ENTREVISTA: DIÓGENES CARVALHO – DO DIREITO PARA O MUNDO

Nascido em Goiânia, Goiás, Diógenes Carvalho, é muito mais que um advogado. Com Pós-doutorado em Direito, Doutorado em Psicologia, Mestrado em Direito, Pós-graduado em Psicanálise Clínica, Diploma de Direito Europeu e formação complementar em Direito do Consumidor no Canadá, Diógenes também atua como professor na graduação e programas de pós-graduação lato e stricto sensu no Brasil. Integra o grupo de Experts em Direito do Consumidor e Política (IGE) das Nações Unidas (ONU) que está sob o mandato e coordenação da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas em Comércio e Desenvolvimento). Foi convidado para Coordenar a área de Consultoria Técnica e Sanções Administrativas da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, no Governo Federal (2021/2022). Recebeu diversos prêmios e reconhecimentos. Já orientou dezenas de dissertações e teses acadêmicas. Com o conhecimento adquirido ao longo da sua trajetória, Diógenes atua como palestrante em eventos no Brasil e no exterior, valendo destacar passagens por países como Alemanha, Holanda, Austrália, Inglaterra, Portugal, Espanha, Argentina, Itália, China e diversos outros. Como se não bastasse, é autor de vários livros e dezenas de artigos publicados no Brasil e no exterior. E para relaxar, se dedicou a fotografar. Pura inspiração para um homem que vai muito além e nunca para.

Advogado com pós-doutorado em Direito do Consumidor e doutorado em Psicologia (Economia Comportamental). Mais bem preparado impossível na temática do Direito do Consumidor. Como foram esses estudos? A proposta da pesquisa de doutorado, transformada em um livro publicado (já esgotado), foi a de reconhecer a proteção do consumidor endividado a partir de uma vulnerabilidade cognitiva e psíquica, uma vez que os consumidores são inicialmente vítimas de um grande impacto psicológico das mudanças sociais e imposições culturais. A ideia naquela época foi de confirmar (e demonstrar) as limitações humanas no processo da tomada de decisão de consumo a partir da Economia Comportamental como ferramenta de proteção social na revisão e criação de novas leis, a partir do momento em que esses padrões comportamentais são identificados.

Já no pós-doutorado realizei um estudo sobre o paradigma tecnológico dos contratos de consumo digital e da economia das plataformas. Desse estudo, resultou uma obra em co-autoria com Ministro da Suprema Corte Argentina Ricardo Lorenzzetti com os professores Bruno Miragem e Claudia Lima Marques, com o título: Contratos de Serviços em Tempos Digitais: contribuição para uma nova teoria geral dos serviços e princípios de proteção dos consumidores, pela Revista dos Tribunais.

Você desenvolveu uma pesquisa sobre o consumo, consumismo e (super) endividamento. Como percebe isso hoje em dia? O consumo atual, a partir de uma perspectiva geral, preenche uma dupla função do ponto de vista do indivíduo: satisfação de necessidades e realização de desejos. Esse sentimento está diretamente vinculado à Economia, Psicologia, Antropologia Cultural e Sociologia do Consumo, reforçando a associação entre prazer, satisfação e valor econômico. O crédito facilitado aos consumidores contribui para a realização pessoal, refletindo em maior capacidade de compra, qualidade de vida e satisfação.

A economia comportamental descreve que as pessoas demonstram comumente limitada racionalidade em seus processos decisórios e que o crédito ao consumidor facilita o consumo. Os indivíduos supervalorizam os benefícios do “compre agora” e minimizam os encargos do “pague depois”. Tratam-se de ilusões cognitivas e de atalhos mentais para a solução imediata de problemas. São escolhas inconscientes que sempre priorizam a maximização do bem-estar momentâneo.

As pesquisas mais recentes apontam que mais de 70% das famílias estão endividadas. Nesse contexto, um bom percentual das famílias comprometem mais de 50% dos seus rendimentos com o pagamento das dívidas. Assim, tivemos uma atualização do Código de Defesa do Consumidor pela Lei 14.181, de julho de 2021, que dispõe sobre a prevenção e o tratamento do consumidor superendividado. Essa nova lei procura enfrentar o problema, a exemplo da legislação francesa, que foi fonte de inspiração para importantes autores no Brasil, que defenderam a adoção de semelhante encaminhamento legislativo. O novo paradigma trazido pela Lei 14.181 é o atendimento ao princípio da não exclusão social e dignidade dos consumidores.

Como foi se enveredar para a área da Psicologia e aplicar esses conhecimentos ao Direito? Os quatro anos de doutorado na Psicologia foram os anos de maior crescimento pessoal, pois li tudo que chegou em minhas mãos. Da psicanálise à comportamental. E peguei emprestado um monte de sabedoria para poder elaborar a minha. Naquele período, foi me colocado por uma reconhecida professora e amiga que o término do doutorado em Psicologia revelava um momento de maturidade intelectual. Ela me recordou, naquela época, uma passagem de Fernando Pessoa. Em ‘tudo se evapora”, lá Pessoa relata seu sentimento de espanto ao encontrar e reler um seu escrito antigo: “como eu avancei para o que eu já era ?” foi a pergunta que o poeta se fez e talvez tenha sido essa a minha sensação: alegria, entusiasmo e surpresa.  

Após esse estágio de maior “maturidade”acadêmica,  tive a oportunidade de presidir o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor BRASILCON (2018-2020), um legítimo guardião, uma verdadeira fortaleza de criação e divulgação de materiais consumeristas, referência em matéria de Direito do Consumidor no Brasil, o que me concedeu uma efetiva projeção nacional e internacional e permitiu-me contribuir para o crescimento da defesa do consumidor utilizando-me de todas essas temáticas

Palestrante em diversos países, como percebe o cenário de consumo global? As novas demandas chegaram fortes, reivindicando proteção de dados e de intimidade, pleiteando guarida à privacidade do consumidor. É a sociedade da informação pressionando por novas soluções. Smartphones, tablets, GPSs, aplicativos, startups... nomes que há pouco nos eram estranhos agora dançam em nossa língua e fazem parte das nossas vidas.

