Ator, diretor e dramaturgo, Gustavo Vaz é o que podemos chamar de um artista completo e em constante processo de criação. Com 17 anos de carreira, já venceu os mais importantes prêmios de teatro como melhor ator, é diretor da ExCompannhia de Teatro, integra o elenco de duas séries de sucesso e protagoniza dois longas-metragens dirigidos por grandes nomes do nosso cinema. Com direção de Julia Rezende, Gustavo acaba de estrear o longa “Depois a Louca Sou Eu”, baseado no livro de Tati Bernardi, onde interpreta Gilberto, um psicanalista ansioso que encontra em Dani, personagem vivida por Débora Falabella, o amor em tempos de angústia.
Ainda no cinema, e depois de integrar o elenco de produções como “Divórcio”, “O Doutrinador” e “Maria do Caritó”, o ator também estará em “O Jardim Secreto de Mariana”, filme dirigido por Sergio Rezende, onde vive João, protagonista da história ao lado da atriz Andreia Horta. Além dos filmes, atualmente, Gustavo também está no ar em duas grandes séries de sucesso: “Coisa Mais Linda, da Netflix, como Augusto Soares, marido da personagem de Fernanda Vasconcellos, e em “Aruanas”, da Globoplay, como Gregory Melloy, um antropólogo e ativista que se une a ONG Aruanas.
Em 2020, no meio da pandemia, Vaz também criou, escreveu, atuou e produziu a websérie “Se Eu Estivesse Aí”, selecionada para festivais no Brasil e no exterior, e também foi um dos dramaturgos e diretores de “ExReality”, experiência online e em formato inédito apresentada junto ao Teatro Porto Seguro. Seus novos projetos no teatro e na literatura incluem “A Voz de Iara”, espetáculo solo autobiográfico onde escreve e atua, com previsão de estreia para o segundo semestre de 2021, e seu primeiro livro, um romance, que também deverá ser lançado no segundo semestre deste ano.
À frente da ExCompanhia de Teatro, da qual é diretor e dramaturgo, Gustavo, também se prepara para a programação de apresentações que celebrará, em 2022, os 10 anos de existência do grupo.
Você acaba de estrear o filme “Depois a Louca Sou Eu”, inspirado no livro de Tati Bernardi, no papel de um psicanalista. Como foi interpretar o Gilberto e qual foi a preparação que você fez para viver esse papel? O Gilberto é um psicanalista ansioso. Esse contraste, apresentado já na sua sinopse inicial, trazia possibilidades de construção de um personagem interessante, com muitas camadas e que, naturalmente, já se aproximava do universo da comédia. Portanto, o que me guiou no processo foi basicamente confiar nas situações propostas pelo roteiro, sem me preocupar em criar situações ou mecanismos de comicidade. Além disso, essa escolha me deu espaço para, junto à direção e elenco, humanizar o Gilberto. Acho que, no fim, ele é um personagem empático que consegue, rapidamente, se comunicar com o público e, principalmente, porque é falho. Foi um prazer estar com ele todos os dias no set.
O filme aborda os conflitos de uma jovem escritora através de seus medos e crises de ansiedade. Como você relacionaria esse tema aos dias atuais, ou seja, ao mundo em que vivemos hoje? O filme seria lançado em 2020, mas, por conta da pandemia, foi necessário atrasar sua estreia- o que fez com que ”Depois a Louca Sou Eu” ganhasse ainda mais relevância a partir do contexto que vivemos atualmente. É um filme que fala sobre ansiedade, crises de pânico de maneira delicada, sensível e, em muitos momentos, engraçada. Por se conectar diretamente com o estado de ânimo do mundo contemporâneo, o filme, imediatamente, gera identificação e sensação de pertencimento no público- o que, em tempos de angústia, pode ser um abraço importante àqueles que se sentem sozinhos nesse momento tão difícil. Além disso, como uma obra audiovisual de grande qualidade, também cumpre o papel de entreter, função importante em momentos como esse.
