ENTREVISTA: PAULO FONTENELLE LANÇA SEU MAIS NOVO FILME DE TERROR – “SALA ESCURA”

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Paulo Fontenelle sabe bem escolher um bom projeto e sempre é certeiro no que faz. Diretor premiado e roteirista de diversas obras para teatro, TV e cinema, ele teve uma trajetória bastante diversificada; já trabalhou com boa parte dos grandes nomes da dramaturgia e em projetos como: Se Eu Fosse Você – A série (Primeira e Segunda Temporadas) para o Canal Fox; os longas metragens de ficção Intruso, Apaixonados, Divã a 2, Se Puder Dirija! e o documentário Blitz – O Filme. Ele também é diretor do filme “O Porteiro”, adaptação da peça teatral com o ator Alexandre Lino; do documentário “Blitz – O Filme” (sobre a história da banda Blitz, em parceria com o CANAL CURTA!); dos longas-metragens “Inverno” (com Renato Góes, Thaila Ayala e Barbara Reis); “Divã a 2” (com Vanessa Giácomo, Rafael Infante, Marcelo Serrado); “Se Puder Dirija!” (com Luiz Fernando Guimarães e Leandro Hassum), dentre outros; e dos documentários “Sobreviventes – Os Filhos da Guerra de Canudos” e “Evandro Teixeira – Instantâneos da Realidade”. Na TV, Paulo está lançando a série de comédia “Cinema Café”, com Paloma Duarte e Bruno Ferrari, e também acumula títulos no Canais VIVA, FOX e TV Cultura. Agora Paulo se prepara para lançar seu novo filme de terror, estilo pouco explorado no cinema nacional, mas que arrasta uma legião de fãs do gênero para as salas.

Paulo de onde veio a idéia de produzir um filme de terror? E por que a escolha da história se passar dentro de um cinema? Eu adoro ir ao cinema. Principalmente no meio da semana, quando as salas estão mais vazias. Estar em uma sala de cinema completamente vazia sempre me gerou certa fobia. Aquela sala enorme, escura, com diversas cadeiras vazias e cantos de onde, há qualquer momento eu poderia ser surpreendido por alguém saltando em minha direção. 

A ideia do Sala Escura surgiu em uma dessas idas ao cinema em que eu estava praticamente sozinho, ou somente com mais um ou dois desconhecidos sentados bem longe de onde eu estava. Eu fiquei pensando que naquele lugar escuro qualquer coisa poderia acontecer que éramos alvos fáceis e que eu não conhecia nenhuma daquelas pessoas. Então não podia contar com elas para me defender de qualquer ameaça.  Ou mesmo saber se alguma delas poderia ser a própria ameaça.

Fiquei pensando: E se um maníaco torturador decidisse nos prender dentro da sala? Não havia saída ou como pedir socorro. O cinema é uma grande caixa escura, quase totalmente a prova de som. Sala Escura foi uma forma de trazer essa minha fobia à realidade e, quem sabe, transformar o meu medo, no medo de várias pessoas. Quem sabe agora vai ter mais gente com medo ao ver um filme em uma sala de cinema vazia?

De onde vem suas inspirações para tantos projetos diversos tanto para a TV como para o cinema? Com o medo de usar um clichê, a inspiração vem da vida e do cotidiano. E também de desafios que surgem na minha frente. Meu primeiro longa metragem de ficção “Intruso”, coincidentemente, também um terror, foi um pedido de alunos da faculdade em que eu dava aulas em rodar um filme comigo. A ideia era rodar algo rápido, “por conta própria”. E o roteiro surgiu a partir de uma premissa simples, a chegada de um estranho a noite, com uma pequena mala, em uma casa onde mora uma grande família. O filme “O Porteiro”, por exemplo, vem da peça, que também escrevi e dirigi, que por sua vez, vem de um almoço com o ator Alexandre Lino quando ele estava fazendo o papel de um porteiro  no meu  filme “Apaixonados”. O meu primeiro documentário, sobre o fotojornalista Evandro Teixeira, surgiu ao ver uma matéria sobre uma exposição de fotos dele em um jornal, enquanto tomava café da manhã. Evandro era um apaixonado pela história da guerra de Canudos e me apresentou vários livros, daí surgiu o documentário premiado “Os Filhos da Guerra de Canudos”. A comédia “Se Puder Dirija” nasceu da ideia do que os manobristas poderiam fazer com os carros de clientes que ficam o dia inteiro parado nos estacionamentos. O ficção “Inverno”, surgiu da vontade de realizar algo no período da pandemia, com todas as restrições impostas.

