Interpretar Elis Regina não é para qualquer uma, além do carisma e voz é o ponto fundamental para passar toda a credibilidade necessária para uma atriz. Desafio esse aceito pela atriz gaúcha Thainá Gallo que interpreta Elis no espetáculo Tom Jobim Musical (@tomjobimmusical), com direção de João Fonseca. Nesse bate-papo com a MENSCH, ela nos conta sobre sua relação com a cantora, o quanto de Elis existe nela, suas influências e quais os maiores desafios nesse projeto.
Como está sendo viver Elis Regina em um grande musical? Viver Elis Regina em um grande musical é emocionante! Elis é um ícone, uma das maiores vozes do nosso país, então é um presente que vem carregado de responsabilidade. Ela foi uma artista muito intensa na sua vida pessoal e profissional, transbordava emoção e paixão em tudo que fazia. Interpretar uma figura tecnicamente perfeita com tantas camadas e complexidades é sem dúvidas um desafio que eu tô abraçando com muito respeito e amor.
Como você se preparou para viver este ícone da música no palco? O que te serviu de referência? O documentário “Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você” foi a base principal dos meus estudos. Eu precisava entender como era a voz e a movimentação dela naquele momento específico da gravação do álbum, que é o momento em que ela é retratada no musical. A gente vê uma Elis diferente ao lado do Tom Jobim, ela precisou se equalizar a energia dele, a energia que a bossa nova pedia, é uma Elis Regina no seu momento mais maduro. Além disso, desde que tive a confirmação de que faria Elis, não parei de ouvi-la. Revisitei todos os seus álbuns e assisti a uma porrada de entrevistas suas ao longo da vida com o objetivo de internalizá-la, queria marcar sua voz e seus gestos no meu corpo da forma mais natural possível.
Você é gaúcha como ela. Quais são as outras semelhanças que vocês têm? Elis Regina evadiu de Porto Alegre, assim como eu. Ela conta em uma entrevista que saiu de lá pela falta de trabalho, mesmo motivo que também me levou a morar no Rio de Janeiro. Para além dessa condição real da falta de investimento e incentivo à cultura, sinto que ela tinha um impulso de liberdade, movimento, vontade de se transformar e transformar as coisas à sua volta. Eu me vejo assim também, sou inquieta, preciso o tempo todo mudar, não gosto da mesmice. A coragem dela me inspira a seguir resiliente dentro da profissão que escolhi.
É a primeira vez que você dá vida no palco de uma grande artista? Em “Cássia Eller, O Musical”, eu interpretei a Lan Lanh, super percussionista. Ela assinou a direção musical do espetáculo ao lado do Fernando Nunes então convivemos por um bom tempo. Em “O Frenético Dancin Days” interpretei Sandra Pêra e em 2022, no musical “Seu Neyla” eu assumi a responsabilidade de dar vida a algumas das grandes divas do teatro e da televisão brasileira; Cacilda Becker, Elisabeth Savalla e Marília Pêra.
Quem você ainda gostaria de interpretar no palco, na TV ou no cinema? Tenho uma lista, (risos)! A Marília Pêra é um sonho, quando interpretei ela no espetáculo que contava a história do Ney Latorraca fiquei extremamente emocionada. Quero ser Marília em uma obra que conte a história dela, sempre foi uma referência pra mim. Outro desejo é interpretar Nara Leão e Gal Costa, duas figuras importantes da música brasileira. Vários amigos já apontaram a semelhança, são duas artistas que também trazem uma mensagem forte de liberdade.
Conte-nos como está sendo o seu dia a dia, nessa nova maratona de teatro? A rotina do teatro musical é uma das mais difíceis e intensas que já experimentei. Foram apenas dois meses para levantar uma super produção. Os ensaios se dividem em preparação corporal, musical, coreografias e cenas. O processo do João Fonseca, diretor do espetáculo, é muito colaborativo, isso ajuda a fortalecer nossa convivência e consequentemente nossa performance no palco. É um período cheio de desafios, mas extremamente gratificante. Temos um espetáculo lindo nas mãos, tô muito orgulhosa de fazer parte dessa história.
Você já curtia ouvir bossa nova? Sim, esse sempre foi um estilo que gostei de ouvir pela sofisticação das harmonias, pela poesia das canções e pela sonoridade que me leva pra um estado de relaxamento. Eu já consumia as obras do Tom, do João Gilberto, da Nara Leão, Baden Powell… Agora participando do musical pude mergulhar ainda mais fundo e ampliar meu conhecimento sobre as canções e os grandes artistas brasileiros que compõem esse gênero.
Qual a mensagem que você acha que Elis deixou para as mulheres? Elis foi uma mulher à frente do seu tempo, ela abriu portas pra que muitas, assim como eu, pudessem existir na arte hoje. A mensagem que ela deixou reflete na sua luta por igualdade, autenticidade e liberdade de expressão. Elis o tempo todo desafiava normas e preconceitos mostrando que podemos e devemos ocupar espaços de destaque em nossas vidas e carreiras. Tem uma fala dela sobre aborto, em uma entrevista que ela deu em Porto Alegre, em 1981, que me marcou muito: “Vivemos em uma sociedade hipocrita e cínica que condena o aborto e faz o aborto. Enquanto a gente for falso, as mulheres irão continuar correndo riscos”. Com certeza ela é um símbolo da força feminina.
Fotos posadas Gabriel Cupaiolo
Fotos de cena Caio Gallucci