Tendo o humor como ferramenta de trabalho “arma” com os percalços do cotidiano, o ator Nelson Freitas segue levando sua vida com alto astral e traçando uma carreira de sucessos. A receita tem dado certo até mesmo quando ele se depara com um personagem mais carrancudo como o Bernardo na novela das seis da Globo “Tempo de Amar”. Para quem pensava que essa era a primeira de Nelson engana-se, o cara já tem uma larga experiência no assunto. Sempre um cara bom de papo, a entrevista rendeu e ficamos mais fãs dele. Não é à toa que essa é sua 2ª capa por aqui. Que venha mais!
Estávamos sempre acostumados em vê-lo em papéis cômicos, mas atualmente você está com o Bernardo em “Tempo de Amar”, que é um cara muito sério. Você também chega a achar estranho? No começo acho que houve um estranhamento por parte do público e inevitavelmente meu também. Estava mais acostumado a fazer cinco, seis papeis diferentes por dia. Agora a gente mantém uma personagem e o que é curioso numa novela é que você não tem o arco da personagem como em uma obra fechada. A novela é um novelo e está sempre se desenrolando, então isso é de alguma forma desafiador.
Tem algo da sua personalidade nele ou é realmente algo bem distante de você? O Bernardo é um bom vivant e isso não tem nada a ver com a minha personalidade, apesar de eu ser uma pessoa extrovertida, alegre, brincalhona, a minha vida sempre foi de trabalho muito duro e de muita dedicação. Mas por outro lado, apesar dele ser uma pessoa séria, que era como se portavam os chefes de família daquela época, ele também tem uma faceta de humor que agora eu e Débora Evelyn estamos sutilmente desenvolvendo com o casal Bernardo e Alzira.
É mais fácil ou difícil quando um personagem é muito distante da sua realidade? O desafio é maior? Quando a personagem tem uma personalidade parecida com a sua, a gente tem condições de emprestar algumas coisas que podem funcionar. Mas quando eu comecei a minha carreira, eu assisti algumas vezes uma peça chamada “Artaud”, com Rubens Corrêa, e uma frase muito interessante que ele dizia era “o ator tem que morrer”. Eu custei a entender, mas na verdade a gente tem que aniquilar um pouco da nossa personalidade para conseguir criar uma outra. No ano passado eu fiz “Uísque com água”, do Bukowski, e foi pauleira… é sombrio depressivo e não dá pra ficar na forma, sempre no limite do fundo do poço. Deu um trabalho danado, mas foi altamente recompensante, talvez a melhor coisa que já fiz.
Realmente fazer rir é mais difícil do que fazer chorar? Essa máxima é muito verdadeira, é mais fácil fazer chorar do que rir porque se você se depara com uma situação delicada, emocionante, você acaba embarcando. Se você vê uma pessoa chorando, já te move de alguma forma. O fazer rir realmente é uma ciência. Eu acredito que esse movimento que nós estamos passando de uns 10 anos para cá, com advento de internet, TV a cabo, etc, o humor sofreu grandes transformações. Nós tivemos uma exposição muito maior, o humor é mais valorizado. Dentre dez peças publicitárias, sete ou oito são com o viés do humor. Os humoristas ganharam mais espaço e isso fez com que muitos comediantes aparecessem no mercado. Mas geralmente as pessoas acham que é muito fácil fazer rir. Só porque você distrai ou diverte uma turma na mesa de bar, no escritório, na escola, já se acha um comediante. E o buraco é muito mais embaixo. A ciência do fazer rir é muito elaborada e não há como ensinar a fazer humor. A gente pode aprender a técnica, mas a entrega é de cada um.
Passamos muito tempo acostumado com sua imagem em programas de humor e muita gente pode até pensar que essa é sua 1ª novela, mas você tem um longo histórico de novelas. E aí, como é fazer novela? Isso é bem lembrado. A memória do brasileiro às vezes é um pouco curta, principalmente em um ofício tão efêmero quanto a arte dramática. Eu estou completando 30 anos de carreira, comecei em 1987 com a peça “Nossa senhora das flores”, de Jean Jenet. O fato é que novela tem um tempo diferente, como eu disse anteriormente, a gente não tem condição de prever para que lado o seu personagem vai e isso fica muito por conta do núcleo que você está alocado. Às vezes uma novela começa de um jeito a ao desenrolar do novelo se move em outra direção, e isso é fascinante. No caso de “Tempo de Amar” é o que está acontecendo com a família Guedes da Fontoura. Eu, Deborah Evelyn, Barbara França, Maicon Rodrigues e Valquíria Ribeiro, estamos performando sempre na busca do crescimento do núcleo.
“Tempo de Amar” tem um acabamento todo especial e refinado de época. Isso dá um gostinho especial? Foi um tiro certo. A novela é realmente um primor, em todos os quesitos, figurino, maquiagem, iluminação, cenários… A direção do Jayme Monjardim é extremamente delicada e competente e os textos do Tide (como a gente chama o Aycides Nogueira) e toda sua equipe são brilhantes, bem de acordo com a proposta de um folhetim adocicado, adequado para o horário. A equipe toda é angelical e tudo flui com prazer e alegria.