Até o final do ano você irá protagonizar outro longa intitulado “O Jardim Secreto de Mariana” que fala de amor e desencontro. Fale um pouco sobre esse novo trabalho. Eu tenho um carinho gigantesco por esse trabalho. Primeiro, porque tive a honra de trabalhar com dois artistas com os quais sempre desejei dividir um set, a Andreia e o Sérgio. E segundo, porque era, na época, meu primeiro protagonista no cinema. O filme foi todo feito com uma delicadeza rara de se ver e isso foi muito importante para que eu pudesse chegar na vulnerabilidade e disponibilidade que o papel pedia. O João é um homem em desconstrução, que precisa visitar sua culpa, sua raiva e seu machismo para poder reencontrar o amor. É uma jornada bonita e delicada. Acho que o resultado vai ser lindo. Filmamos em Inhotim e em Nova Friburgo em um espaço de quatro semanas. O filme, além de ter uma história potente e arrebatadora, promete ser esteticamente muito bonito também. Não vejo a hora de chegarmos aos cinemas.
“Jardim Secreto de Mariana” e “Depois a Louca Sou Eu” foram, respectivamente, dirigidos por Sergio Rezende e Julia Rezende (pai e filha) Como foi essa experiência? Existe alguma semelhança entre eles na forma como conduzem a direção? Eu tenho brincado que entrei para a família. Já havia trabalhado com a Julia em “Coisa Mais Linda”, nas duas temporadas na Netflix, e, em um intervalo de um ano, estive com ela e com o Sérgio, seu pai, em trabalhos no cinema. Os dois são pessoas lindas, além de grandes profissionais do cinema. O set dos dois é sempre calmo, confortável e faz com que os atores realmente consigam entregar o melhor de si. As decisões de cena são sempre pensadas com muito cuidado e com uma escuta muito bonita. São duas pessoas que quero ter pra sempre na vida. E não posso deixar de citar aqui a Mariza Leão, mãe da Julia e parceira do Sérgio, grande produtora de cinema, que está sempre ao lado dos dois e confere um grau de profissionalismo e carinho sem igual às produções.
Você integra o elenco principal de “Coisa Mais Linda”, uma das séries brasileiras de maior sucesso, na Netflix. Que impacto positivo você acha que o avanço do streaming gerou entre os profissionais do audiovisual? Pensando no momento que vivemos, percebo que o que tem mantido o mercado aquecido são, principalmente, as produções de streaming. Vejo com olhos positivos a chegada de novas plataformas no Brasil e acho que todos nós só temos a ganhar com isso, sejam os profissionais do audiovisual ou o público que assiste aos conteúdos.
Além de estar no ar na Netflix, você também pode ser visto em Aruanas, série da Globoplay. Como foi filmar no Amazonas e que papel você acha que a série tem ao tratar de um tema tão importante como a preservação do meio ambiente? Meu personagem é um defensor da vida sob todos os aspectos. Gregory é um antropólogo ligado à causa indígena e ativista de uma ONG internacional que se une às personagens da Aruanas contra uma mineradora ilegal na Amazônia. Fazer parte de uma obra relevante como essa me deixa muito honrado. Gregory é um contraponto importante em relação ao pensamento vigente no Brasil que parece, em muitos casos, querer ratificar a violência como a única saída para os embates e diferenças que se apresentam. E gravar na Amazônia foi uma experiência única. A realidade crua da floresta e a violência sofrida pelos indígenas, sentidas por mim desde a minha primeira diária, também me fizeram entender rapidamente a beleza e a responsabilidade de defender um personagem como o Gregory. Lá, percebi com mais clareza como somos pequenos e como tudo está interligado. Tive certeza que defender a Amazônia significa defender a nós mesmos, as pessoas que amamos e o nosso futuro.
Em 2020, no meio da pandemia, você escreveu, atuou e produziu a websérie “Se Eu Estivesse Aí”. Como foi esse processo? “Se Eu Estivesse Aï” é uma série de cenas curtas onde o público vivencia a história em primeira pessoa, como se fosse os personagens. A obra traz um casal em crise na quarentena onde as todas cenas foram gravadas em áudio 3D, uma tecnologia que cria uma sensação de presença real do que é ouvido através dos fones de ouvido. É como se colocássemos o público dentro da cena. O processo foi todo artesanal, onde eu e Débora fizemos absolutamente tudo: direção, luz, arte, etc.. Foi cansativo, mas o resultado me deixa muito orgulhoso. A série pode ser vista ainda hoje no Gshow ou nos nossos perfis de IGTV, usando sempre fones de ouvido.
