De tão perfeccionista o ator Eduardo Mossri, que acabou de interpretar o Faruq em “Órfãos da Terra”, ficou difícil acreditar que ele não era Sírio. Em seu primeiro trabalho na TV, Eduardo, que já vinha se destacando no teatro com seu monólogo “Cartas Libanesas”, mostrou que sua relação com a TV está só começando e deverá ser duradoura se depender do público e da crítica. “Claro que ficou uma vontade de virar namoro e quem sabe casamento, mas vamos aos poucos, estamos nos conhecendo ainda, desejo um futuro promissor para esse relacionamento”, comentou ele sobre esse relacionamento com a mídia das grandes massas. Nós ficamos fãs queremos ter Eduardo sempre mais. À começar pela nossa capa.
Eduardo, tem certeza de que você não é sírio? (risos) Como ficou tão perfeita a caracterização de Faruq e é sua estreia na TV fica difícil acreditar que você é brasileiro. Olha, com a quantidade de pessoas que me paravam na rua ou me escreviam, perguntando se eu era sírio, comecei até pensar se eu não sou mesmo. Até sírio, nascido em Damasco, me perguntou de que cidade eu era. Eu só posso dizer que o ator agradece, sinal que convenci enganei bem.
Como surgiu o convite e que referências você buscou para compor o personagem? Convite surgiu depois das autoras Duca Rachid e Thelma Guedes terem assistido o meu espetáculo “Cartas Libanesas” onde eu faço um mascate libanês chegando no Brasil durante a I Guerra Mundial, ou seja, o teatro me levou para TV. Quanto as referências eu fiz uma ampla preparação na Missão Paz com Padre Paulo e na Compassiva, ambas instituições em São Paulo que se dedicam a receber e ajudar pessoas em situação de refúgio. Pude conhecer várias famílias sírias, conversar com eles, isso no que tange ao tema da novela. Quanto aos costumes, tivemos uma preparação no Projac, mas claro que usei muito das minhas referências pessoais e familiares, são várias camadas sobrepostas para dar vida ao Faruq.
Por conta de ser neto de libaneses e de certa forma conviver mais com essa realidade, que importância teve para você como pessoa participar de um trabalho como esse? Tocar na ancestralidade, tem uma frase da peça que diz: “aquele que nega sua origem, não tem origem”. Gosto de pensar que ter olhado para trás me fez ajudar a entender melhor quem sou hoje, todo mundo de alguma certa forma deveria fazer isso, e fazer uma novela que tem um olhar para isso, ajuda a lembrar que somos formados exatamente da fusão desses povos das mais diferentes etnias, levando em conta que esse processo não foi propriamente o mais pacifico, considerando a forma como os indígenas foram tratados e os negros escravizados foram trazidos, somado a chegada dos povos europeus. Assim sendo deveríamos ter um olhar mais generoso para essas pessoas que estão vindo, porque só muda o tempo e o motivo, mas imigração, exilio, refugio, parte do mesmo princípio, a necessidade de sobreviver, e isso vai sempre seguir acontecendo.
Falando em seus avós, você está no teatro com a peça “Cartas Libanesas” que conta as experiências dos seus avós. Como é para você estar contando isso para o público. É uma forma de rever o passado e homenageá-los? Sim, seria exatamente isso, Gabriel Garcia Marquez, o autor colombiano, disse algo parecido com “fui falar da minha aldeia e acabei falando do mundo inteiro”. Sinto que fiz um movimento parecido, no que diz respeito a falar dos meus avós e de minhas raízes, inicialmente era o intuito de homenageá-los e me aproximar deles, agora a surpresa foi depois que a peça estreou a quantidade de pessoas que vinham ao final falar que lembraram de seus pais, seus avós, suas famílias e quando eu perguntava da onde eram, diziam italianos, portugueses, judeus e por aí vai. O que me ficou claro é que estou falando de um arquétipo, o imigrante, aquele que luta em uma terra desconhecida e com isso não tem como não acionar a memória de cada um, fico feliz de ser o canal para isso.
Ao fim desse trabalho na TV que balanço você faz? Como foi estrear na TV já com um papel marcante e com fundo social grande? Foi igual fazer teatro, mas era na TV, quero dizer com isso que foram prazeres diferentes, mas igualmente prazerosos. A diferença mora no acesso as pessoas, com minha peça chego em algumas dezenas de pessoas por noite, já na novela seriam milhares, nesse sentido a novela dá muito mais visibilidade. Agora quanto a ser um papel marcante e com fundo social grande, isso sim me enche alegria, de responsabilidade também, mas de muita alegria. Eu pude ser a voz de outras pessoas que não conseguem ter, não acredito que vamos mudar uma situação, mas trazer o conhecimento e promover a reflexão, é sim possível, e eu sendo ator, faço por meio da arte. Isso ao meu ver é ser cidadão, no sentido mais profundo, aquele que pertence a uma sociedade e se preocupa com as suas questões.