Você passou um bom tempo no Zorra Total, hoje em dia o programa está bem diferente, assim como o humor. Que analise você fez desse humor atual? Tá mais difícil fazer humor sem ser taxado disso ou daquilo? Realmente é muito delicado para os humoristas porque esse politicamente correto é muito bem vindo em relação a muita coisa que precisava ser revista, e isso aguça nossa inteligência, o que é muito bom. O Zorra Total, no qual eu estive desde o começo, já disse isso em outras entrevistas, poderia ser considerado um patrimônio histórico cultural brasileiro, porque esse humor de bordão é muito nosso, em nenhum outro país existe. A Itália já fez alguma coisa, Portugal também, mas essa coisa mesmo é muito nacional. O programa tem um público alvo definido e eu acredito que essa transformação do Zorra tenha sido positiva. A gente pôde trazer um pouco mais de inteligência para a televisão e para os programas de humor de uma maneira geral. Nós somos oriundos do bobo da corte, que era pinçado da plebe pela sociedade para animar o rei e a rainha. Ele tinha carta branca para brincar, zombar de todo mundo que ele ouvia. Mas sobretudo ele tinha que ser inteligente, porque caso contrário ele não voltava para a plebe e era simplesmente degolado porque sabia de muitas intrigas palacianas. Então essa parábola, vamos assim dizer, ela se repete nos tempos de hoje. O Chico Anysio tem uma frase muito propícia para isso que é “Fale o que quiser… mas seja engraçado, porque senão você é degolado”.
A democratização das redes sociais aproximou mais o público por um lado, mas por outro criou muitos “especialistas” sobre tudo e mais um pouco. Como lida com isso? Essa onda que a internet provocou na nossa vida, na vida da população mundial, é um verdadeiro tsunami. Eu acredito que a gente esteja vivendo a idade das trevas ainda no quesito das possibilidades da internet e das redes sociais. Isso tudo tem o lado bom e o lado ruim, pessoas que são muito solitárias nas grandes cidades, podem interagir de uma, mas criando personalidades muitas vezes falsas ou inexistentes. Cada um tem o seu jornal ou a sua televisão própria e de graça, então é um fenômeno muito curioso e atinge a todos nós. Porque quando uma pessoa se torna pública, o que ela fala, o que ela externa, está sempre sobre o julgo das outras pessoas. Não sei o que fazemos com esse lixo digital sendo produzido a larga abarrotando as nuvens…
O que te tira o humor? Haters, política atual, jeitinho brasileiro ou hit chiclete, o que é pior?Jeitinho brasileiro e política atual são primos-irmãos. Só vamos ter mudanças quando tivermos uma geração agraciada com educação de qualidade. Até lá qualquer um que entrar será só mais do mesmo…
Chegando em casa depois de um dia de trabalho e pegando um belo trânsito dá pra manter o humor? Alguma receita? Eu só ando de moto (risos). Não sei se há uma receita, mas aprendi que se você coloca um pequeno sorriso nos lábios, essa conformação musculo-facial manda a informação para o cérebro que está tudo bem… Em um minuto você bloqueou os estímulos negativos “venenosos” e sua atitude muda. É uma pequena auto-sabotagem… Do bem.
Você está com 55 anos e mantêm um jeito de garotão de bem com a vida. É isso mesmo? Como faz para manter? Eu nunca parei para pensar que eu tenho jeito de garotão, mas é interessante pensar em como as pessoas te veem. Acho até engraçado, mas como eu disse anteriormente, é uma alegria que eu trago dentro de mim, uma compulsão por fazer com que os ambientes que eu passo sejam sempre mais tranquilos, mais alegres. É também uma defesa que eu desenvolvi. Quando há algum constrangimento ou saia justa, eu saco logo do viés do humor.
O que te distrai no dia a dia? Algum hobby ou esporte para relaxar? Bom, eu trabalho muito, mesmo nas minhas horas vagas a gente continua trabalhando, de uma forma ou de outra, mas fora o tempo que a gente passa com a cara enfiada nos smartphones da vida, eu gosto muito de ler, de andar de bicicleta, de ir à academia, me exercitar, jogar futebol, apesar de ser péssimo jogador (risos). Mas por outro lado gosto muito também de dormir, então no tempo que eu tenho de folga, se eu puder me alongar num sofazinho e tirar um cochilo, eu não tenho dúvidas (risos).
É um cara vaidoso? Até que ponto? Sou vaidoso sim, sobretudo pela minha profissão. É importante que a gente esteja bem, com a cara boa, bem vestido para sempre ter uma imagem bacana, mas nada tão forte que me leve para uma sala de cirurgia, pelo menos por enquanto.
Que qualidade feminina mais admira? As mulheres são incríveis. Elas têm qualidades inimagináveis, mas dentre elas acho que a que mais me chama atenção é a capacidade que elas têm de pensar em várias coisas ao mesmo tempo, ouvir, traduzir, cuidar de tudo.
Depois da novela o que vem por aí? Esse ano de 2018 eu pretendo dar um pouco mais de chance ao canto e estou planejando subir ao palco com uma orquestra muito talentosa de Curitiba chamada Big Time Orquestra, que são uns meninos super performáticos. Estamos pensando em trazer os clássicos nacionais e internacionais em um grande show, claro que sempre com uma pegada de humor, na levada do espetáculo “Nelson Freitas e vocês”, que em 2017 completou 10 anos. Espero que gostem!