Nascido em Cachoeiro do Itapemirim, terra de Roberto Carlos e Rubem Braga, Charles Fricks é também cidadão carioca, afinal já são décadas morando na Cidade Maravilhosa onde tem atuado de forma brilhante no teatro, na TV e no cinema. E pensar que tudo começou nas apresentações do colégio em um tempo onde a carreira artística era instável e causava receio nos familiares. Mas acreditar no que se quer e ter vontade para seguir em frente fez com Charles fosse adiante e conquistasse diretores, público, críticos e outros colegas atores. Foi na Cia de Atores Laura que ele encontrou um lar para si e para seus anseios artísticos. Vencedor de prêmios importantes Charles mantém os pés no chão, mas a cabeça, ah essa voa no mundo da imaginação para dar vida a personagens inesquecíveis como o Poderoso Chefão retratado neste ensaio.Charles Fricks, de onde vem esse nome com cara de presidente ou escritor americano?! (risos) Pois é… Meu nome completo é Charles Fricks de Andrade. Usei apenas o sobrenome materno por achar mais sonoro. O “Fricks” vem do meu tataravô que veio da Alemanha. E o “Charles” foi culpa de algum filme que minha mãe assistiu na sua juventude e decidiu colocar no seu primogênito.
Você começou cedo a carreira artística. Alguma influência? Minha lembrança mais remota de assistir a uma manifestação artística vem da escola mesmo. Ainda criança, bem pequeno. Desde espetáculos de dança e teatrais promovidos pelo corpo docente da escola até, mais tarde, em aulas de teatro na quinta série. E foi durante essas aulas, nos ensaios de TRIBOBÓ CITY (infantil de Maria Clara Machado) na Escola Jesus Cristo Rei, que fui me apaixonando pelo palco. À época tive muito apoio de poucas pessoas (alguns professores, alguns amigos, alguns parentes). Querer fazer teatro, nos idos de 1980, no interior do Espírito Santo, não era das escolhas mais estimuladas pelos outros. Pra seguir em frente tive que ter muita resistência e vontade. Hoje a profissão é vista de forma diferente. Estar envolvido em manifestações artísticas é motivo de orgulho, em muitos casos.
A década de 80 foi uma das décadas de maior efervescência cultural? Alguma outra depois se compara? A década de 80 era de uma cafonice só. É verdade. Atire a primeira blusa verde-limão com ombreiras quem não concordar. Entretanto tenho a sensação de que quando se é criança e pré-adolescente, seja em qual década, levamos pra vida o que vimos e vivemos ali. Não dá pra explicar para a garotada de hoje o que significou para nós (hoje quarentões…), o surgimento da banda Blitz, por exemplo. Aquela mistura de conceitos de new wave, cultura-pop, humor, quadrinhos atrelado ao início da abertura da democracia, ao movimento de rock brasileiro e tantas outras manifestações artísticas. Ser adolescente no final dos anos 80 era uma avalanche de novas referências misturadas aos novos hormônios e liberdades recém-adquiridas. Mas não sou saudosista quanto a isso. Sei que cada década tem o seu charme. Quero sempre acreditar que a melhor fase da minha vida é agora.
Você é multimídia: teatro, TV, cinema. O que vier tá valendo, ou você é criterioso nas suas escolhas independente das oportunidades que possam representar? Nossa profissão é cheia de altos e baixos. Desde épocas de colheita farta a muitas entressafras. Nem sempre podemos nos dar ao luxo de escolher fazer apenas o que queremos. Quando se está começando na carreira, então, isso é quase impossível. Não dá pra ficar escolhendo muito. No começo, como sempre tive muito medo de não conseguir sobreviver trabalhando apenas como ator, como era meu desejo, cada vez que recebia algum cachê eu pensava no quanto eu poderia guardar. Porque sabia que poderia demorar um bom tempo para conseguir outro trabalho. Penso assim até hoje. Ter alguma reserva financeira ajuda a trazer a liberdade de escolha e direcionamento da carreira. O que também acontece muito é a “bola de neve”. Cada trabalho que fazemos traz outros convites que, geralmente, dialogam com o anterior e assim sucessivamente. Uma vez ouvi alguém dizer que “cada um tem a carreira que escolheu ter”. Guardo isso pra vida.
