Quem descobriu o talento de Roberto Birindelli agora em Império, através do personagem Josué, não tem ideia da versatilidade e do talento desse ator de origem uruguaia, mas alma de brasileiro. “Gaúcho” por escolha do destino, Birindelli lutou com determinação para conquistar seu lugar ao sol, e ao longo de sua extensa carreira com mais de 30 filmes, peças de teatro, várias novelas e seriados, podemos dizer que ele chegou lá de um jeito diferente. Sem deslumbres, conquistando o respeito de diretores, atores e claro, seu autoconhecimento como ator e homem. Os valores cultivados, plantados pelos pais, são refletidos em seu trabalho e sua vida pessoal de forma a torná-lo um cara feliz com a vida. Conheça um pouco mais desse ator que tem se destacado cada vez mais por onde passa, e desse cara que tem conquistado cada vez mais, fãs e amigos.
Chegando ao fim da novela, que balanço você faz de tudo? Esperava que fosse ter essa repercussão toda em cima de você e do Josué?! Muito incrível a abrangência de um trabalho como este. Em muitos momentos, se fosse um livro, Josué poderia ser até um possível narrador da história. O que não sabíamos no início da novela era a parceria que se formou com o Comendador, a partir de tantas histórias e andanças vivenciadas. Muitos homens vem me parabenizar pela atuação e pela relação de amizade e fidelidade entre Josué e o Comendador. Homens que se sentem identificados com a trama, o que não é comum em folhetins. e que agora podem estufar o peito e dizer sem vergonha que assistem novela. Isso é relativamente novo! Josué também fez cenas quentes com a Helena (Julia Fajardo) e com a Marisa (Luciana Pacheco). Claro que isso mexeu com o imaginário, mas não sou dos galãs. Muito mais pessoas vem me cumprimentar pelo trabalho de ator, e pela parceria do Josué com o Comendador.
O Josué de Império terminou sendo um divisor de águas na sua carreira, onde o grande público teve um contato maior com você e seu trabalho. Em que isso mexeu com você como pessoa e ator? Algo mudou em sua visão? Quando Aguinaldo mandou e-mail perguntando se eu toparia fazer o Josué, quase nem acreditei. Já tinha trabalhado com Papinha (Rogério Gomes, diretor) em A Teia, com uma equipe maravilhosa que trabalha junto há muito tempo. Me lembra a Casa de Cinema de Porto Alegre, onde todos se conhecem muito, quase um familião filmando. Sou novato mesmo. O sistema de produção, a velocidade, o ritmo da cena e da câmera, o tempo cênico, tudo é diferente. O fato de ser uma obra aberta e não saber toda a curva do personagem antes de começar a gravar, tudo é surpreendente. Foi uma experiência incrível. A maior lição que a gente aprende é que o sucesso vem do suor. Só dá bamba na novela, desde o autor, equipe técnica, direção, elenco… todos tem muita estrada. Aprendi algumas coisas com Josué também. Ele é um cara de ação, instintivo. Não pensa duas vezes pra decidir e tomar atitudes, e não se sente culpado ou carrega remorsos. Sou bem diferente nisso.
Indo bem para o início… Você é uruguaio, como se deu sua mudança para o Brasil e do que sente saudades da sua terra natal? 1978, a situação em Montevidéu era crítica. Sem perspectivas nem um ambiente um pouco livre e acolhedor, meus pais pensavam em mudar para Buenos Aires ou São Paulo. No fim, Porto Alegre foi a opção, em função das semelhanças culturais. Os primeiros anos no Brasil foram bem duros, até em questão de subsistência. Lembro de meu pai – empreendedor, trabalhando 16 horas por dia – derramando lágrimas sem saber como sustentar a família. Eu estudava de manhã e trabalhava à tarde com ele. Depois de anos, com as coisas já funcionando, ríamos das piores passagens. Sofri muito na escola por não falar a língua. Depois, nos grupos de artistas, isso foi se diluindo. Cheguei sem saber falar uma palavra em português, mas tenho certa facilidade com línguas. No ano seguinte, meu portunhol já estava aceitável. Depois de 2 anos, havia apenas um leve sotaque. Uruguai tem raízes europeias, tanto de valores comportamentais, sociais, como culturais. As referências no Brasil são mais norte-americanas. Não saberia dizer de que sinto saudades. Talvez minhas referências já sejam daqui.
Nos últimos anos você tem seguido com trabalhos marcantes no cinema e na TV, com novelas de destaque como “Passione” e “Sangue Bom”, assim como séries com “A Teia”. O prazer é o mesmo? Algo que te motive de forma diferente em cada um dos meios? Sou bicho de cinema. Entre longas e curtas lá se vão mais de trinta filmes. Recentemente, apareceu o trabalho na TV e tô super curtindo. Muito feliz, vem mais pela frente!! Trabalhando muito para isso, mas sem deixar de lado o teatro. É a base do ator.
Carreira na TV em ascensão, estreias no cinema, amor…As coisas vão indo bem, né? Qual sua ideia de felicidade? Êita pergunta difícil!! Estes últimos tempos têm sido uma montanha russa. Entre euforia e ansiedade, subidas e descidas velozes. Imagino que felicidade são os momentos fugazes em que o carrinho da montanha russa está vibrando num ponto. Sem sobressaltos, quedas ou grandes impulsos.
