CAPA: SERGIO GUIZÉ ARRETADO EM MAR DO SERTÃO

15/10/20220

Aprendemos a amar e odiar Sergio Guizé na proporção do seu talento em encarar personagens tão distintos e igualmente arrebatadores. Vamos do puro Candinho ao violento Gael, do dúbio Chiclete ao justiceiro Zé Paulino, agora em Mar do Sertão. Guizé circula bem em todos universos e mostra que está sempre pronto a um novo desafio. Assim foi com João Gibão de Saramandaia. Guizé volta a nossa capa em um ótimo momento de vida, seja de frente ou longe das câmeras.

Sergio, indo lá para o começo… Sua estreia na TV foi em 2001, mas de fato o primeiro grande personagem (aos olhos do público) foi João Gibão de Saramandaia em 2013. Pra você foi isso mesmo? Em 2003 fiz meu primeiro teste na Globo, convidado por um produtor que me assistiu na peça Crime e Castigo de Dostoiévski – em Santo André, para a novela Da Cor do Pecado com direção geral de Denise Saraceni. Ela me deu o Guilherme, um personagem que entrou no meio da trama. Também, não posso nunca deixar de falar da primeira temporada de Sessão de Terapia, que me abriu muitas portas. Já no segundo episódio da série, Denise me convidou para o grande desafio de dar vida ao homem honesto, justo e com asas, João Gibão da novela Saramandaia.

Mas falando em início, tudo começou mesmo foi no teatro, em 1998, com a peça Beijo no Asfalto. Já tinha plena consciência de que aquele era seu lugar e a dramaturgia era o que lhe completava? Ali já estava completamente apaixonado pelo Teatro e queria observar e absorver ao máximo, tudo. Estudar, fazer trabalho de mesa, discutir sobre as personagens, novas formas de encenação, desvendar os segredos dessa caixa mágica que é o espaço cênico.

Algum fato ou influência que lhe impulsionaram a seguir em frente na carreira de ator? Depois de terminar Lisístrata ou Guerra dos Sexos de Euripedes, a primeira peça de teatro que fiz quando cursava a faculdade de Artes. Meu pai, que durante anos foi xingado por tabela ao assistir aos jogos de futebol em que eu era centroavante do time e perdia muitos gols, coitado… depois dessa peça ele me disse “Você divertiu muito as pessoas, elas estavam felizes, falaram bem de você pelas costas, acho que você devia esquecer de vez esse negócio de jogar futebol”!

Sua carreira é marcada por personagens que caíram no gosto do público como o ingênuo Candinho (Êta Mundo Bom!), o violento Gael (O Outro Lado do Paraíso) e o popular Chiclete (A Dona do Pedaço). Que lembranças você guarda de cada um deles? João Gibão – uma personagem de realismo fantástico que tem asas, representando o progresso e a liberdade. Candinho – consegui alcançar as crianças com uma mensagem de humildade, perseverança e otimismo, com o bordão que o eternizou “tudo que acontece de ruim na vida, é pra meiorá”. Gael – personagem de responsabilidade social, essa história que a gente contou, encorajou muitas mulheres a denunciar a violência doméstica. Chiclete – sucesso imediato, a parceria com a Paola, foi um ponto alto.

Você tem algum direcionamento para criar e compor um personagem? O personagem é construído de dentro pra fora, sempre. Leio muito o texto, estudo fala por fala e, a partir daí, entendo as necessidades físicas e psicológicas de cada movimento do mesmo .

E na hora de desapegar, é algo automático? Já ficou algo de algum personagem que você queria se livrar logo e não conseguia? Tem personagens que ficam e você leva um tempo para desapegar. Me lembro do Léo, na peça Delicadeza, de João Fábio Cabral (2006, Satyros 2). Ia pra casa muito abalado pela potência e zonas de perigo que aquela personagem alcançava… Eu tomava sempre um banho gelado pra por ele pra dormir.

Seu desafio atual é com o Zé Paulino em Mar do Sertão. Como foi encarar o sertão, entrar no clima da região e compor o personagem? Muito respeito ao nordeste primeiro e acreditar em sua luz e potência, aproveitando o máximo desse elenco talentoso e fazendo muita pesquisa. Desde sotaque a cordel que, certamente, José Mendes é apreciador.

Você já comentou que sua relação com Renato Góes tem sido de muita sintonia. Como tem sido essa convivência tão intensa? Essa troca entre vocês que na ficção são rivais. Muito bom sair de casa para ir trabalhar e logo cedo dar de cara com o Renato, com aquele sorrisão, doido pra passar o texto e se jogar em cena. Nos divertimos muito, parceiro, generoso e um grande ator.

Depois que você e Bianca casaram, foram morar no interior de São Paulo para viverem mais isolados. E agora por conta do Mar do Sertão você passou dois meses gravando em lugarejos do nordeste como Piranhas (AL) e Vale do Catimbau (PE). Se sentiu um pouco em casa? Como foi esse período para você? Período de adaptação e curiosidade, foram duas semanas em lugares paradisíacos no nordeste que nos ajudaram a construir essas personagens de maneira leve e colaborativa. Muito bom poder contar com esse elenco talentoso e uma direção cuidadosa.

E falando sobre isso, o que motivou vocês deixarem o Rio de Janeiro pelo Indaiatuba (SP)? Quando começamos a namorar, eu morava no Bixiga em São Paulo e ela na Barra da Tijuca, no Rio. Queríamos começar em um lugar novo, perto da natureza, com qualidade de vida e segurança. O Lima Duarte que mora lá, nos sugeriu o lugar e ficamos encantados e, quando encontramos a nossa casa, mudamos rapidamente e fomos reformando aos poucos.

Você é um cara muito conectado à natureza? Mais campo do que urbano? Vivi por muitos anos a noite de São Paulo, fazia teatro, tocava com o Tio Che e às vezes trabalhava no Bar até de manhã. Eu era assumidamente um Urbanóide, criado entre as fábricas de Santo André – meu sonho era fazer arte e morar no centro de São Paulo. Hoje, prezo muito pela qualidade de vida, estar mais conectado com a natureza, dormir e acordar cedo ao som dos passarinhos.

Foi muito difícil largar a tranquilidade do interior para encarar a correria das gravações? Foi sim. Eu não esperava, tive que correr atrás para me preparar, física e emocionalmente. Personagem complexo que exige muita dedicação e a evolução dele, me deixa cada vez mais apaixonado pelo projeto.

E no meio disso tudo, tempo para música ainda? Como anda o Guizé cantor? Fizemos a turnê À Deriva antes da novela, compus algumas músicas nesse tempo e pretendo gravá-las em breve, com o mesmo produtor Jorge Zulim Bittar.

Nas poucas horas de folga o que curte para relaxar? Eu gosto de ler romances e andar de bicicleta.

Você se considera um cara vaidoso? Como cuida do corpo e da saúde? Sim, me considero vaidoso. E acho importante começar o autocuidado pela cabeça, para manter os pés no chão. Costumo meditar, faço análise, musculação, pedalo e procuro seguir uma dieta balanceada quando estou em um processo intenso, como é protagonizar uma novela.

Quem é o Sergio Guizé hoje aos 42 anos? E como se imagina daqui a 10 anos? Vou estar esbanjando saúde, consumindo arte e produzindo cultura dentro e fora do país.