Quem acompanha a novela “Gênesis”, na Record, ou acompanhou a novela “Salva-se Quem Puder”, na Globo, lembra bem desse ruivo da nossa capa. Cirillo Luna não é estreante na TV e nos palcos, ele começou a fazer teatro na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), em seguida se formou em Artes Dramáticas pela UniverCidade, em 2010. E daí em diante sua vida mudou. Largou o curso de Odontologia, na Universidade Federal Fluminense. E se jogou de cabeça no que realmente queria para a vida, atuar. A realização foi tão completa que ele já está na estrada há 13 anos e não parou mais. Emendando um trabalho no outro, Cirillo adora contar histórias através da sua arte de interpretar e não perde um bom desafio, seja na TV, nos palcos ou estúdios.
Cirillo, soubemos que seu plano inicial profissionalmente era a Odontologia. Quando despertou para as artes cênicas e se descobriu melhor ator do que dentista? Eu cursava o quarto período de odontologia na UFF quando uma amiga, que também estudava odonto comigo, me convidou pra fazer um curso livre de teatro na CAL. No final do curso, que durou 4 meses, fizemos uma apresentação para amigos e familiares. Nesse dia tudo mudou, tive uma catarse. Até então não tinha tido aquela experiência, aquelas sensações e emoções que sentimos ao final de uma peça. Ali eu comecei a entender que queria ser ator e que, em algum momento, iria largar a odontologia. Continuei cursando a faculdade de odonto enquanto fazia outros cursos de teatro em paralelo. Nesse mesmo período comecei a fazer testes de publicidade e cinema, fiz alguns comerciais ainda na faculdade. Me formei em 2006, continuei trabalhando numa clínica que já estava estagiando, em Niterói. Depois de um ano, conciliando a clínica, os testes e os estudos de ator, acabei deixando a odontologia. Decidi fazer outra faculdade. Mudei pro Rio, me matriculei no curso de Artes Dramáticas em 2007 e me formei no final de 2010.
Quem reconhece você de trabalhos mais recentes como “Salve-se Quem Puder”, na Globo, e “Gênesis”, na Record, não imagina que você já está na TV há mais de 12 anos. Como avalia sua trajetória até aqui? Eu faço teatro desde 2008, é a minha base. No teatro a gente aprende tudo, é o lugar de pesquisa do ator, de improviso, espaço que temos para investigar, errar, construir relações profissionais, parcerias artísticas, que nos permite amadurecer artisticamente. Em paralelo ao teatro fui fazendo algumas participações em novelas, séries e filmes. No início eram participações pequenas que foram se tornando mais significativas com o tempo e com os trabalhos. Eu sou muito agradecido ao teatro, à toda formação, estudos e parcerias, às oportunidades todas de trabalho que tive ao longo desses anos. Tudo isso contribui, acredito eu, para nossa trajetória e aprendizado. Meu desejo é continuar nesse caminho, sempre aprendendo, estudando, participando de projetos novos que nos estimulem a crescer profissionalmente e, também, como ser humano.
Que momentos, ou personagens, você destacaria nesses 13 anos? O que te marcou mais até agora? Sem dúvida fazer o musical UM VIOLINISTA NO TELHADO foi bem especial e significativo pra mim pela importância e grandiosidade da obra, pelas pessoas e todos os artistas envolvidos no espetáculo. Tenho um carinho muito grande por essa peça. Destacaria meu primeiro projeto idealizado, a peça Quebra-Ossos. Foi a primeira peça que produzi a partir de uma inquietação minha e que me deu muitas alegrias. Na televisão os trabalhos que mais me marcaram foram em: Malhação 2009, primeiro trabalho na tv e o personagem era um violãozinho, Átila, bem divertido de fazer; Selésio em DEUS SALVE O REI, foi uma participação que fazia par romântico com a Tatá Werneck, passava mal de rir antes de gravar; Gael em SALVE-SE QUEM PUDER e agora Esaú em Gênesis. No cinema destaco o filme O ESCARAVELHO DO DIABO, direção do genial e querido Carlo Milani e o longa francês OSS 117, que contracenei com o Juan DuJardin.
