ENTREVISTA: Mouhamed Harfouch entre o drama na TV como Pérsio em Amor à Vida e a comédia no teatro

Em uma nova entrevista para a MENSCH Mouhamed Harfouch se mostra um cara no gerúndio, alguém que está sempre fazendo, realizando, planejando, agindo e assim ele não para de experimentar na vida e na arte. Vivendo um personagem em conflito com o amor, as crenças e os costumes ele fala da importância de buscar as soluções nas afinidades e não nas diferenças, o que nos faz refletir sobre nossas próprias atitudes. Entre os grandes e versáteis atores da atualidade Mouhamed tem uma interessante visão de mundo que compartilhou com a gente. Aproveite caro leitor.

É a segunda vez que você conversa com a gente, e estamos felizes por isso. Quando acha que a imprensa é invasiva e não respeita o artista? O prazer é meu! Acho que o bom senso e o respeito devem nortear qualquer relação. Sei que há um interesse enorme das pessoas e da mídia em geral pela vida do artista e até certo ponto, isso é saudável. Mas quando isso se torna ostensivo, afeta essa relação que deveria ser cordial e respeitosa de ambos os lados. Publicar fotos em ângulos duvidosos e inventar manchetes são artifícios que podem garantir boas vendas, mas que denigrem e deterioram a relação entre artista e imprensa. Outro exemplo é tentar tirar fotos da vida íntima do artista. Quando esse se expõe, paciência. Está aceitando o risco. Mas, quando um fotógrafo se planta em uma janela em frente ao apartamento de alguém esperando um clique indiscreto ou um momento de distração, não há relação. Isso é uma agressão deliberada à liberdade de qualquer pessoa.



Na novela Amor à Vida você é Pérsio, um médico palestino que se envolve com a médica judia Rebecca, interpretada pela Paula Braun. Como vê essas diferenças religiosas e como acha que elas podem ficar de lado quando o amor acontece? Na novela temos um conflito cultural e religioso dos mais sérios e atuais. São diferenças enormes, onde todos sofrem. O que sempre digo é que ambos os lados devem ter direito a uma vida digna. Ambos os lados, e todo e qualquer indivíduo.  Nelson Mandela, falecido recentemente é o autor de uma das mais belas e sábias palavras já ditas neste sentido: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. Acredito que passa por aí.  Só o amor é capaz de dar saltos que a razão não compreende. O amor é uma força da natureza, capaz de aparar toda e qualquer aresta. O amor é democrático, é plural, é imparcial. Atinge a todos e quando isso acontece grandes mudanças são promovidas. Não, por outra razão, isso está amplamente difundido na literatura universal. A minha história na novela não deixa de beber em Romeu e Julieta. Outro ponto que acredito ser útil em um conflito, seja lá a dimensão dele, é que se formos buscar uma solução olhando para nossas diferenças, nos colocamos naturalmente em lados opostos. Mas, se olharmos para os pontos que temos em comum, onde somos iguais, começamos a buscar uma solução partindo de um mesmo lugar. Acho um olhar mais interessante e inteligente.

Como lida com religião? Tem alguma? Pratica? Meu pai é muçulmano, minha mãe católica e meu avô era espírita. Bom, por formação, já sou ecumênico (risos). O que acredito é na fé. Acho que todas as religiões levam a Deus. Rezo sempre o Pai Nosso, que é uma oração universal e sou devoto da medalha milagrosa que sempre está no meu pescoço. Mas dizer que sou praticante de uma determinada religião, não sou.

No começo seu personagem era mais sisudo, diferente dos anteriores que tinham um lado mais cômico, houve estranheza do público? Alguma repercussão nesse sentido? Sim. Teve gente me parando e dizendo que não estava gostando. Que queria ver mais o meu sorriso e meu lado cômico. Encarei isso com naturalidade. O público se acostumou a me ver em tipos cômicos. E como meu personagem foi se estabelecendo gradual e lentamente na novela, leva um tempo para o público entender seu temperamento, seus conflitos e interesses. Hoje, recebo muito carinho e torcida para o casal Pérsio e Rebeca. E fico feliz por estar fazendo algo totalmente diferente do que já tinha feito na TV. Percebo que o público comprou a minha história e isso é muito bacana!

Enquanto que no teatro você está exercitando seu lado cômico com a peça “E aí, comeu?”  Alguma preferência entre o lado cômico e a parte mais densa em atuar? Onde se sente mais confortável? Olha, de um tempo para cá venho trabalhando em personagens que não são ligados a comédia. E isso foi um processo involuntário. Não busquei este caminho. E estou muito feliz por estar nele. Sempre digo que para um ator, toda e qualquer zona de conforto é perigosa e arriscada. Quero é viver na corda bamba!  Com o frio na barriga e ter a coragem de mergulhar no abismo de incertezas que é a descoberta de um novo personagem. Isso é estar vivo profissionalmente. É o que mais me estimula e dá prazer. Nos últimos dois anos, depois de Cordel Encantado onde fiz o Farid, um tipo totalmente divertido, fiz: “A vingança do Espelho, a história de Zezé Macedo”, onde vivia um diretor teatral.  Depois, “Algumas aventuras das 20.000 léguas submarinas” onde dei vida ao Capitão Nemo. Um personagem complexo. Cheio de amargura e solidão. Um desfio que me rendeu o prêmio Zilka Salaberry.  E agora, vem o Pérsio. Atualmente, não sei dizer o me dá mais prazer. Confesso a você, que no processo de ensaio para fazer a peça “E ai, Comeu?” tive um certo medo de voltar a comédia. O comediante lida sempre com a obrigatoriedade do riso e isso me assusta um pouco. Não quero ser engraçado. Quero ser verdadeiro. A graça vem por si só.

