CAPA: CESAR CIELO – OLÍMPICO DENTRO E FORA DAS PISCINAS

Único brasileiro campeão olímpico da natação, Cesar Cielo nadou 50 metros em menos tempo na história. Com uma trajetória invejável na natação, Cesar foi ouro e bronze nas Olimpíadas de Pequim em 2008. Trajetória essa que começou lá atrás com o incentivo dos pais pelo esporte, o que levou Cesar a passar pelo judô, vôlei, até chegar finalmente na natação onde se sentiu mais confortável para seguir em frente. “Desde o começo, eu tinha facilidade na água”, comentou nosso homem da capa ao longo dessa entrevista para a MENSCH. E foi na água que ele fez seu nome. Em toda carreira, ele soma 38 medalhas (24 ouros, 4 pratas e 10 bronzes). Em 2024, Cielo se torna um dos novos nomes a ingressar no Time Medway de atletas padrão-ouro. Este ano, após estrear no time da Globo nos jogos de Tóquio, em 2021, ele segue para as Olimpíadas de Paris como analista de provas e comentarista. “Deixei de treinar e competir em alto nível, mas não deixei a piscina. Estou como comentarista, faço meus treinos…”, conclui ele.

Cesar, você foi o primeiro nadador brasileiro a ser campeão olímpico na natação, em Pequim 2008. Que recordações e memórias você guarda desse momento marcante da sua trajetória? Principalmente do pódio, né? Acho que o pódio é o momento mais marcante. Talvez, um dos mais marcantes da minha vida. Escutar o hino nacional, ver minha família na arquibancada e depois sair correndo para abraçar os amigos. Eu tenho muitas recordações da prova, principalmente de controlar o nervosismo, ali atrás do bloco. Aquele momento é muito intenso. Então,  as maiores recordações são de antes da prova e do momento da premiação.

Indo para o início de tudo… Sua mãe, como professora de natação, lhe ajudou muito a ser o atleta que você foi se tornando ao longo dos anos? Como a natação, de fato, lhe tocou? Meus pais sempre incentivaram a prática esportiva. Eu comecei no judô, fui para o vôlei, mas me encontrei na natação. Desde o começo, eu tinha facilidade na água. E o fato de ser um esporte individual, num local que eu me sentia confortável, casou muito bem pra dar certo. Eu gostava de estar sozinho ali, ir para a competição sozinho, resolver minhas coisas. Perder num dia ruim porque eu não soube me controlar ou porque não treinei muito, e ganhar num dia bom porque eu treinei bastante e mereci. Sempre gostei dessa relação com a natação de treino, resultado, autocontrole. Foi um lugar em que eu sempre me achei. Sempre gostei desse ambiente.

Todos sabem o quanto um atleta esportivo deve ter perseverança, dedicação e viver para o esporte por grande parte da trajetória. O que foi mais difícil de aguentar e que lições para a vida você tirou disso tudo? O mais difícil na minha opinião é o mundo externo. Com 15, 16,17 anos no esporte, a gente já está treinando de segunda a sábado, duas vezes por dia. Quando vai para a faculdade, a gente não tem a rotina de um aluno universitário normal. Então, é preciso abrir mão e, de forma consciente, deixar de viver algumas coisas. A gente fica se perguntando “e se?”. E se eu não fosse atleta? E se eu não fizesse isso? Mas acho que quando a pessoa decide ser atleta e se compromete com que está querendo buscar, não é um sacrifício. Está disposto a pagar esse preço. Eu nunca vi isso como um sacrifício. Hoje, eu olho para trás e me pergunto como seria a minha vida se eu não tivesse passado por tudo isso, mas enquanto eu estava vivendo esse período de ensino médio e universidade, eu nunca me questionei. Então, eu acho que vai muito da nossa percepção, da forma que a gente decide as coisas na nossa cabeça. Eu acho que a partir do momento que você decide, não tem segunda opção. A decisão está tomada e foi dessa forma que eu vivi esse período da minha vida. Então, não foi difícil de aguentar, não. Na minha opinião, o desafio é muito mais sobreviver à rotina, que é bem, bem pesada, de acordar cedo, comer direito, dormir cedo, seguir uma vida bem regrada. Essa é a parte mais trabalhosa. 

Ao longo de sua carreira você bateu três recordes mundiais o que o fez entrar para o Hall da Fama da Natação. Olhando para trás, se sente realizado? Faltou algo? Sim, me sinto realizado. Eu consegui realizar todos os meus sonhos. Todas as metas que eu tinha como nadador. Eu queria ser o homem mais rápido do mundo e consegui. Eu queria ser medalhista de ouro olímpico, ser campeão mundial, e consegui. Na verdade, consegui muito mais do que eu imaginei. Eu queria ser medalhista olímpico, queria ser medalhista de Mundial e queria um recorde mundial. E acabou que eu consegui vencer todas as competições. Foi muito mais. Não faltou nada mesmo.