Você é daqueles que diz que o melhor personagem é o último? Se sim, o que diria de Esaú (Gênesis)? Como foi dar vida a esse personagem? O melhor personagem é aquele que nos possibilita encontrar suas complexidades, seus conflitos internos, que nos dão a chance de investigar a humanidade nele presente. O Esaú me permitiu tudo isso e um pouco mais. É um personagem extremamente complexo, multifacetado, que me fez questionar e pensar muito através da sua humanidade, dos seus sentimentos conflituosos. Ele começa a história jovem, mais solar, divertido, um cara que só queria desfrutar o que já lhe era prometido, por direito, aproveitando a boa fama que tinha. Ele muda completamente de atitude depois que Jacó “rouba” sua primogenitura. A partir daí vemos um Esaú vingativo, com sede de sangue, que faz de tudo para matar seu próprio irmão até se arrepender, no final, conseguindo perdoá-lo. Foi uma montanha russa de emoções passar por todos esses sentimentos tão contraditórios. Um prato cheio pra qualquer ator “brincar”. Eu me diverti demais durante todo o processo. Tivemos um tempo de preparação antes, com muitas aulas de lutas, como manusear as armas, espadas, arco e flecha. Estudamos muito a relação dele com o irmão, Jacó, e seus pais. O entendimento desse núcleo familiar foi muito importante para solidificar e construir essas relações, para manter a fidelidade dessa história que muita gente já conhecia.
Passar de uma trama contemporânea (Salve-se Quem Puder) para uma trama bíblica foi difícil? Quando virou a chave? Na própria preparação. Tivemos um bom tempo de estudo e análise desse novo contexto, dessa trama, antes de começarmos a gravar as cenas. Ter essa calma e preparo nos ajudou e facilitou bastante. Fica mais difícil e trabalhoso migrar de uma época para outra quando não há essa possibilidade. Lá, em Gênesis, nós tivemos.
Pra você é difícil de desfazer de um personagem e vestir outro na sequência? Quando a gente tem tempo pra se dedicar ao novo personagem, para estudar e entender essa outra persona, não vejo dificuldades. É bem mais trabalhoso, pra esse processo de desapego e construção do novo, se não existir essa possibilidade. É importante, pra mim, ter esse momento pra esvaziar, ficar neutro, nulo, zerar tudo pra só depois, então, a gente começar a pesquisar, entender esse novo mundo de possibilidades, essa nova vida que se apresenta diante de nós.
Seu primeiro trabalho na TV foi a novela “Malhação” (Globo). Como foi esse início? Qual o maior desafio naquela época? Acredito que, na época, foi lidar e equilibrar a ansiedade de querer fazer tudo que surgia de possibilidade com a inexperiência e imaturidade de um jovem de vinte e poucos anos. Quando a gente está começando, temos a tendência de querer dar conta de tudo, de fazer o máximo de trabalhos possíveis, o que pode gerar frustrações já que, na prática, sabemos da dificuldade inerente da profissão. Com a maturidade aprendemos a esperar, acalmar a ansiedade e ter um controle maior do nosso emocional, tão importante pra nossa saúde mental e física. A gente passa a entender que tudo tem seu tempo certo, que não adianta querer atropelar as coisas, que os trabalhos surgem à medida que você vai conquistando confiança, maturidade pessoal e artística.
Já no teatro sua estreia foi na peça “Os Ruivos”, e só pelo nome, tinha que ter você né?! Pois é. Tenho um orgulho e felicidade enorme de ter feito essa peça, minha estreia nos palcos. O Pedro Monteiro, ator idealizador do projeto, me convidou pois a gente fazia a mesma faculdade de teatro. A peça OS RUIVOS me deu a possibilidade de conhecer muita gente legal, de fazer amizades com pessoas que tenho uma profunda admiração. Foi uma peça que me deu inúmeras alegrias.
Aliás, você sempre foi ruivo em seus personagens? Em algum momento isso foi “problema”? Já “sofreu” algum tipo de preconceito? Sim, todos os personagens que fiz até agora estive ruivo. Tive que tonalizar, deixando o ruivo mais intenso, apenas pro filme O ESCARAVELHO DO DIABO e pro Esaú, em GÊNESIS. Nunca foi um problema. No início surgiam convites pra testes com perfis muito específicos, como gringos por exemplo. Isso restringia um pouco a possibilidade de trabalhos. Com o tempo os produtores de elenco passam a conhecer seu trabalho e te chamam para personagens mais diversos, onde ser ruivo não é um pré-requisito. Não, nunca sofri preconceito por ser ruivo.
Vermelho, não por acaso, é sua cor preferida? Eu gosto bastante do vermelho, da representatividade política que ele sugere, inclusive, mas minhas cores preferidas são verde e cinza.
Muita gente ainda acha que vida de ator é só glamour. Quais as barreiras mais difíceis que você enfrentou até chegar aqui? A instabilidade de uma forma geral. Passamos, às vezes, por momentos que o trabalho não acontece e as contas continuam chegando. Essa situação pode afetar nosso emocional, deixar a gente triste, com baixa autoestima. O ator recebe muitos NÃOS, ouve coisas sobre o seu trabalho, críticas não construtivas… tudo isso pode desestabilizar e gerar uma ansiedade que acaba atrapalhando o nosso fazer artístico.