Seu primeiro trabalho na TV foi na série “Chiquinha Gonzaga”. Como foi estar ali junto de grandes estrelas como Regina Duarte? Em que pese tudo isso já mencionado: trabalhar com um dos grandes ícones da TV brasileira (Regina Duarte), participar de uma minissérie da Globo, o nervosismo de um primeiro trabalho de grande repercussão aos 20 e poucos anos etc. O fato de fazer tudo isso junto a Cia Atores de Laura foi uma grande alegria pra mim. Éramos uma trupe de teatro que se conhecia há mais de 6 anos, à época, fazendo teatro na TV. Isso facilitou muito.Você já foi indicado e ganhou vários prêmios por sua atuação. Isso envaidece, orgulha? Qual sua relação com essa coisa de premiação? Claro que envaidece, claro que orgulha. Isso é inegável. A questão é como cada um lida com isso. Minha primeira indicação a um prêmio importante (Shell) foi em 2002 com AS ARTIMANHAS DE SCAPINO, de Moliére. Quando vi meu nome pela primeira vez ao lado de pessoas que admirava tanto (Tony Ramos, Caco Ciocler, Lázaro Ramos, Andrea Beltrão entre outros) foi quase um choque (risos). Com O FILHO ETERNO (Prêmio Shell e APTR) também foi fortíssimo, mas vem mais calmo. Talvez a idade. Talvez o ineditismo que já passou. Mas o fato de um grupo de pessoas de teatro assistir a todas as peças em cartaz no Rio de Janeiro e escolher o seu nome dentre tantos trabalhos lindos, é motivo de orgulho pra qualquer um. Só não podemos acreditar que somos o “melhor ator” a vida toda. A luta continua meu amigo. O suor é diário e manter a cabeça no lugar é um exercício pra vida.
Ter ganhado o prêmio Shell ano passado surpreendeu mais a você ou à crítica (de jornalistas e colegas)? Ganhar o Prêmio Shell (e o APTR) ano passado foi uma das maiores alegrias da minha vida por vários motivos: ser lembrado novamente em um ano com tantos trabalhos de amigos queridos e talentosos; ser indicado novamente com meu diretor-parceiro-amigo de quase 20 anos, Daniel Herz ( indicado ao Shell melhor direção ADULTÉRIO); receber indicação por um espetáculo com um texto tão forte e delicado como O FILHO ETERNO; ser meu primeiro monólogo. Além disso, tudo jamais vou esquecer os gritos e manifestações de carinho dos meus colegas quando o meu nome foi anunciado na premiação. Esses gritos ecoam na minha cabeça a cada vez que me lembro daquela noite. Fica aqui o meu agradecimento profundo a todos os meus colegas da classe teatral.Estamos realmente mais preparados para as críticas do que para os elogios? Acho que sim. Mas com o tempo (ahh… o tempo) vamos aprendendo a lidar melhor com isso. Lembro de uma crítica ruim que recebi da Barbara Heliodora em HEDDA GABBLER. Dedicava quase um parágrafo inteiro para falar mal do meu trabalho (risos). Li aquilo e juro que não me abalei na hora. Mas naquela noite, na hora do espetáculo, senti o peso da crítica na minha cabeça. Não conseguia fazer o meu trabalho direito. Mas foi somente naquela noite. Desde então nunca mais me abalei dessa forma.
O que a Cia de Atores de Laura significa pra você? Ela significa o que eu SOU. Não sei como seria o meu trabalho, a minha vida no Rio de Janeiro se não tivesse encontrado esse grupo de pessoas em 1994. O pouco que sei sobre teatro vem muito do que aprendi com eles. Sobretudo com Daniel Herz e Susanna Kruger (co-fundadora e ex-diretora da cia). Hoje somos 9 integrantes. Eles são a família que escolhi pra viver no palco.
“Hoje é dia de Maria” e “Capitu”, foram séries com uma estética e narrativa totalmente diferenciadas do padrão da TV. Como você vê a aceitação de produções ousadas e inovadoras como essas? Como foi participar? Luiz Fernando Carvalho utiliza em seus trabalhos elementos que já conhecemos e consegue fazer um trabalho iconoclasta na TV brasileira. Ao misturar elementos de circo, teatro, cinema, TV, artes plásticas ele enche nossas almas de poesia na TV. Seu trabalho é único e sou muito orgulhoso de tudo que fiz com ele. Acho uma pena que, geralmente, seus programas sejam exibidos tão tarde. Se a grande massa brasileira tivesse mais acesso a obras como as de Machado de Assis (CAPITU), por exemplo, que revolução seria. Participar de um processo com o Luiz é algo único na TV brasileira. Ensaiávamos mais de 6 horas por dia durante 3, 4 meses. Tínhamos aula de máscara, música, canto, palestras, oficinas de composição de personagem, durante 3 meses. Gravando um material que seria exibido em 5 dias. Algo impensável para os padrões de produção em TV.Esse é o ano do centenário de Nelson Rodrigues. Em sua opinião o que ele representa para a dramaturgia brasileira? Vou falar o “óbvio ululante”, mas ele é o nosso grande dramaturgo brasileiro. Foi revolucionário ao levar para os palcos personagens tão brasileiros numa época em que tudo tinha um sotaque estrangeiro. Criou uma obra com características próprias, diálogos rápidos, elevou personagens do subúrbio do Rio de Janeiro a condição de protagonistas dos espetáculos, criou frases antológicas e nos influencia até hoje. Acho que todo ator brasileiro deseja fazer alguma peça do Nelson.
