CAPA: ROBERTO BIRINDELLI, ANDARILHO PELA ARTE

Quem está acostumado a ver o ator Roberto Birindelli na TV e filmes, não imagina a longa trajetória que começou nos palcos. Formado em arquitetura em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, editou livros de poesia marginal, participou de rodas de poetas, trabalhou com dança e mímica, se formou em Artes Cênicas, foi professor, estudou teatro na Itália, Dinamarca, França e Inglaterra. A partir de 2007, passou a se dedicar exclusivamente à carreira de ator. Chegou ao Rio de Janeiro dois anos mais tarde. Nessa época, iniciou seus trabalhos na televisão, com participações e personagens em novelas da Globo e da Record. Entre suas atuações de maior destaque está o motorista Josué, de “Império”, novela de Aguinaldo Silva. Uruguaio radicado no Brasil, se considera um outsider. Birindelli passou um bom período este ano em turnê internacional com o longa “Gauguin e o Canal”, que retrata um período da vida do pintor francês Paul Gauguin, e acaba de filmar “As Vitrines”, de Flávia Castro, sua 55ª participação no cinema. 

Roberto, o longa Gauguin e o Canal lhe fez cair no mundo, com as filmagens e divulgação pelos festivais. Como foi viver essa experiência mundo afora? Primeiro, a experiência de filmar 40 dias no Panamá, incluindo a selva, (que é outra doidera) durante a pandemia. A preparação pro filme foi durante as gravações de Nos tempos do Imperador. Ensaiava via zoom com o diretor, Frank Spano, que estava em Madri. Fazia coach de pintura com a técnica do Gauguin via Skype com a diretora de arte do filme, que estava em Chicago. Fazia aulas de francês focadas no filme com aulas online na Aliança Francesa do Panamá. Então, desde o início, o processo foi todo internacional. O longa estreou em Valladolid, depois em Salerno (ganhou melhor filme do festival). Finalmente, vi o filme no Festival Latino de Chicago. A troca com profissionais de vários países e com o público nos EUA, foi surpreendente. Recentemente, teve a Mostra de São Paulo e o LABRFF, em Los Angeles. Espero continuar na estrada com esse filme. Está sendo muito prazeroso.

E como foi dar vida a Paul Gauguin em francês e espanhol? O que foi desafiador nesse trabalho? Baita experiência. Eu pintava desde os 5 anos, ainda em Montevidéu. Foi como uma retomada de algo muito antigo, conexão com algo profundo, essencial. Não foi nada fácil, levei 8 meses treinando o traço, a preparação das tintas, a maneira de espalhar tintas, a pincelada, até ficar crível. Em relação às línguas do filme. Gauguin nasceu na França, mas aos 8 meses foi com a família para o Peru, onde foi alfabetizado em espanhol. Decidimos que os momentos mais íntimos e tensos do filme seriam em espanhol, mas precisava trabalhar o acento peruano, bem diferente do castelhano que se fala no Uruguai e na Argentina. Então, pensa – além dos ensaios e da construção do personagem, tinha coach de duas línguas e da técnica pictórica…

Você já conhecia a obra de Gauguin tão a fundo? O que foi descobrindo à medida que ia interpretando o artista? Descobriu ter algo em comum com ele, além das aulas de pintura quando criança. Conhecia a obra, mas não o pintor. O filme trata da fase mais política dele, onde defendia os autóctonos da pressão imperial francesa, e acabou entrando em conflito com a França. Gauguin é uma figura bem controversa. Teve uma família na França- que abandonou para ir pintar na polinésia francesa. Criou outra família nas ilhas, que também abandonou para se dedicar apenas à pintura. O peso dessas decisões, vai torturá-lo nesses últimos anos de vida. Pessoalmente, tenho algo desse sacerdócio dedicado ao trabalho de ator.

Você se formou como arquiteto em Porto Alegre, já editou livros de poesia marginal, participou de rodas de poetas, trabalhou com dança e mímica, se formou em Artes Cênicas, foi professor, estudou teatro na Itália, Dinamarca, França e Inglaterra. Quantas vidas você tem? (risos). Resumindo, seu negócio é fazer arte nas mais diversas possibilidades. É isso que te move? Caramba, lendo essa pergunta vejo que é muita coisa mesmo. Recentemente me referi a isso – um sacerdócio que exige dedicação total. E sim, é o que me move, mas cada vez mais incluo minha vida pessoal e meu filho nessa equação.