Por falar na peça, conta pra gente como está essa adaptação de “E aí, comeu?” para o teatro… Aí está um equívoco muito comum. A peça “E aí, Comeu?” é que foi adaptada para o cinema. Esse texto do Marcelo Rubens Paiva é maravilhoso e ganhou o Shell de melhor texto em sua montagem no ano de 2000 se não me engano. É um texto totalmente teatral e inteligente. Que promove o jogo em tempo integral. São três homens, três amigos e uma mulher que tem a tarefa de sozinha dar vida a sete personagens. Os homens desfilam pelos mais variados espaços e a mulher pelos mais variados tipos contando apenas com pouquíssimos elementos. O público se diverte horrores!  Sabia que a peça era boa, mas não imaginava essa recepção do público.

Voltando a Amor à Vida… A novela trata, entre outras coisas, de segredos familiares, relações e traumas. Como enxerga tudo isso? Qual a melhor forma de se lidar com tudo isso? Com verdade e auto-conhecimento. A gente escuta muito essa frase: “Toda família é igual, só mudam os cenários.” Não deixa de ter certa razão. É preciso encarar os traumas de frente, com coragem, para que haja superação. Nossa história é nossa história, não dá pra viver fugindo dela.

Qual o significado de família pra você? Tudo. É minha base, meu centro, minha força e minha vida. É minha alegria!

É verdade que na época do personagem Farid em Cordel Encantado, que tinha uma relação com três mulheres, você virou um ídolo dos homens? Não sei se um ídolo (risos), mas um ideal de sonho para muitos homens… O imaginário masculino é repleto de situações como esta! (risos) Lembro, uma certa vez, no auge da novela, passeava por Ipanema quando cruzei por uma obra e um bar e todos começaram a gritar: Dá-lhe Farid! Meu herói! (risos)

Você acredita em fidelidade? Qual a melhor forma de se mantê-la e quando se corre maior risco de perdê-la? Acredito sim. Relacionamento é feito de escolhas. E isso nunca mudará. Relacionamento não é algo estável, que se possa dizer sou assim ou assado e será para todo o sempre. É um exercício de conquista diário. Você conquista a fidelidade, não a exige. Quanto mais compromissado com sua relação, menos espaço para infidelidade você abre. Agora, se ainda sim, esta possibilidade aparecer, o melhor é encarar e expor esta situação. A mentira nunca é o melhor caminho.



Entre homens e mulheres há muitas diferenças, entre elas, quais você mudaria? Há varias diferenças! Mas não mudaria nenhuma. A graça está aí: o Homem pensa que entende as mulheres, as mulheres pensam que entendem os homens e todos se sentem incompreendidos. É ou não é engraçado?

Hoje o homem cuida do filho, vai para a cozinha e discute a relação. Onde foi para aquele macho que tinha apenas que trazer dinheiro para casa e satisfazer a mulher? Acha que alguns homens ainda estão meio perdidos com esse novo perfil do macho moderno? Com certeza vivemos numa sociedade que foi amplamente dominada pelo machismo durante séculos. Culturalmente, até mesmo as mulheres o praticavam e o praticam até hoje. Por exemplo: “Ele é homem, ele pode. Ele sabe se defender. “Quantas mães não passaram este tipo de valor inconscientemente?” É quase como um reflexo. Mas vivemos a derrocada do machismo. Um novo homem está surgindo. E acredito nele. Na peça “E aí, comeu?” represento um tipo que está totalmente dentro desta sua pergunta. O Honório é o clássico machão. Que acredita saber tudo sobre mulher e na real não sabe nada. Seu casamento está em crise e ele só vai perceber o quanto era importante quando o perde. No fundo o Honório não é esse cara, mas representa esse conjunto de valores que lhe foram passados de geração em geração. Ele está infeliz, por que estes valores não se enquadram mais no mundo atual.  Está perdido.

 

Qual sua maior vaidade, virtude e defeito? Acho que o querer “agradar” pode responder a essas três perguntas. É uma vaidade, é uma virtude é um defeito. Não dá para agradar a todos e o amadurecimento te faz perceber melhor isso. Você aprende a dizer “não” uma das palavras mais difíceis de serem exercitadas.

Você se sente um ator realizado ou realizando? Realizando sempre. Não quero fechar esse ciclo. Quero portas abertas, como o novo ano que se iniciou, a propósito: Feliz 2014!

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