Com que diretores já trabalhou e o que aprendeu com cada um deles?
Sou um grande admirador de todos os diretores com quem já trabalhei. Gosto da parceria com o diretor. Preciso deles. Me sinto mais seguro com o olhar de fora. Com Aderbal Freire-Filho aprendi sobre Borges, sobre poesia, sobre a felicidade e juventude de um rapaz de 70 anos apaixonado por teatro. A cada ensaio ele chega com ideias surpreendentes para o espetáculo. Com Walter Lima Junior o olhar de um diretor de cinema sobre os palcos. Um homem delicado que ama o ser humano e fala disso em seus trabalhos. Sempre preocupado em ajudar o ator da melhor forma possível. Com Henrique Tavares, que também é autor, tive uma breve parceria durante duas temporadas prazerosas. Sempre aberto ao que o ator tem pra contribuir ao processo.
A minha primeira peça profissional no Rio de Janeiro foi dirigida por Hamilton Vaz Pereira. Além dele ser parte da história viva do teatro brasileiro , ex-diretor de um dos mais importantes grupos teatrais (ASDRÚBAL TROUXE O TRAMBONE), Hamilton é um grande contador de histórias, um Menestrel. A forma como nos contava as histórias da ILÍADA, de Homero, ficou para sempre na minha memória. E Daniel Herz é, sem dúvida, o diretor com o qual mais me identifico nessas quase 2 décadas de trabalho em conjunto. Generoso, inteligente, amoroso e acima de tudo um apaixonado pelo ator. Sempre aberto ao que temos para oferecer, sempre trazendo desafios a serem superados em cada ensaio. Desenvolvemos uma linguagem tão próxima a ponto de entendermos o que cada um quer com poucas palavras.
O que guarda da sua origem capixaba? Acho que jamais deixarei um jeito capixaba-do-interior de ser. Seja lá o que isso signifique. É aquilo: você pode sair de Cachoeiro, mas Cachoeiro jamais sairá de você (risos). Mantenho aquele mesmo orgulho quando alguém ressalta: Ah, você é da terra do Roberto Carlos, do Rubem Braga…!
O Rio de Janeiro já se tornou seu lar ou ainda é o lugar que você foi pra trabalhar? O Rio de Janeiro é a minha casa. Amo essa cidade. Não me acostumo com o visual deslumbrante da Lagoa Rodrigo de Freitas, com a enseada de Botafogo, com as casas de sucos de todos os sabores, com o sotaque carioca, com a curva sinuosa da praia de Copacabana, com a vida cultural… Já tenho mais tempo de vida no Rio do que em Cachoeiro de Itapemirim. Sou completamente adaptado à cidade e suas idiossincrasias.
Nesse ensaio que ilustra essa entrevista você encarnou o Poderoso Chefão. Como foi compor esse personagem para esse ensaio? Como foi fazê-lo? Recebi o convite para um ensaio fotográfico com Sergio Santoian. Pedi para que a sessão fosse inspirada em alguma coisa, algum personagem. Sergio sugeriu que pensássemos em algum filme e o arquiteto Glauco dos Anjos me deu a ideia: O PODEROSO CHEFÃO. Geralmente não me sinto muito a vontade em sessão de fotos. Mas a ideia do Sergio de criar o personagem de um ator como se estivesse ensaiando para O PODEROSO CHEFÃO foi libertadora.
Qual seu próximo passo? O FILHO ETERNO não para. Estamos recebendo vários convites para nos apresentarmos pelas cidades brasileiras e até no exterior. Estou terminando de escrever esta entrevista em meio a montagem de O FILHO ETERNO no Theatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, no Ano Brasil-Portugal. O FILHO ETERNO ainda tem muita estrada para percorrer.
Fotos: Sérgio Santoian
Assistente de fotografia: David Zoega
Produção: Jhon Santana