CAPA: PETRÔNIO CONTIJO, O REI DE REIS

O mineiro Petrônio Gontijo fez sua estreia nos palcos em 1987 com a peça Deixa Estar, alguns anos depois, em 1991, estreou na TV com a novela Salomé (Globo), e daí em diante nunca mais parou. Já fez de tudo um pouco e para alguns trabalhos recebeu vários prêmios. Mas tudo isso não deslumbra nosso homem da capa que segue sua trajetória colecionando sucessos e experiências marcantes no audiovisual. Atualmente ele interpreta o Rei de Israel e Judá, Davi, na série Reis (Record). E para contar um pouco dessa sua carreira de ator conversamos com Petrônio que declarou: “Hoje, cada personagem é um prêmio, uma alavanca, uma superação. Sou feliz e realizado por isso – fiz meu melhor em tudo o que pude”.

Petrônio você iniciou na TV com a novela Salomé (Globo), 1991. De lá pra cá, já são 32 anos de carreira. Como avalia sua trajetória até aqui? Quais os momentos que destacaria? Sim. 32 anos em TV, teatro e cinema. Fora a época de teatro amador e semi-profissional, enquanto fazia universidade, o que me orientou no sentido de descobrir um modo de fazer as coisas, de desenvolver algo que chamam de estilo, de lapidar uma pedra bruta composta apenas pelo desejo. São 32 anos de luta e boas realizações. Não quis tudo o que fiz, mas amei intensamente cada coisa que fiz durante meus processos, transformando meu querer, apreciando o inesperado. Hoje, cada personagem é um prêmio, uma alavanca, uma superação. Sou feliz e realizado por isso – fiz meu melhor em tudo o que pude. E, ao mesmo tempo, sou um iniciante que perdeu a inocência, mas ainda cultiva o mesmo afã do adolescente que pegou um ônibus em Varginha rumo à Unicamp, ouvindo Barão Vermelho num toca fitas amarelo amarrado na cintura. Fiz dos meus erros imediatos, acertos a longo prazo… é bom olhar pra trás. É seguro pra mim olhar para o meu passado. Posso destacar inúmeros momentos ou personagens, mas escolho um – Arthur de Algo em Comum, de Harvey Fierstein, ao lado de Clarisse Abujamra, com direção de Marcio Aurelio. Um peça que falava sobre AIDS, num momento bastante difícil de tocar no assunto. Subvertemos essa lógica, tocando no tema de forma responsável e afetiva. Gosto demais dessa época. Hoje, me sinto pronto, de alma lavada, novo, começando a gravar um personagem de grande importância histórica, o rei Davi na Record TV. Série escrita por Cristiane Cardoso e equipe, com direção geral de Léo Miranda. 

Já são três décadas envolvido no audiovisual. Que mudanças mais impactantes percebe ao longo desses anos? Posso falar dos bastidores. Hoje temos mais suporte, preparadores, professores que nos ajudam a chegar ao personagem, compreendê-lo de forma abrangente. Quando comecei, não havia ninguém. Decorava laudas de texto sozinho, cantava sem orientação na gravadora e o personagem que eu apresentava no set de gravação, era resultado apenas da minha compreensão, experiência e dedicação. Fazer bem era o único intuito – o reconhecimento pelo trabalho era apenas o resultado. 

Da TV pura e simples até o digital, o streaming. Como você avalia a TV aberta no mercado de hoje? Mais possibilidades e polarização? Atores mais descartáveis? Como enxerga tudo isso? Sim. Infinitas possibilidades. Isso é ótimo pra todos. O que é bom fica, sempre acreditei nisso. O importante é cuidarmos do conteúdo de tudo isso. Hoje em dia, há muita preocupação em produzir conteúdo. Acredito que conteúdo não se produz. Dá-lhe passagem. Conteúdo é resultado de estudo, aprimoramento, livros abertos e fechados, discos ouvidos, esquecidos e reencontrados. Acredito que conteúdo seja resultado de uma poética desenvolvida, trabalhada, às vezes por longos anos. Não creio que seja algo que se produza de uma hora pra outra. 

Ao longo da sua carreira você já recebeu vários prêmios por atuação, isso envaidece, motiva? Qual a importância que tais prêmios têm para um ator? A importância de saber que estamos no rumo certo. Acredito que o prêmio seja para isso… para sublinhar um momento. O ator é um comunicador de ideias e emoções. Um prêmio significa que a ideia chegou lá, onde deveria chegar, no público. Daí a importância, pra mim, de um prêmio – ressaltar que a comunicação foi estabelecida, que a troca aconteceu. 

Você também é uma referência no meio teatral por mais de 30 peças  Que importância o teatro exerce sobre você? O que diferencia no seu trabalho? Eu sou de teatro e TV. Meu primeiro trabalho profissional foi fazendo a novela Salomé na TV, mas eu já tinha anos de teatro amador e semi-profissional – havia acabado de me formar em artes cênicas, na Unicamp. Meu primeiro trabalho em teatro, depois da formatura, foi logo após Salomé, fazendo Dois Perdidos Numa Noite Suja, de Plínio Marcos, com o Marco Ricca e dirigido por Emilio di Biasi. Acredito que o convite pra essa peça tenha vindo por causa da TV sim, mas também por causa da história com o teatro que eu já trazia. Sempre fiz teatro – desde a adolescência. É tudo o que sei, que busquei fazer. É ali que sempre vou ficar. 

E em breve voltará aos palcos com o espetáculo Entre Quatro Paredes de Jean-Paul Sartre, com direção de Elias Andreato. Como estão os preparativos e a expectativa para esse novo projeto no teatro? Há anos, duas décadas, na verdade, eu e Elias queremos nos encontrar no palco. Isso foi fomentado por muito tempo por nós dois, mas os afazeres de cada um acabaram adiando o compromisso. Foi quando Elias e eu chegamos num acordo – está na hora, não vamos mais deixar passar nosso tempo. Começamos a ler, toda semana, vários textos em minha casa, procurando algo do qual realmente queríamos falar. 