As tecnologias da comunicação e da informação revolucionaram as nossas vidas, especialmente em relação ao consumo que, progressivamente, se tornou digital. De mero meio, a internet e suas plataformas se tornaram espaços de convivência e de estabelecimento de relações jurídicas. O comércio eletrônico, cuja característica particular é a ausência de “bordas”, pois é transfronteiriço, encontramos uma  grande vulnerabilidade no e-commerce global. Assim, devemos pensar em políticas públicas harmonizadas com o intuito de proteger o consumidor e incrementar a confiança necessária para o desenvolvimento de uma economia digital saudável no âmbito global e do direito internacional privado.

No meio de tudo isso você ainda encontrou tempo para a fotografia. É uma forma de transpiração e inspiração? Como a fotografia te toca? Eu sempre fui apaixonado pelos mais diversos estilos de arte, da música à dança, passando pela literatura, teatro e, é claro, a fotografia. Fiz meu primeiro curso de fotografia em 1998. Publiquei um livro de fotos autorais em preto e branco em comemoração aos 120 anos da Faculdade de Direito da UFG, no ano de 2018. Foi um trabalho de imagem-memória, ou seja, retratar espaços, figuras e objetos com vestígios de emoções. Mas de lá pra cá, não tive mais tempo para dedicar a nenhum outro projeto. Divirto-me fazendo cliques para o Instagram e “fotografar, é colocar na mesma linha a cabeça, o olho e o coração.” (frase do fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson)

Falando nisso, na hora de relaxar o que faz sua cabeça? Quem vive em São Paulo não conhece o tédio, pois a cidade nos dá um banho de cultura: museus, exposições, teatros, shows e todo tipo de espaços culturais. Estou ávido pelas peças de teatro em cartaz. Assistindo sempre que posso tudo que está em cartaz. Assisti recentemente “Ficções”, com a Vera Holtz, um espetáculo com uma luz impressionante e um maravilhoso violoncelo. Aguardando várias estreias em março, inclusive a estreia da peça “A Herança”, com Reynaldo Gianecchini e Bruno Fagundes, e a nova peça sob a direção do Farjalla. Estou com uma programação intensa de shows incríveis até junho.  

De Goiás para o mundo e nossa capa. Agora com residência em São Paulo. Como está sendo isso? Ano novo, vida nova? Estou com quase todas as minhas atividades profissionais e acadêmicas em São Paulo neste semestre. Mas, manterei idas e vindas para Goiânia em função de aulas em um programa de Mestrado, escritório e outras atividades acadêmicas. Estou, também, com um projeto de pesquisa para iniciar um outro pós-doutorado com o tema da nova ordem digital e o comércio eletrônico. Muito focado na advocacia corporativa e nos programas de boas práticas em Direito do Consumidor para as empresas. Estive um tempo em Brasília, até março do ano passado, pois estava na Coordenação Geral de Consultoria Técnica da Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Na sequência fiquei uma temporada na Europa dando palestras e aulas na Espanha, Suíça e Itália. No segundo semestre do ano passado comecei a vir quase semanalmente para São Paulo por motivos profissionais e pessoais. Cá estou, de ano novo, vida nova. Muitos convites e oportunidades.

Mesmo seguindo o estilo de todo advogado, quando se pode deixar o terno e a gravata de lado qual seu estilo? Tenho combinado muito tênis com calças de alfaiataria e costumes. Gosto bastante de camisas confortáveis e dos tecidos tecnológicos. Para os finais de semana uso muito @j.boggo por exemplo. E desde pequeno sou encantado por relógios, em parte, porque eles simbolizam este nosso hábito necessário e incontrolável de acompanhar o passar das horas. Assim, gosto muito de combiná-los com várias pulseiras, anéis e colares para fazer um estilo próprio.

Como lida com a história da beleza. Já vimos que dá pra ser competente, inteligente, pesquisador e bonito. Como lida com o espelho e com essa novidade de convites para editoriais de moda? Até onde vai sua vaidade e do que não abre mão? Comecei a perceber o olhar dos outros sobre mim. Porém, nunca me vi como uma beleza que poderia estampar uma campanha nacional, tanto é que quando surgiu este convite no ano passado, achei que não combinava com a carreira de professor e advogado. E não banquei na época! Cuido do corpo e da mente. Faço análise três vezes por semana. Faço musculação todos os dias, tento lembrar do filtro solar. O importante é estar saudável para correr atrás do resto para me sentir realizado no trabalho e pessoalmente.

Sabemos que você adora viajar. Já esteve na Austrália (University of Sydney), Inglaterra (Brunel University London), Argentina (Programa de Intercâmbio para Corte Suprema de Justicia de La Nación Argentina, Canadá (Université du Québec à Montréal), China (Universidade de Direito de Macau), Israel (Universidade de Haifa), Alemanha (Universidade de Heidelberg e Universidade Luís Maximiliano de Munique)… Qual destino inesquecível e qual o próximo destino? Acho que a minha última temporada na Europa foi muito marcante, em especial, o período na Itália, pois tive a oportunidade de ministrar algumas aulas em uma Universidade secular (Universidade de Siena, fundada em 1240), ao lado de grandes juristas italianos e brasileiros. Por lá, observei tanta cultura, obras de arte, ruas históricas e construções que contam uma verdade universal: alguém passou por ali e deixou sua marca na eternidade.