Ele é quase um personagem de si mesmo, uma parte do folclore e do imaginário. Nascido no Crato (CE), se debandou mundo a fora conquistando mulheres, leitores e acima de tudo, formando um cara sensível, mesmo por trás da couraça criada para manter a imagem de cabra da peste, muito inteligente e sempre com ótimas tiradas. Tiradas essas captadas de suas experiências e das experiências alheias. Figura ímpar trafega pelo universo feminino com maestria, futebolista, cronista, uma mistura que dá certo e decerto faz muita gente parar pra pensar sobre seus textos que por vezes parecem soar machistas, mas que acabam por ser uma ode ao universo feminino com todo o seu mistério. Estamos falando de Xico Sá, e mais sobre ele vocês saberão por ele próprio.
Francisco Reginaldo de Sá Menezes…Esse Reginaldo vem da admiração da sua mãe pelo Rei Reginaldo Rossi e você, qual sua relação com esse ídolo nordestino, grande conselheiro de muitos adolescentes em seus primeiros bailinhos? Tive uma aproximação maior com o Rei-ginaldo, como é tratado no Recife, a partir de 2010, quando escrevi, com o cineasta pernambucano Paulo Caldas, um roteiro de longa-metragem sobre ele. Um documentário musical narrando a importância das suas canções românticas na vida de vários casais. Nessa época tomamos bons “uiscões” e pude aprender um pouco. Pelo filtro do amor brega e derramado, me ensinou mais do que o Flaubert do romance “A Educação Sentimental”.
Dizem por aí que você é uma grande conhecedor das mulheres, de onde vem tanto conhecimento? (risos) Ninguém pode se arvorar a dizer que tem conhecimento sobre as mulheres, embora, como este pobre cronista, se dedique a maior parte do dia a elas. É uma faculdade na qual jamais tiraremos o diploma. Mas a graça de viver é esse desafio, de tentar entender o jogo de adivinhações delas. Se sei alguma coisa devo a cinco ajuntamentos (casamentos informais) e a observação permanente. Só aprendi até agora um pouco do que elas não querem -como homens frouxos, por exemplo- e não o que elas querem. Isso nem Freud conseguiu.
São 10 livros e milhares de crônicas publicadas, alguma árvore plantada? (risos) Aliás, Cuidar da mulher amada é como cuidar do meio-ambiente: se fizer besteira vem um tsunami? Ih, rapaz, acho que só plantei bananeiras por ai. E bêbado, de forma involuntária, naturalmente. Gostei dessa frase da mulher e o meio ambiente, acho que vou roubá-la. É isso ai. Tem que ter cuidado com a poda. Se podar demais, corremos o risco de ver crescer um galho esquisito na testa.
Em tempos de “gênero”, macho e fêmea são politicamente incorretos? No exagero da cartilha das correções sim, mas na minha crônica o macho-jurubeba, por exemplo, ainda é indispensável – é o personagem que representa os últimos românticos e cafa à moda antiga. Óbvio que minha escrita denuncia um certo machismo, mas ajuda a entender as mudanças nos costumes, inclusive no que diz respeito ao politicamente correto.
De tanto que entende de mulheres, quais seus maiores erros nas relações e na profissão e onde as inveja? Como dizia Cartola, sei que errei, errei inocente. (risos). Paguei caro os erros mais grosseiros, como trair de forma exagerada e à luz do dia. A gente vai aprendendo. Isso não significa que não continue levando umas bolas nas costas. Os relacionamentos sempre terão essa marca da tragicomédia. Não tem jeito. O que mais invejo nas mulheres é o choro em público. A gente é educado a não exercer essa choradeira. Isso é péssimo. Invejo o choro soluçado das moças. Seja na firma seja no metrô, em plena segunda-feira.
Amor e futebol se misturam? Dá pra atender a mulher sem perder os lances do jogo? (risos) Pior é quando a mulher tenta uma discussão de relação, a mitológica D.R., em plena final de campeonato. Você tentando ver o tira-teima do pênalti e ela vociferando. E com razão em quase tudo, o que é bem pior pro nosso lado. Outra coisa maluca é quando ela não entende ainda que, diante de uma derrota clamorosa, o domingo está estragado: não há apelo erótico que funcione. Nem com aquele banquete de ostras do Casanova. Mas esse drama está sendo amaciado: muitas mulheres são malucas pelo futiba também, principalmente as corintianas. (risos).