O Josué foi o braço direito do Comendador, a quem ele se mostrou bastante leal. A quem e a que você é leal? Eu vivo em constante dúvida, reavaliação, mutação, novos entendimentos. Tento ser fiel e leal a essa sensação de ser coerente com essa inconstância e incoerência aparente. Mas com o tempo tenho mudado minha maneira de mudar…Tenho um grande amigo de fé, meu conterrâneo Antônio Martyniuk, que vive em Montevidéu. A devoção que o Josué tem pelo Comendador eu tenho pelo Antônio. Passamos a adolescência, as dificuldades, o golpe militar juntos, enfim, descemos para o inferno juntos. É um cara que, se amanhã me ligar e disser que está mal, eu pego o primeiro avião e vou ao encontro dele para salvá-lo.
Além de ator você também prepara atores. Com o surgimento das mídias sociais e a força que elas têm sobre o público mais jovem, vemos muitos jovens atores principiantes caírem na graça desse público e ganharem mais espaços em novelas, mais por isso do que por talento em si. A fama repentina acaba por fazer com que achem que não precisam estudar ou ouvir os mais experientes…Como vê tudo isso? Eu vejo que esse chavão está aos poucos desaparecendo. A teledramaturgia, e a influência dos seriados acelerou esse processo, está cada vez mais seletiva. Atores ou celebridades com pouca base de conteúdo e preparo não se firmam. Podem aparecer em um ou dois produtos, mas depois somem.
O que ensina e como trabalha na preparação de atores? E também aprende muito com isso? Comecei a dar aulas quando ainda estava na Faculdade de Artes Cênicas, em Porto Alegre. Mais como propagação de uma tradição. Recebíamos ensinamentos de nossos mestres e repassávamos. Sempre trabalhei em grupos, e é uma tradição a transmissão do legado, como nas antigas corporações de oficio, que vem desde a idade média. O que tenho focado mais é a presença cênica, o que torna um ator eficiente aos olhos do espectador.
Atuar depende de dom, ou muito estudo e técnica fazem um bom ator? Outra pergunta difícil!! Dom, inspiração, aptidão, etc são termos passageiros, inconstantes. Claro que ajudam. Eu acredito muito no suor…
Certa vez você falou sobre inveja e que esse sentimento te perseguiu por um tempo, como lida com isso hoje em dia? Tem muitos podres que carregamos sem precisar. Você desmonta a inveja, que é uma doença de comparação, trabalhando a sua sensação de valor. “Ele é mais alto do que eu? Mas isso é bom ou ruim?”. Se você determinou que você é da altura certa, que está no personagem certo, estabelecendo seu caminho… Eu sou feliz aqui e agora. Uma vez que você encontra a medida do suficiente, de reconhecer seu próprio valor, você desmonta essa comparação doentia.
“Dormir com alguém é fácil, acordar com a pessoa é que faz a diferença”, por que? Porque o aprendizado está na convivência, no aprofundamento da relação e dos atritos que surgem, da troca, da compreensão. Ou não, (risos)…
Com a exposição por conta da novela veio o assédio. Como lida com isso? Como manter a fidelidade ao outro e a si mesmo sem se perder no meio de tudo isso? É um rojão que aos poucos vamos tentando entender. Claro que os personagens acabam povoando o imaginário das pessoas. Temos que lidar com isso e manter o foco no trabalho.
Falando nisso, você está casado há pouco mais de um ano com a publicitária Juliana Sarda. O que fez a diferença desse relacionamento para se chegar ao casamento? O que é mais fácil e difícil num relacionamento? Acho que o principal para um casal é ter um propósito em comum, valores parecidos (sejam bons ou ruins, não tô fazendo nenhum julgamento), e aprender com as diferenças e as lambanças, discussões, que são muitas. A gente se “denga” muito, às vezes é um café na cama, ou ela lembra de comprar coisas sem glúten e sem lactose pra mim, ou eu vou atrás de algo que imagino que ela precisa.
Ainda sobre família… Quais os seus valores de vida e o que ensina ao seu filho? Isso daria um romance! Eu tive muita sorte de ter pais de tamanha generosidade, que aceitaram ver seus planos frustrados em relação à minha profissão, etc, pra não frustrarem os meus. Espero poder repassar isso ao meu filho. Converso muito com ele. Parceiraço.
Você cozinha e bem, até já foi tema de matéria de gastronomia em nossa revista, de onde vem essa afinidade com as panelas? Brinco que abro mão de tudo, menos dos prazeres da carne. Mas não sou tão bom não. Vou inventando e as coisas vão andando.
Você costuma receber em casa muitos amigos, atores, músicos, poetas para saraus regados a boa comida e boa bebida. Já saíram ideias de filmes, séries, enfim, algum projeto, uma vez que tem tanta gente talentosa reunida? Muitos! Eles criaram uma gíria pra esses encontros. Como o pessoal convida amigos no boca a boca mesmo, eles falam “hoje tem boteco do Birindas”. Agora, estamos projetando um espaço na Gávea justamente pra esses encontros, para oficinas, produção audiovisual, o café. Enfim, um espaço de formação, encontro e efervescência cultural.
Fotos Sergio Santoian
Produção Executiva Marcia Dornelles
Styling Paulo Zelenka
Beleza Adriel Pires
ROBERTO BIRINDELI VESTE – Look 1 – calça com suspensórios, malha, boina e sapatos Zara (acervo de produção); Look 2 – calça Individual, regata Colcci, blazer Ricardo Almeida, sapato Swans, chapéu Brechó de Salto Alto; Look 3 – costume Ricardo Almeida, chapéu Brecho de salto Alto; Look 4 – calça, camisa e blaser Zara (acervo de produção)