Você veio do teatro. Como se sentiu trabalhando na TV? Que desafios te trouxe? A dinâmica é diferente, na TV somos uma pecinha dentro de uma grande engrenagem, a quantidade de pessoas envolvidas é enorme, mas não por isso somos menos criadores ou propositores. Eu me senti confortável, muito ajudado pela sorte de ter uma equipe, liderada pelo olhar sensível do diretor artístico Gustavo Fernandez, onde todos eram também colaboradores. O desafio morou em como melhor contribuir para essa criação, como o ritmo de gravação é muito intenso, tinham dias que não fazíamos a nossa melhor cena e não tinha como consertar, uma vez feito é daquele jeito que vai ficar. Então foi bom para praticar a generosidade com nós mesmos, entender que estávamos dando o melhor que poderíamos dar naquele momento, além de sempre se preocupar em trocar com os outros, nesse sentido fui abastado de atrizes e atores incríveis e sempre disponíveis, que elenco, que equipe!
Ficou um gostinho de quero mais? Alguma previsão de retorno em outro trabalho na TV? Falaram para mim: “parece que a TV gostou de você e você gostou dela”. Sim, de fato deu match, rolou uma “paquera gostosa”. Claro que ficou uma vontade de virar namoro e quem sabe casamento, mas vamos aos poucos, estamos nos conhecendo ainda, desejo um futuro promissor para esse relacionamento.
Do drama à comédia, e em breve você estará nas telonas em um filme com Leandro Hassun. O que podemos esperar desse filme? Como se sente fazendo humor? É um filme já feito em vários países, que ganha sua versão brasileira. É uma comédia que discute as diferenças, a diversidade e aceitação social. Acredito que irá passar uma mensagem bonita pelo riso. Eu me sinto confortável fazendo comédia, acesso outros lugares da atuação, que também são prazerosos. Será completamente diferente do papel que acabo de fazer na novela e aí mora a parte boa da minha profissão: poder estar sempre transitando.
O que mais te desafia como ator? O que você quer passar com seu trabalho? Atuar é sempre me remeter ao estado da criança, o de brincar de ser alguém que não é e você acredita nisso. Que ninguém me diga que eu não posso ser um sírio, refugiado, pai de três filhos, porque eu realmente acreditei que era isso tudo. E o desafio está em lembrar desse brincar, desse faz de conta, sem perder a espontaneidade, vivacidade e a abertura para o jogo com o outro. Junto disso vem o artista perguntando o quero passar com isso, acredito que a minha profissão deve ter sim uma função social, evidenciar uma realidade, alertar, mostrar, aproximar e provocar o diálogo. Arte faz o diagnóstico, mas não dá o remédio. Esse trabalho permitiu fazer isso com o tema do refúgio, mas tantos outros temas que me são caros e ainda quero falar, racismo, todo tipo de preconceitos e fobias, desigualdades, diversidade, memória, o afeto, isso para citar alguns.
Onde busca inspiração para compor um personagem além do roteiro? O que é mais difícil e confortável para você? Eu sempre me pergunto se o tema ou personagem me atravessa, me toca e se eu tenho algo a falar a respeito, esse são meus pontos de partida, se as respostas forem sim eu embarco. Próximo passo é fazer uma profunda pesquisa de campo e teórica, para me aproximar do universo e ter propriedade do assunto, mesmo que eu não use tudo, eu preciso saber me posicionar e conseguir me expressar minimamente.
E quando quer recarregar as baterias, o que te inspira? Coisas simples e bestas da vida, estar perto de pessoas que me são queridas, jogar conversa fora, correr no parque com minha cachorra, viajar até perde de si, andar descalço, fazer trilha, sentir cheiro de mato, ver horizonte, ver filme esparramado no sofá, ver tv de mãos dadas com vó, comer bolo quente, rir com as afilhadas e dormir até o olho abrir.
O que curte ler, ver e ouvir atualmente? Ler tenho o habito de ler muito sobre o tema que estou trabalhando, li incessantemente tudo sobre refúgio, fica até chato porque fico monotemático. Ver vejo de tudo, teatro, muito teatro, desconfio de ator que não vê teatro, filmes e séries que eu consiga começar e terminar, tenho dificuldade de começar por isso, porque preciso acabar e para isso precisa de tempo.
Com a exposição da TV como tem sido o retorno do público? Até agora carinhoso, todos param para falar que torceram para o médico ter o diploma revalidado, sofriam com as perdas dele e claro, para saber se sou sírio mesmo. Outro dia mesmo uma senhora me perguntou senão era doído para mim revisitar essas coisas que eu vivi na vida. O que fica disso tudo é que a novela ajudou as pessoas saberem da existência dessas pessoas, que estão vindo e estão tentando viver dignamente. Promover e fortalecer o olhar ao outro, foi o maior acerto dessa novela.
Para conquista Eduardo basta… Ter senso de humor, isso ajuda muito, encarar a vida com leveza, ter senso de justiça, ter empatia, saber ouvir mais e falar menos, saber sorrir, sorrir é a segunda melhor coisa para se fazer com a boca, ou melhor, terceira, porque comer também é bom demais. Para conquistar talvez simplesmente ser o que se é, isso ainda mais hoje em dia, já seria de uma grande ousadia.