Sexo além das crônicas…Tem uma vida sexual feliz? Qual o papel dele na sua vida desde a adolescência até agora? Embora seja consultor sentimental desde cedo, no tempo em que nem havia transado direito com uma mulher, demorei a sair da fase das vidas secas. Era tímido ao extremo e sempre pensava: não é possível que uma mulher resolva dar para mim, com tanto homem no mundo. (risos). Depois saquei que se o galã ganha por nocaute, um mal diagramado como eu pode vencer por pontos. Aprendi a rir de mim mesmo e gozar a vida. Aí já na casa dos 25. Impressionante como as mulheres são generosas: dão até para mim, repare que belo absurdo. E isso não tem nada a ver de ter me tornado um pouco conhecido, chovia mais na horta quando eu jamais tinha aparecido na tevê, por exemplo – o HD acho que hiperbolizou, revelou a minha real feiúra. Uma coisa que me deixa feliz é que sempre seduzi mais as moças pelo que escrevo -ah, nada me envaidece mais do que quando elas citam uma frase das crônicas- do que pelo aparecimento e a palhaçada televisa.
“Mulheres Extraordinárias” é seu mais novo livro, nele você exalta nossas artistas de ontem e de hoje e faz declarações escancaradas, mas fora dos holofotes da mídia, o que faz uma mulher ser extraordinária? Mesmo a maioria das mulheres do livro sendo famosas -da pornochanchada até as novíssimas cantoras-, o critério da edição foi o mesmo que uso na vida: tesão ou admiração, em muitos casos as duas qualidades juntas.
Histórias não lhe faltam, nem as que vive, tampouco as que cria e conta. Isso é sinal de uma vida boa? É sinal de uma vida intensa, com momentos de “bela vida”, no sentido da imitação dos filmes do Fellini e da sacanagem da “Pornopopeia” do Reinaldo Moraes. Mas também com muita angústia e a inevitável melancolia dos domingos, como é a vida na sua normalidade implacável. Sem se falar no grande castigo de Deus: a ressaca. Depois dos 50, a ressaca vira uma dengue, uma dengue existencialista, mas estamos no jogo.
Sartre e Padre Cícero na sua vida, qual o papel de cada um? Como nasci e vivi até a adolescência no Cariri, meu “Padim Ciço” era a ideia de fé suprema, acima de Deus até, como para muitos da região. Sartre e Camus -hoje sou do time de Camus- desconstruíram a ideia de uma vida besta, leve e cor de rosa, ali nos 18 para vinte e poucos anos. Tanto o Padim quanto o existencialismo são duas religiões ao seu modo. Foram fundamentais para me preparar para a sacanagem de fato da vida.
Infância no cariri cearense, juventude no Recife, vida adulta em São Paulo e Rio…No que deu essa misturada toda? Nesse homem bagaceira que tem um pouco de cada lugar no que escreve e no que diz. É a feira do repente e do improviso, o caos e a lama do mangue beat, o acento da modernidade da pauliceia e agora o lirismo do último botequim que fecha em Copacabana. Só um bar Brasil.(risos)
Aí você tem de um lado as amigas bacanas reclamando da falta de homens que querem compromisso, do outro amigos bacanas falando das meninas que não querem nada sério…ops! Será a vida a arte do encontro, como dizia Vinícius? Agora você tocou no homem certo: Vinícius. Sim, a grande arte é o encontro, e esta arte não está nas redes sociais nem em um aplicativo. Isso até funciona para uma transa, é prático e dá uma baixada de bola na carência, mas o olho no olho, de preferência em uma mesa de bar, ainda é a mais avançada das tecnologias do amor e do sexo.
Jornalista, apresentador, mas conselheiro sentimental parece que ganha destaque no seu currículo, será? O conselheiro sentimental é um traço da minha crônica, na tevê também levo a pauta da minha crônica, seja na mesa redonda de futebol ou nos programas de comportamento. Eu sou esta crônica. Cronista do amor louco seria uma definição apropriada -para lembrar o filme que gosto muito, baseado em uma narrativa do velho Bukowski.
Você é da velha guarda do jornalismo, usou a máquina de datilografia antes dos teclados (não estou te chamando de antigo, hein?!), foi do impresso, hoje tá na web…Os meios mudaram, os fins também? Só mudou a velocidade das coisas. O resto é tudo a mesma zorra. Jornalista é jornalista, puta é puta, menino é menino, cachorro é cachorro, como diria o gênio cearense Falcão.
Como foi viver a fase de “Amor & Sexo” e o como você definiria isso na sua vida fora da TV? Este ano participei da minha terceira temporada no programa. Dou pitacos para os roteiros e tiro uma onda como jurado. Mais uma vez é o cronista levando seus assuntos para a tevê, nada mais que isso. É ser pago para admirar, babar pela Fernanda Lima de perto, digamos que já fiz trabalhos mais difíceis para ganhar a vida. (risos). Fora da tevê me pego sempre confundindo essas duas coisas. Às vezes acho que é só sexo e quando reparo direito é amor. Às vezes me iludo que é amor e é apenas um sexozinho mais ou menos. Sou um romântico, um trágico romântico em pleno 2014.
Agradecimentos: Henrique Alqualo (fotos) / Cafofo Pub (locação) / Site: Oh, Pina!