E como foi que você foi parar na TV? Podemos dizer que o Josué de Império foi um divisor de águas na sua carreira? Nos primeiros anos, me dediquei à mímica, dança e teatro, ainda em Porto Alegre. Depois, vieram as experiências em cinema e, com a mudança pro Rio de Janeiro surgiram os convites para a TV. Certamente, foi meu primeiro personagem numa novela das 21h. Dá uma abrangência maior. Apesar de, na época, eu já ter feito uns 25 filmes, o grande público não conhecia o trabalho que eu vinha desenvolvendo. Quando Aguinaldo mandou e-mail perguntando se eu toparia fazer o Josué, quase nem acreditei. Já tinha trabalhado com Papinha (Rogério Gomes, diretor) em A Teia. Foi uma grande oportunidade, um super presente do Aguinaldo. O reflexo disso nas ruas foi imediato. Me paravam na rua, principalmente, para parabenizar. Muitos homens vinham me parabenizar pela atuação e pela relação de amizade e fidelidade entre Josué e o Comendador. Homens que se sentiam identificados com a trama, o que não é comum em folhetins. E que podiam estufar o peito e dizer, sem vergonha, que assistiam novela. Isso era relativamente novo!

Indo para o streming, seu trabalho mais recente foi na série DOM (Amazon Prime). Como foi participar desse drama policial e como você percebe o crescimento do streaming nacional? DOM era a continuação do trabalho com Breno Silveira. Antes havíamos passado 5 anos gravando as 4 temporadas de Um Contra Todos, na Fox Premium. Depois, Star+. Este talvez tenha sido o trabalho de composição de personagem mais gratificante. Pepe, chefe do tráfico na Bolívia, e antagonista do Doutor (Julinho Andrade). Tá bonito de ver o crescimento da produção brasileira para o streaming. Hoje, temos pelo menos cinco séries de grande relevância no mercado internacional. 

Ainda na TV, você participou da série bíblica Reis que lhe rendeu o Prêmio Contigo de Melhor Ator de Novela. Esperava por esse reconhecimento?  Foi uma grande responsabilidade. Já tinha participado de várias novelas e séries na RECORD, onde sempre fui mega bem recebido. E agora, se tratava de Samuel, uma figura bíblica importantíssima. O desafio era humanizar e dar dramaticidade a um personagem que vem de uma narrativa épica, de heróis. Sempre novas experiências! A resposta nas ruas foi incrível. Para as pessoas que me encontravam na rua, eu era O Profeta, e em vez de pedir selfies, como costuma acontecer, ficavam abraçadas “no profeta”.

E seu mais novo trabalho no cinema, As Vitrine que trata da ditadura militar no Chile. Qual a importância de abordar temas como esse nos dias de hoje? Tristemente atual. Vivemos em épocas de fundamentalismo religioso, genocídios e crimes contra a humanidade. O que há para se preservar de tudo isso? Como resistir? O filme fala disso desde a ótica de uma menina de 10 anos. Fazer parte desse filme foi uma das experiências mais marcantes dos últimos anos. 

Sabemos que você é um grande apreciador de vinhos e divulga muito nas suas redes. Como surgiu essa paixão e o que lhe encanta? E aproveitando, qual sua dica para os leitores? Sou uruguaio. Lá, se toma 4 vezes mais vinho per capita que no Brasil. Há uma tradição. E morei em Paris, de onde vem minha paixão por vinhos. Na pandemia, se tornou ainda mais presente. Durante um ano e meio, fazia lives sobre aspectos do vinho, e as pessoas foram curtindo, cada vez mais. Dicas para os leitores, hum… Prova 4 ou 5 vinhos de uvas diferentes, para ir entendendo de quais características gosta mais. Sempre descomplicando. O mais legal é gostar e provar novos rótulos, sem necessidade de virar expert

Como anda sua vaidade? Quando e como ela se expressa? Atores, somos vaidosos. Alguns reconhecem mais, outros preferem não contatar com isso. Mas é uma vaidade boba, porque no fim, a imagem não é nossa, mas do filme ou novela que estamos fazendo. Eu não corto a barba ou cabelo do jeito que eu imagino há uns 13 anos, porque sempre estou gravando algo e é a equipe de caracterização que decide a imagem do personagem. Mas cuido muito da minha saúde. Malho pelo menos 4 vezes por semana. Comida saudável, sem frituras, sem refrigerantes ou açucares. 

Para recarregar as baterias o que procura nos momentos de folga? Churrasco com meus amigos, um passeio de bike com meu filho. Viagens e um bom vinho. 

Podemos resumir dizendo que você é um andarilho pela arte da dramaturgia? Como se definiria hoje? Um pai. E o caminho que trilhei para aprender sobre meu tempo e sobre o mundo, é o trabalho do ator.

Fotos Vinícius Mochizuki

Edição de moda Alê Duprat

Produção de moda Kadú Nunnes

Direção de estúdio Rodrigo Rodrigues

Assessoria Equipe D Comunicação