CARREIRA: DIÓGENES CARVALHO E SEUS NOVOS DESAFIOS

Diógenes Carvalho é advogado bem-sucedido, reconhecido professor universitário com diversos livros publicados na área do Direito, modelo de marcas nacionais, já desfilou nas edições da SPFW e, ora, descobre os palcos na meia idade. Acontece que Deus não foi democrático ao conceder beleza e talento para o resto da humanidade em comparação com o que dispensou a Diógenes, pois, enquanto a maioria de nós se esforça para fazer mal e mal uma coisa só, Diógenes é uma espécie de multitalento – escreve bem, fala muito bem, fotografa bem, na frente e atrás das câmeras, toca piano, faz aula de percussão, aquarela e teatro. Já ocupou diversos cargos jurídicos na cena nacional e internacional, possui diversos títulos acadêmicos (da especialização ao pós-doutorado), dono de beleza expressiva e charme implacável.

Já foi nossa capa, quando a carreira de modelo o descobriu e despontou na cena da moda paulistana, em editoriais de moda, SPFW e Casa de Criadores. Entretanto, o teatro surgiu como um caminho possível e tem mudado a sua rotina nos últimos tempos. Está ensaiando uma peça chamada “Café Quintana”, para estrear este ano, com a direção do experiente e conhecido Carlinhos Machado. Ele fará o garçom Juvenal juntamente com o ator Pedro Lourenço.

Começou a estudar teatro na FAAP, com a diretora e atriz Yara de Novaes, em um curso chamado “Teatro Para Executivos”. Lá no curso exercitou a leitura, a expressividade, a escuta, a improvisação, a criatividade e a consciência corporal. Na sequência, caiu nas mãos da diretora, cineasta e atriz Raíssa Gregori, que já roteirizou e produziu muita coisa no cenário audiovisual brasileiro e, atualmente, destaca-se no cinema nacional por seus trabalhos como preparadora de elenco. Depois participou de um grupo estudos no TAPA e chega até aqui com tudo isso a compartilhar. 

Como foi começar a estudar teatro? Lembro-me, perfeitamente, da primeira aula. O tema era a compreensão da “Presença”, como uma capacidade de se dedicar integralmente ao momento e à entrega na vida e no palco. A Yara passou um exercício para casa e, naquela semana, deveríamos ficar o tempo todo “em presença”, ou seja, prestando a atenção na escovação dos dentes, na forma de tomar banho, olhando diretamente nos olhos das pessoas ao conversar, andar pelas ruas fazendo contato visual etc. Achei aquilo extremamente difícil e percebi o quanto eu vivia sem presença. As falas da professora me encantavam e faziam total sentido com a busca a que eu me propunha naquele momento. Depois parti para outros cursos, fui conhecer outros métodos e tive uma experiência com o Grupo Tapa, umas das mais importantes companhias de teatro brasileira, com 40 anos de atividade. Ali tive o prazer de conviver e integrar, por um semestre, um grupo de estudos voltado à exploração, treinamento e aperfeiçoamento de técnicas corporais fundamentais à atuação, liderado pelos atores Adriano Bedin e Bruno Barchesi. Eu nunca tinha pensado em fazer teatro, mas sempre amei ser dele, um espectador. Vindo de Goiânia, capital que a cada ano amplia a sua cena cultural, acompanhei tudo que entrava em cartaz na cidade quando morava lá, especialmente os espetáculos no Teatro Goiânia, já que o meu pai é dono da pizzaria mais antiga da cidade, fundada em 1966, que fica no centro da cidade, a um quarteirão do teatro. Por muito tempo, morávamos bem perto e quase todos os dias, eu acompanhava meu pai à pizzaria, espaço de muitas histórias, relatadas e vivenciadas nesses anos todos, com encontros entre artistas, músicos e escritores.

