Depois dos 30, sabemos todos, a barriga cresce, a bunda entra, as pernas afinam e o pinto continua funcionando que é uma beleza, por que, algum problema? Mas enfim, para aqueles que não têm condições financeiras de compensar a irreversível degradação física com um carro conversível, resta apenas iniciar uma luta eterna e desigual contra a natureza, através de uma combinação de dietas irresponsáveis, exercícios físicos extenuantes e pactos com entidades demoníacas. Como é um tanto impraticável manter, alimentar, limpar e sacrificar cabras a Belzebu em uma quitinete, decidi que entrar em uma academia talvez fosse uma maneira digna de cuidar um pouco mais da aparência. Afinal de contas, o Verão já está aí, o Carnaval vem logo depois e quando a gente menos espera, a recepcionista já está chamando nosso nome na sala de espera do proctologista. Depois de quase 10 anos sem pisar em uma academia, eu estava um tanto apreensivo e tinha sérias dúvidas acerca da minha capacidade de adaptação àquele ambiente. Conheci o instrutor, que foi me explicando como as coisas funcionavam no local.
– Véi, é o seguinte: praticamente só tem homem nessa merda. Parece alistamento, um bando de macho suado malhando sem parar. E eles fedem. É a dieta de proteína e o excesso de anabolizante. Sai pela pele, sabe? Por via das dúvidas, é melhor você trazer sua própria água. Não confie no bebedouro e não aceite nenhum líquido que lhe ofereçam. Você pode acordar no dia seguinte com suas partes íntimas do tamanho de um plâncton. Vai por mim.
– Hmm. Ok. Vou me lembrar disso. Posso… posso começar?
– Vai lá, meu filho. Qualquer dúvida, me procure. Eu vou estar naquele canto, rodeado pelas únicas mulheres do recinto.
Fui seguindo a ficha, que indicava quais máquinas usar e os exercícios que eu deveria realizar, em uma ordem específica. Os alto-falantes despejavam música eletrônica em um volume ensurdecedor. Homens gigantescos passeavam de um lado para o outro, aparentemente utilizando todas as máquinas ao mesmo tempo. Um deles era tão grande que os outros frequentadores usavam o bíceps suado dele como espelho para corrigir postura. Outros já chegavam para malhar devidamente besuntados, como se estivessem prontos para uma rodada de luta greco-romana ou acabassem de cumprir um turno fritando coxinha. Entravam no ambiente deslizando, socialmente lubrificados e brilhantes. Rapidamente, aprendi que um estranho contrato social se operava ali. Havia uma hierarquia, baseada nas dimensões do tórax e na quantidade de peso levantado. Recém-chegado, encontrava-me não na base da cadeia alimentar, mas fora dela, um elemento estranho incapaz de ser ao menos notado pelas outras pessoas.
Depois de alguns minutos de exercício solitário, uma moça bonita se aproximou. Com um sorriso, apontou para uma maromba semelhante a um eixo de caminhão que estava solta no chão emborrachado e perguntou se eu a estava usando. Devolvi o sorriso e esclareci que não, eu estava usando outro peso. Ingenuamente, ergui o ridículo halter colorido em minha mão, pouco mais pesado do que um celular e certamente reservado para crianças de colo, idosos operados e pacientes em coma. O sorriso dela deformou-se em uma expressão muito semelhante à de uma pessoa que acaba de encontrar algo viscoso na sola do sapato. Afastou-se sem mais uma palavra, levando a enorme maromba com uma mão só. Reuniu-se com algumas amigas e começaram a falar e soltar sonoras gargalhadas, enquanto olhavam em minha direção com um misto de pena e divertimento. No intervalo entre uma música e outra, pude distinguir algumas palavras, como “virgem”, “tabaco leso” e “pinto pequeno”, mas pode ter sido apenas a minha imaginação. Passei para o supino horizontal, deitando de costas em um acolchoado que cheirava a azedo. As últimas repetições levavam meus braços a tremer perigosamente. De repente, escutei uma voz masculina sussurrando próxima demais do meu ouvido.
– E aí, meu querido? Tá a fim de um toque aqui atrás?
Com meus braços lutando para não derrubar a barra sobre a minha própria laringe, meu corpo entrou automaticamente em posição de defesa, cerrando minhas nádegas de forma a oferecer o máximo de proteção à minha retaguarda. Nem mesmo um alfinete conseguiria invadir meu espaço íntimo.
– Um…um toque? Atrás? Não, cara, eu…eu acho que eu não…
– Besteira. Já vi que você é dos que precisa de um de vez em quando. Lá vai, heim? Se prepare.
– Não…não! Pelo amor de Deus! Deixa eu…deixa eu pelo menos ligar pra minha mãe e…
– Agora! Huuuuuuuuuuuuuuuuuu!
– Gaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!
Em um esforço sobre-humano, ergui a barra de ferro até a altura dos suportes. Achei que a adrenalina gerada pela perspectiva de ser violado por um halterofilista anônimo havia me dotado temporariamente de uma força não natural. Na verdade, um frequentador aleatório da academia, ao perceber que eu não teria condições de terminar minha série sem sofrer um acidente fatal, havia oferecido ajuda e era ele quem segurava o peso sobre a minha testa.
Em um misto de constrangimento e alívio, verifiquei que “dar um toque” é uma gíria comum no ambiente das academias e que a minha pureza continuava intacta. Ainda trêmulo, decidi voltar para casa, concluindo que o dinheiro investido na mensalidade da academia teria sido melhor empregado em um livro de auto-ajuda que me fizesse aceitar meu corpo da forma que Deus me deu e do jeito que eu o vinha tratando nos últimos 15 anos. Conformado, fiz as pazes com a minha barriga e decidi me tornar escritor.
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