No teatro você já ganhou importantes prêmios como o Shell e o Cesgranrio. Que tipo de influência, se é que podemos colocar dessa forma, você acha que um prêmio pode trazer para a carreira de um ator? Qual a importância? Vejo como um abraço importante da classe teatral durante essa jornada tão linda já que, ao mesmo tempo, é tão difícil ser ator nesse país. Acho que os prêmios abrem portas, dissipam algumas dúvidas dos outros sobre sua qualidade como ator ou artista, além de também acalmar um pouco as ansiedades, como se fossem um porto de tranquilidade em que você chega e sente que está no caminho certo. De alguma forma, receber um prêmio por um trabalho é também uma confirmação das escolhas éticas durante o processo de construção desse trabalho- o que contribuiu para que eu chegasse a percepções maiores que vão além do resultado em si.
Você é diretor da ExCompanhia de Teatro, grupo com apresentações internacionais em locais como Alemanha e Portugal. Como é estar à frente de uma cia teatral em um momento tão crítico da nossa cultura? A ExCompanhia sempre teve como uma de suas características mais pungentes a adaptação. Nosso grupo cria novos formatos, experimenta novas possibilidades de linguagem e faz com que o risco seja sempre um aliado desde a nossa fundação, em 2012. Ao mesmo tempo, especialmente com a chegada do atual governo federal, as condições para se fazer arte no país pioraram muito. É uma tragédia no campo social, da saúde, como todos estamos testemunhando, mas também na cultura. Faz-se extremamente necessário continuarmos pressionando e cobrando o governo sobre a ampliação e a manutenção de políticas culturais plurais e abrangentes. Assim como saúde, segurança e educação, a cultura é um direito assegurado pela Constituição, fundamental para o bem estar emocional e social de toda a população. Nosso grupo completará dez anos em 2022, e, apesar de tudo parecer estar contra, faremos, certamente, uma celebração linda no ano que vem.
Seus novos projetos incluem “A Voz de Iara”, espetáculo solo e autobiográfico, onde você escreve e atua. Fale um pouco sobre ele. “A Voz de Iara” é um documentário cênico que escrevo e atuo, onde quero relacionar a história do Brasil com memórias da minha família e da minha mãe, Iara, falecida quando eu era bem novo. Estava começando a organizar a produção do trabalho quando a pandemia nos obrigou a parar tudo. Mas tenho esperanças de que, com a volta gradual do teatro presencial durante o ano e com a vacinação, no segundo semestre já seja possível levar o projeto para o palco.
Pra terminar, dizem que toda crise traz uma oportunidade. Você aprendeu algo durante esse difícil período de isolamento? Muitas coisas. Esse talvez esteja sendo o período mais difícil da vida de muita gente. Pra mim, em especial, o final do ano passado e o início desse ano foram bastante angustiantes. Tive um período de forte ansiedade, onde tudo ficou um pouco confuso. Mas junto a isso, veio uma chance de ouro de olhar para lugares que estavam esquecidos por falta de tempo ou por falta de consciência. Tem sido um processo cheio de dor, mas, ao mesmo tempo, de muito amor próprio, de muita descoberta e muita beleza, apesar do momento triste que vivemos. Estou buscando sair desse período mais empático, tentando entender mais profundamente as diferenças entre os meus desejos e as minhas reais necessidades diante da vida. Também estou olhando com mais atenção para o ego, e, sem dúvida, fortalecendo cada vez mais os laços e as redes de afeto. No final das contas, acho que a pandemia veio mostrar que, mais do que uma carreira de sucesso ou uma conta bancária com muito dinheiro, o que realmente nos preenche é a sensação de paz e pertencimento por estarmos bem conosco e com os amores à nossa volta.