A casa é sempre muito cheia aos finais de semana e, ainda hoje é o lugar perfeito e sempre escolhido por todos após os espetáculos. Meu pai apoiava algumas peças e por essa razão, íamos assisti-las, outras vezes ia sozinho mesmo, se não achasse companhia. Eu também tinha um tio, casado com a minha madrinha Dinha, já falecido, que era cenógrafo e sempre aparecia com convites e promessas de que iriamos ver e falar com os atores na coxia (rs)…Tantos anos depois, chegando a São Paulo, passei a consumir muito teatro – quase uma overdose. Hoje já nem é mais entretenimento e, sim, voracidade, como um alimento para o espírito e uma forma de estudar e aprender. Os meus amigos todos já sabem e sempre que me chamam para sair aos domingos, já dizem: “pode ir depois do teatro…” (rs). Tentando resumir toda a história, conheci o Carlinhos quando fui assistir o Rodrigo Simas em Hamlet, no Teatro Viradalata. Uma peça fantástica que ele produziu e que ganhou vários prêmios. Na sequência, ele assistiu a um vídeo meu, que tinha postado na rede social, gravado com a Raíssa. Conversamos algum tempo sobre essa possibilidade de ensaiarmos uma peça, que na verdade, são verdadeiras aulas que Pedro e eu temos ultimamente. 

Você já tinha cogitado ser modelo ou ator em algum momento da vida?  Quando criança, não pensava em ser ator e nem modelo. Até participava de peças na escola. Após assistir ao espetáculo “Confissões de Adolescente”, lembro de brincar de interpretar algumas cenas com os amigos do Edifício Baiocchi, onde eu morava, no centro de Goiânia. Acho que eu tinha uns 11 ou 12 anos na época. Meus amigos eram bem criativos nas brincadeiras, porque tinham vindo do Rio e trouxeram as experiências deles no universo das artes e teatro. A Andréia inclusive tinha feito escola de teatro infantil no Tablado antes de se mudar para Goiânia. Acabei cursando Direito, tornei-me Professor e Advogado e a vida tomou esse rumo. De certa forma, acabei por voltar ao “palco” na condição de professor, já são 23 anos de sala de aula, ocupando uma posição de muito estudo e muita exposição. Talvez existisse ali, um desejo inconsciente de atuação. Tenho uma amiga muito sensível que me mandou um texto de aniversário que começava com um trecho de Guimarães Rosa: “Quem elegeu a busca, não pode recusar a travessia” e ela me define como um” buscador” de experiências, vivências e sensações. E eu acho que é isso mesmo. Coisa de quem se sabe inacabado? Eu sou extremamente curioso com a vida.

E como é conciliar as profissões, vidas e espaços tão diferentes? Pois, o Direito é muito mais formal e sério que o mundo da moda e teatro. Foi muito difícil no começo, pois comecei a querer separar muito os dois mundos. Na primeira campanha que eu fotografei, demorei muito a postar nas redes sociais, porque achava que não combinava em nada com o meu perfil profissional, de uma carreira jurídica já consolidada. Fiquei confuso e pensava que isso poderia prejudicar a minha imagem com clientes, alunos e sócios do escritório. Surgiu um medo muito grande e muita dúvida sobre como conciliar duas imagens em uma pessoa só. Para o mundo jurídico e acadêmico eu preciso ser uma pessoa mais séria e formal, enquanto, para o mundo da moda, do teatro e das artes eu deveria ser o cara descolado e descontraído, que aliás, verdadeiramente sou. Eu demorei a entender que podemos ser muitas coisas ao mesmo tempo e sem a necessidade de ser uma só coisa, para cada grupo. Quando eu passei a entender que é perfeitamente possível ser múltiplo, para todos que estão à minha volta, foi libertador; passei a reconhecer que isso é positivo! Um dia marquei uma reunião de almoço com o meu supervisor de pós-doutorado da USP, em um restaurante no Itaim, para discutirmos os rumos da pesquisa, das orientações e do grupo de pesquisa que geríamos juntos. Durante o almoço, ele me perguntou: “Diógenes, você também é modelo?” e, naquele momento, percebi que não precisava mais ficar separando uma história da outra. Percebi, ao mesmo tempo, uma validação na fala dele, um dos professores que tenho como exemplo de acadêmico e estudioso do Direito. E, enfim, depois de mais de um ano desse turbilhão de coisas, eu consigo me ver como essa pessoa com vários interesses, não tenho uma única história e cada vez mais, vejo as pessoas gostando disso e se sentindo inspiradas.  