Quais os momentos mais marcantes de sua trajetória? Todas as medalhas de ouro que eu tenho de campeonatos mundiais são muito marcantes. Na verdade, todas as medalhas, mesmo que não sejam de ouro porque a jornada para chegar até elas é muito grande e acaba sendo um grande aprendizado. É uma jornada longa, uma vivência muito grande para chegar até aquele resultado. Então, eu acho que cada ano tem o seu momento marcante. Se eu fosse falar o top 3 seria: Pequim, Mundial de Barcelona 2013 e o Mundial de Doha, em 2014. 

Qual desafio pessoal você conseguiu superar? Boa pergunta. Vou falar do recorde mundial, que eu tinha como um desafio e não sabia se ia conseguir. Eu queria bater o recorde dos 50m livre e ser o homem mais rápido. O dos 100m livre veio antes, mas eu não tinha isso nos meus desejos mais profundos. Eu estabeleci essas metas para mim. Tive dificuldades que todo mundo tem. Mas a gente vai se superando e, no final das contas, o desafio pessoal é saber que está vivendo uma vida fora dos padrões e que o tempo não volta. Você não vai saber como é ter 17, 18, 19 anos e uma vida comum. Então, para mim, talvez seja esse um dos maiores desafios que vivi de forma consciente.

E como anda sua expectativa de participar de mais uma Olimpíada, só que dessa vez como comentarista da Globo? Olha, eu estou muito empolgado de estar mais uma vez envolvido com os Jogos Olímpicos, dessa vez como um membro do hall da fama. (risos) O tempo vai passando e o nosso status vai mudando. Eu pretendo fazer o melhor para levarmos informações bacanas, para que seja uma transmissão interessante e informativa para o público. A gente quer que o Brasil tenha mais proximidade, conheça mais o esporte olímpico. Eu estou muito feliz de estar aqui, no meio de tantos atletas que também são comentaristas. Eu brinco que é a Vila Olímpica da Globo, de campeões olímpicos. E é muito legal fazer parte desse time.

Assumir a aposentadoria foi difícil? Sim, foi muito difícil. É realmente complicado fazer essa transição, mas faz parte do processo. Deixei de treinar e competir em alto nível, mas não deixei a piscina. Estou como comentarista, faço meus treinos… Tem sido uma transição, mas eu continuo envolvido com o esporte.

Que conselho(s) você daria a quem está se dedicando à carreira esportiva? Que tenha propósito e que saiba por que está fazendo. Não acho que a disciplina faz um atleta ser o melhor do mundo, nem o talento. Para mim é a determinação, a integridade e a fé. É isso que os atletas mostram pra gente e o que nos faz gostar tanto de acompanhá-los. Todo mundo que está assistindo às Olimpíadas, está vendo pessoas que deixaram tudo para correr atrás de um sonho. Disciplina e talento, no nível que vamos assistir agora em Paris, não fazem diferença. Todo mundo é talentoso, todo mundo é disciplinado. O que vai fazer diferença ali é a forma como você constrói esse resultado e o nível de intensidade que você coloca todo dia no seu treino. Não é só treinar, é treinar para ser o melhor, para fazer o seu melhor. É isso que a gente admira tanto. Então, o primeiro ponto para quem quiser se dedicar a uma carreira esportiva é se perguntar o que você quer e por que você quer. Se você está vendo que a sua vida pode mudar com o esporte, que ele pode ser uma oportunidade de ascensão, de conquista de um sonho, é aí que você tem que começar a construir na sua mente ‘o que é preciso para eu me tornar um grande atleta?’.

Fora das piscinas e holofotes, o que procura para relaxar? Eu gosto de ficar em casa com a minha família, com os cachorros. Sou um cara mais reservado, recarrego minhas baterias ficando quietinho. Então, gosto de brincar com meu filho, passar um tempo com a minha esposa e descansar.

Quem é Cesar Cielo hoje? O Cielo de hoje é o mesmo cara de vários anos atrás. A gente vai mudando os objetivos de vida, buscando coisas novas, novos desafios. Eu pretendo me tornar um dos maiores palestrantes do Brasil. Já venho fazendo bastantes palestras nesses últimos anos e quero continuar nessa toada, além de trazer coisas novas para a natação. Acho que uma das coisas que atrapalha muito a prática da natação é o tamanho, o volume do treino. Estou desenvolvendo uma metodologia para que a natação seja mais viável para as pessoas praticarem. São treinos menores, mais compactos, que caibam na rotina das pessoas. 

O que almeja? E o que almejo para mim, nesse momento, é saúde, sucesso familiar e financeiro. Buscar tranquilidade de vida. Pessoalmente e profissionalmente, eu já tive as maiores conquistas e feitos. O que eu quero fazer agora é elevar a natação e colocar o esporte no radar das pessoas de forma atrativa, que seja bacana. Sempre ao lado do da minha família.

Fotos Manoella Mello / Styling Carol Gama