E também houveram diversos convites para filmes e projetos de outros criadores e roteiristas como o documentário sobre a banda “Blitz” e os projetos “Se Eu Fosse Você – A série”e “Meu Amigo Encosto”, entre diversas outras séries, filmes e até animações. Na verdade, me envolvo quando acredito em um projeto,  que acho interessante. O último projeto que eu filmei (e estou montando) se chama “Mariana” e é uma ficção autobiográfica baseada em um momento de minha pré-adolescência. Uma história que eu simplesmente senti a necessidade de “botar pra fora”. Escrever sobre algo que você viveu é aterrorizante, exige uma entrega sem igual e foi uma experiência excepcional.

Nesse momento estou escrevendo um novo terror e uma comédia. O terror se chama “O Parque”, e a inspiração veio do fato que esses parques itinerantes que ficam sendo montados e desmontados em cidades do interior me causam um medo enorme. A personagem principal da comédia usa uma tornozeleira eletrônica.  Eu tive essa ideia para o roteiro, na pandemia, quando estávamos todos presos em casa. As ideias podem vir de situações que vivemos, que vemos ou mesmo a partir de referências que nos atraem. A inspiração pode estar em qualquer lugar.

Uma curiosidade do público é sobre a escolha do elenco, como você faz essa seleção? Você cria os personagens já pensando em um ator específico? Isso é algo que varia de trabalho para trabalho. No caso do “Sala Escura” o roteiro estava todo pronto quando começamos os testes para selecionar o elenco. Nos testes, a busca foi montar um elenco homogêneo, porque o grande barato de um filme slash movie é você não saber quem vai sobreviver no final, ou a ordem de quem vai morrer, ou mesmo se alguém sobrevive. É não saber se há ou não alguém envolvido em toda a carnificina e tudo que acontecer virar uma grande surpresa. Para isso, ninguém pode se sobressair no elenco. “Sala Escura” tem o elenco bem equilibrado e fiquei muito feliz com nossas escolhas nos testes. São atores e atrizes com quem certamente estarei trabalhando novamente em outros projetos. Alguns deles, inclusive, já participaram de outros filmes meus. Mas isso não é regra. Nesse momento estou escrevendo um filme para o Maurício Manfrini (Paulinho Gogó), para a Cacau Protásio e para o Alexandre Lino, que já estão definidos no elenco. Uma curiosidade: “O Porteiro” por exemplo foi escrito diretamente para o Lino, que faz o porteiro Waldisney na peça. Laurizete, esposa de Waldisney foi escrita para Cacau Protásio, que pegou covid e não pode filmar na primeira semana, Daniela Fontan, acabou fazendo Laurizete e eu escrevi uma nova personagem para a Cacau chamada Rosivalda. 

O produtor de elenco Raoni Seixas, que é meu parceiro em diversas obras, não gosta quando eu uso a palavra sorte, na escolha do elenco através dos testes, e ele tem razão, na verdade é um trabalho árduo. Fizemos  muitos testes até chegar no elenco final do “Sala Escura”. Não consigo nem precisar o número de videos que recebemos e pessoas que testamos pessoalmente até chegarmos na Tainá Medina, Raissa Chaddad, Priscilla Buiar, Paulo Lessa, Allan Souza Lima, Luiza Valdetaro, Danilo Moura, Osvaldo Mil, João Vitor Silva e Sofia Malta. E montamos esse time maravilhoso que vive o desafio de segurar um filme de terror. Para o ator é algo muito complicado, o medo, a expressão da dor, o atuar com efeitos especiais e, tudo isso, mantendo um tom de realidade que o filme precisou. 