A experiência da SPFW foi muito interessante, pois, depois do meu desfile, eu recebi milhares de mensagens no direct do Instagram e áudios no WhatsApp de pessoas com as quais eu já não convivia há anos, como por exemplo, antigos colegas de trabalhos, amigos que vivem em outras cidades e não nos comunicávamos há tempos, ex-alunos etc. Teve uma mensagem que me chamou a atenção: “Que bom que você foi atrás do seu sonho” e olha, que aquilo ali para mim não era um sonho e nem uma grande realização pessoal, mas algo muito interessante e diferente que eu estava fazendo naquele dia. No backstage do desfile, acabei comentando sobre isso com a Gabriela Prioli, que estava lá acompanhando o marido, que desfilava junto comigo. Ela, advogada, contou que quando foi para a tv e para as redes sociais também sentiu dificuldade e achava que era julgada por algumas pessoas. E hoje, em dias de tantos cancelamentos, ela é alguém que tem voz ativa, se coloca bem intelectualmente e transita por todos os mundos, inclusive do entretenimento e da moda. 

Logo depois, quando saiu um editorial de moda do qual participei, comecei a receber mensagens de gente curiosa, assim: “Largou o Direito? Vida de artista?” (risos). O que me parece é que o cidadão comum se incomoda um pouco com o estilo de vida de um artista, que comumente, faz o que gosta, usa da emoção para viver, sente-se livre, não se compromete por convenções, despreza preconceitos e, pensando bem, talvez isso seja, de fato, uma afronta aos que não conseguem lidar com uma existência mais plena. 

Eu imagino que as novas gerações não querem mais seguir uma carreira só até o final da vida. Ainda que eu não seja uma pessoa da geração Z, sou da geração X, que conseguiu abandonar essa expectativa da sociedade em relação ao formalismo das profissões e missões impostas desde o berço – de escolher uma profissão, desde que seja rentável e tradicional. Acho que todo mundo deve ser livre para escrever a própria história, que pode ter grafia, letras e cores diversas. 

Você disse que seus últimos anos têm sido de muita arte. Como tem sido esse movimento de se reposicionar diante da vida? Tem sido um movimento de tentar sempre sair do lugar-comum e buscar desenvolver um olhar mais generoso sobre mim mesmo. Nada de mudança de rota ou carreira. Sou muito feliz com a pessoa que me tornei e com a carreira profissional que construí no Direito. A questão é que a arte, hoje em dia, me questiona, apresenta-me mistérios a desvendar, coloca-me diante do desconhecido. A minha impressão é que ela me impõe a subjetividade, como um caminho para a evolução. Acho que preciso das manifestações artísticas para extrair o meu melhor, em todos os sentidos. Descobri que não precisamos de muita coisa, quando se pode contar e conviver com atores, cantores, sambistas, compositores, professores, cineastas, escritores, fotógrafos, dramaturgos, escultores, designers… já é riqueza demais. 

Eu, literalmente, busquei novos cenários para viver, outros cheiros, outros hábitos, outras maneiras de falar, de pensar e existir. Demorei a acreditar que poderia fazer a diferença na vida de alguém, que teria saúde para tantos movimentos diferentes, que teria ideias para tantos projetos, que teria coração para tantos sentimentos diferentes, que seria uma imagem conhecida em campanhas de moda e teria um endereço em SP. Realmente entendi que é uma arte viver a vida! Jamais imaginaria que viver daria nisso tudo!

Como está essa convivência com o autor Mario Quintana? Quintana é meu poeta da vida afora, porque ele tem sempre o que dizer. Desses autores libertadores, que nos traz versos tão simples, mas que têm uma intensidade lírica que nos toca profundamente. E, pensando nesta entrevista, ele me faz refletir: “E só muitos anos depois viríamos a descobrir que, para os outros, não éramos precisamente isto que somos – mas aquilo que os outros veem”. Não é pelo fato de me tornar um ator aos quase 45 anos, que deixo de ser advogado, professor, modelo, pensador, articulista e malhador. 

“Café Quintana” é um presente do Carlinhos Machado, que está apostando em mim e no Pedro para esse projeto, pois Quintana sempre foi meu poeta de cabeceira, esse gaúcho que circulava pela Rua da Praia, gostava de morar em hotéis e tinha fascínio pela Bruna Lombardi.  Poeta doce e amargo, de ensinamentos rápidos, mas profundos. Poeta que parece aqueles avôs sábios e amáveis, autor de verdades, como: “Os que não são poetas, mas gostam de poesia, desafogam a si mesmos através dos poemas que leem: porque na verdade vos digo que não é o leitor que descobre o seu poeta, mas o poeta que descobre o leitor.”

Fotos Sergio Santoian