Nesse período de isolamento e pandemia, como lidou com o tempo? Como ocupou e que lições ficaram? Logo no início, quando todos nós fomos pegos de surpresa, o isolamento forçado me deu a alternativa de fazer um mergulho interno, de revisitar questões pessoais que eu necessitava olhar com cuidado, com bastante calma e tempo para fazer uma análise construtiva sobre elas. Estávamos todos muito assustados, sem saber lidar com essa nova realidade. Aproveitei esse “tempo” e todo o privilégio que tive de poder ficar em casa seguro, para fazer cursos e estudar algumas coisas que sempre tive vontade. E tenho total consciência que faço parte de uma minoria que teve essa possibilidade. Estudei muito, vi todas as séries e filmes possíveis, escrevi projetos, rascunhei uma peça online que até hoje não consegui apresentar, além de ter falado por vídeo, quase diariamente, com minha família e amigos. Como moro sozinho, esse contato, mesmo que virtual, foi fundamental pra manter minha sanidade e não ficar ainda mais preocupado e triste diante de tudo que vivemos e que, ainda, estamos passando. Acredito que tenho muito mais consciência hoje do coletivo, da solidariedade, que vivemos num mundo muito desigual, que temos responsabilidade uns com os outros, que o mundo e seus líderes precisam rever urgentemente nossa política ambiental, social, econômica. Precisamos falar de política, precisamos aprender a votar certo para evitar que problemas como esses que estamos enfrentando, agora agravados pela pandemia e pelo atual governo, continuem acontecendo.
Pra relaxar entre um trabalho e outro o que curte? Onde recarrega as baterias? Sempre fui muito praticante do esporte, desde pequeno. Comecei a nadar com três anos de idade. Quando tenho tempo disponível gosto de pedalar, nadar, fazer trilhas, viajar. Tudo isso serve como válvulas de escape pra mim. Sou uma pessoa um pouco ansiosa, o esporte na minha vida sempre foi muito presente e serve, também, como mecanismo para recarregar as energias e aliviar meu estresse, minha ansiedade. Esporte associado com a meditação e o yoga. Esses três pilares são essenciais pra minha saúde mental, pro meu equilíbrio. Além da espiritualidade, que tento sempre trabalhar e que me ajuda a enfrentar os conflitos humanos que todos nós temos.
O que curte ler, ver e ouvir? Gosto de ler tudo que é ficção, praticamente todos os gêneros, embora, no momento, esteja lendo a biografia da Fernanda Montenegro. É um belo, rico e deslumbrante manual artístico pra todo ator, atriz, artista. Amo ver séries e filmes. Vejo quase todos os dias alguma série, algum longa ou documentário. Sou mais fã do drama, gosto muito de me emocionar assistindo uma história que tem sensibilidade. Acabei de ver e gostei muito das séries HACKS, VENENO, SEGUNDA CHAMADA, THE WHITE LOTUS. Com relação às músicas, me considero bem eclético. Ouço de tudo. Ultimamente tenho ouvido muito as cantoras Duda Beat, Iza, Céu, Mallu Magalhães, Ana Canãs, a banda Vanguart, Letrux… e sempre estão na minha playlist as músicas de Marcelo Camelo, Rodrigo Amarante, Los hermanos, Gal Costa, Caetano, Gil, Maria Bethânia, Cazuza, Cassia Eller, Os mutantes, Rita Lee…
Planos para este ano? Algum que possa nos contar? Devo voltar a ensaiar em novembro a peça que tivemos que interromper os ensaios e a estreia em abril do ano passado, por conta da pandemia. Chama-se CERCA VIVA, uma livre inspiração do romance que deu origem ao filme FOI APENAS UM SONHO.
Como se definiria hoje em dia? Quem é Cirillo Luna? Um ser humano em constante processo de transformação, que ainda tem fé na humanidade, que é apaixonado pelo fazer artístico, pela família e amigos, pela simplicidade e poesia que a vida tem. Não gosto muito de fixar uma identidade, criar uma ideia não fluida do que eu seja ou estabelecer um padrão de comportamento específico. Me considero hoje bem diferente de dois anos atrás, por exemplo. Acredito que seja saudável e positivo reconhecer essa mudança, esse processo de transformação constante que acontece com todos nós. Pro artista, essa metamorfose, considero fundamental.
Fotos Márcio Farias
Styling Samantha Szczerb
Beleza Alcides Freitas
Agradecimento Amil Confecções, Reserva, Oh Boy, Eduardo Guinle e Edu Bogosian