação? É um grande prazer. E como temos timbres idênticos, isso é mais prazeroso ainda, pois o escuto através de mim mesmo. Muito ensaio, muito ensaio…
O que tem de mais bacana no musical e mais exaustivo? Tudo. Não me acanho em dizer que acertamos. Paulo de Moraes, Walter Daguerre e eu conseguimos criar um espetáculo-show de rock coerente com a poesia e as influências de Jim Morrison. E as pessoas adoram, os críticos são unânimes, o teatro sempre cheio e inflamado. Transformamos as 3as e 4as do Teatro do Leblon em um ritual comandado pelo xamã do rock. A escolha de estarmos em um horário alternativo foi muito bem pensada. Pois um sucesso nesse horário tem um significado bem diferente do que um musical convencional que levanta a bandeira do ROCK, (que é alternativo em sua essência e infância) mas é claramente comercial. O sucesso deve ser a consequência e não o objetivo. Quando disse tudo, respondo as duas perguntas simultaneamente. Um ritual assim é iluminador e exaustivo. Só ilumina porque tem potência. E ao final perdemos todos alguns quilos (risos).
Todo personagem é uma construção do roteirista, do ator e do diretor. Como construiu esse personagem que é real, mas em uma encenação que não é biográfica? Muito estudo e muita identidade com tudo que o Paulo e o Walter criaram. E como a ideia partiu da minha alma, tudo conspirou para uma construção verdadeira e impactante.
O rock sempre teve um viés de rebeldia, de protesto. Aqui no Brasil a época de efervescência foram os anos 80, depois a coisa foi caminhando pro lado mais pop, balada romântica. Mudou o mundo, os jovens, a visão política, a vontade de lutar? A música parou, mas ninguém apagou a luz. Pelo contrário, acenderam mais e mais holofotes e o medíocre foi supervalorizado, pois diverte e aliena. Falta o blues, o sentimento que os negros norte-americanos possuíam e que gerava uma música que toca a alma. Elvis, Dylan, Cash, Doors… Mr Mojo Rising.
“Vamos recriar o mundo, o palácio da concepção está ardendo. Olha! Vê como arde!” Esta famosa frase de Jim Morrison parece mais atual que nunca, como você vê o mundo hoje? Essa frase está em nossa peça, e continua dizendo que devemos nos aquecer em suas chamas, pois somos jovens demais pra sermos velhos. No dia que o Leblon estava repleto de barricadas incendiárias e todos os acessos ao nosso teatro limitados, tivemos uma casa cheia que veio ao delírio quando percebeu a sincronicidade com nosso momento atual. A mensagem de Jim é muito importante para o Brasil de hoje. É absurdamente atual. Nós estamos atrasados, ainda vivemos sob uma ditadura, antes velada, agora não tanto. Professores são tratados como bandidos e certos bandidos como pessoas nobres. “Esse mundo é um desejo de poder e nada, além disso” (JM).
O que você curte ouvir? O que curte em matéria de rock? Wagner, Beethoven, Jobim. The Doors, Johnny Cash, The Who, Legião Urbana, Kings of Leon, Jesus Rodriguez.
Quem são seus ídolos e por quê? Jim, Che e Jesus. Morreram por um ideal.
Quais seus ideais? Ser instrumento de algo superior que usa a arte como sua expressão mais visível. Acredito no sebastianismo brasileiro.
Você usa sua arte de interpretar para lutar ou conquistar algo? Onde a arte já te modificou? Claro. Já me modificou por inteiro.
O que você mudaria em você? O cabelo. Meus maiores erros foram cortes de cabelo, (risos) o Jim dizia isso, mas eu poderia dizer tranquilamente também.
E do que mais se orgulha em sí próprio? Orgulho? Do meu cabelo também! (risos) Sou um paulista leão do norte, neto e filho de pernambucanos. Tenho Olinda e Petrolina no meu sangue, Vitória de Santo Antão no meu coração e Serra Talhada na minha pele.
Em que a idade te fez um bem danado? Consegue se imaginar no futuro ou vive só o presente? Em tudo. Sempre faz bem. É a evolução natural. A morte virá um dia para todos e ela também faz parte da evolução. Temos que parar de pensar que a morte não existe para sermos felizes. Bullshit. A felicidade é lidarmos com nossa dor e não fugir dela. Me incomoda muito essa cultura do anestesiamento. Qualquer problema, toma um remedinho pra acalmar… Ninguém quer enfrentar a própria dor. Só que um dia ela vai te pegar de jeito, se você continuar negando-a. A dor é experiência mística e parte inerente da existência humana. Essa fuga pelo hedonismo, pelos prazeres materiais e pela busca do poder é que “fuderam” com a Terra. “O que nós estamos fazendo com ela? Estamos saqueando! Destruindo! Apunhalando ela nos flancos da aurora. Mas eu ouço um som, muito perto, muito suave e muito claro”: Nós queremos o Brasil e queremos agora.