Um dia, Elias me diz que tinha feito, há muito tempo, uma adaptação de bolso para o Entre Quatro Paredes. Lemos o texto e eu disse a Elias, no fim da leitura “Como você conseguiu guardar essa jóia por tanto tempo”? É isso. É esse. Vamos fazer Sartre. 

O texto fala da imensa dificuldade do ser humano em superar seus próprios infernos, do apego inconsciente que temos às nossas próprias adversidades, impossibilitando, assim, uma qualidade melhor de vida.  É daquelas compreensões da condição humana, daquelas belezas que, geralmente, só encontramos em voos geniais como o que Sartre deu. Foi facílimo escalar todo o elenco. Havia duas grandes atrizes com as quais queríamos nos encontrar no palco há muito tempo: Lavínia Pannunzio e Vera Zimmerman. Ambas aceitaram o convite na hora  e somaram força vital ao projeto. Vamos ensaiar e estrear em São Paulo – pretendemos levar a peça ao Rio de Janeiro e viajar pelo Brasil. Essa montagem celebra o encontro de quatro atores amigos que há muito se admiram e desejam se juntar trabalhando. 

Novela bíblica deve ser um bom desafio no início. Mas depois de alguns trabalhos bíblicos não lhe deixa “preso” a um mesmo universo onde todas as possibilidades de criação lhe limitam? Ou isso é o que torna o desafio mais difícil? É um desafio imenso e um campo infinito para pesquisa e desenvolvimento. Jamais me preocupei em me sentir preso a esse tipo de trabalho –  exatamente pela vastidão de possibilidades. Acredito que a novela bíblica esteja mais ligada ao gênero épico, ao gênero trágico, do que ao gênero dramático, o que subverte a lógica do folhetim, nos deixando atentos a tentar reproduzi-lo com inovação de linguagem, mas mantendo todas as características de uma novela tradicional. Ontem mesmo assisti um capítulo primoroso da novela Reis, 6ª Temporada, sobre a tomada da cidade de Jerusalém pelos israelitas. O pessoal conseguiu mesclar o folhetim e o épico de forma convincente e artística. 

Como procura construir um personagem? E como desapegar? Já teve algum que foi mais difícil construir ou desconstruir? Meu trabalho sempre parte do estudo. No caso do personagem, pra mim, ele sempre vem da palavra. Não adianta muito a teoria. O personagem nasce do que está escrito, do verbo que ele mais emprega. A partir do que está escrito, pra mim, vem o restante, como o figurino e o visual… o que também ajuda muito na composição. Acredito que o personagem também não exista sozinho, ele nasce do que existe “entre” e não apenas do que existe “dentro”, daí a importância do colega, do parceiro. Muitos personagens aparecem devido a troca com o outro ator ou atriz. É uma profissão que não se faz sozinha, dependemos do e da colega também… e de toda uma equipe. A responsabilidade é grande. Me lembro da composição do Rudi em Poder Paralelo , de Lauro César Muniz, direção de Ignacio Coqueiro. Um personagem dono de boate, adicto e com sérios problemas de rejeição. A princípio, a composição seria de um homem barbado, desleixado e mal vestido. Fizemos ao contrário, ele era blondie, moderno, muito elegante, barba feita, ereto… e destruído por dentro. Tudo funcionou. 

Qual o papel da arte em uma sociedade? Assunto vasto, mas também podemos simplificar, como pra quase tudo que é complexo. Acredito que seja a comunicação. O diálogo, a troca. Acredito que isso aconteça quando há disposição tanto para o comunicador como pra quem é comunicado. O aplauso, a emoção, são os sinais da conversa, quando a relação entre os dois acontece. A arte transforma, ajuda a gente a se irmanar e ser menos taxativo em nossos conceitos e opiniões sobre todas as coisas. É terapêutica também. 

Em tempos de redes sociais e superexposição, como lida com fama, mídia e privacidade? Na verdade eu não lido muito. Desde que comecei procuro ser bastante reservado com minhas coisas. Não faço nenhum tipo, é um jeito de ser mesmo, uma mineirice. Agora, tenho muito carinho com quem vem abordar meu trabalho. O contrário disso seria doidice, pra mim. Se quero comunicar ideias, me torno responsável pelo interlocutor. 

Como é a sua rotina fora dos palcos e das telas? O que gosta de fazer nos dias de lazer? Gosto de ler, ouvir música ( ouço de quase tudo ), ir ao teatro, cinema, circo. Gosto demais de estar próximo dos meus amigos também, gosto de receber em casa. Viajo muito também, cada vez mais, pra qualquer lugar. Sou fácil de me encantar com as coisas, principalmente com coisas sem muita importância. 

Aos 54 anos, quem é Petrônio Gontijo hoje? O que quer? Pra onde vai? Tô muito contente de estar conseguindo aproximar mais quem eu sou internamente do meu ser social. Já fui mais recluso, por várias razões. Hoje estou muito mais à vontade com isso. E isso é um alívio bom. Quero paz. Não tenho muita ideia pra onde eu vou. Sei que vou fazer teatro, como sempre foi e também sei que aprendi a importância do tempo presente, em minha vida. Isso me ajudou a mudar muita coisa. Sempre com música.

Diretor de arte Marco Antônio Ferraz
Foto i.a.n
Styling Aline sanson
Beauty Sérgio Costa
Petrônio usa: Casaco de pele fake Stella Mccartney, Levis, casaco Junior Dias, sapato Zara