Agora, eu e Raoni acabamos de passar por um novo desafio que foi a seleção de um elenco adolescente para o filme “Mariana”, fizemos muitos testes, pois é ainda mais complicado trabalhar com crianças. Mais uma vez, conseguimos reunir um time de atores e atrizes excepcional. Como diretor, eu acredito nos dois caminhos para fechar o elenco de um filme, os testes e os convites aos atores que já imaginamos para o papel. Como roteirista é muito mais confortável escrever já sabendo quem vai interpretar, pois você já sabe a embocadura daquele ator, a forma dele falar e o que fica mais confortável pra ele. Ao mesmo tempo também é um grande prazer e deleite, ver uma pessoa que você não imaginava no papel, trazer lindamente à vida, uma personagem que você escreveu.

Como é produzir audiovisual no Brasil, acha que estamos avançando em relação as leis de incentivo? Essa é uma pergunta bastante complicada. As leis de incentivo são essenciais para que possamos seguir produzindo no Brasil. Sem elas não haveria forma de concorrer com o mercado internacional. Seria como pedir pros americanos não terem protecionismo nenhum em relação ao preço da laranja exportada por nós para eles. Faz parte do jogo. Acredito que o Brasil evoluiu muito em relação ao formato das leis, hoje a maior parte dos filmes são financiados por um dinheiro que gira dentro da própria indústria audiovisual, através da taxação das teles e o público em geral deveria entender melhor sobre a geração de empregos e o retorno de impostos que vem através da produção brasileira.

Porém, no meu ponto de vista, as leis de incentivo ainda pecam quando falamos de cinema de gênero, principalmente terror. O projeto do “Sala Escura” existe há anos e precisou literalmente da coragem da distribuidora H2O em abraçar um filme desse gênero e financiar o projeto utilizando o fundo setorial, através das produtoras Malemolência, Target Filmes e Quimonos. As chances de um filme de terror como o “Sala Escura” ganhar um edital são muita pequenas, então ficamos extremamente felizes quando ganhamos o Edital de Distribuição da Lei Paulo Gustavo através da SECEC – Secretaria de cultura do Rio de Janeiro. Espero sinceramente que a ideologia de premiação dos editais esteja mudando e que os pareceristas comecem a premiar os filmes de gênero. 

Tem algum projeto que você ainda não conseguiu tirar do papel? Nossa, vários! Uns quinze, pelo menos. Eu tenho uma tendência a escrever dois filmes novos, sempre que consigo tirar um do papel. E eu gosto de todos os gêneros de filme, sem preferência. O importante é o filme ser bom. Aos 14 anos de idade fui trabalhar em uma locadora de videos para poder ver 3 a 4 filmes por dia. Todos os tipos de filme que você pode imaginar. Minhas referências são as mais diversas que eu poderia ter. Sempre fui um apaixonado pela arte em si, sem preconceitos. Quando surge uma ideia legal eu coloco no papel, seja um terror, uma comédia, um filme de ação ou um drama. Tenho dois filmes de terror que tenho muita vontade de fazer ainda, “O Parque” e “Noturna”. O drama “A Foto”, cujo roteiro foi premiado em um edital de desenvolvimento. Algumas comédias que já estão mais avançadas e tem algumas biografias que adoraria ter os direitos, porque dariam lindas histórias.

Claro, várias premissas e roteiros de série. Por exemplo, acabei de escrever, em conjunto com outros roteiristas muito talentosos, uma série sobre a queda do edifício Palace 2, no Rio de Janeiro, que a produtora vai começar a prospectar no mercado. Acredito que o importante é seguir escrevendo, seguir gerando conteúdo e sempre ter algo para tirar do papel e, quando sair do papel, escrever mais dois roteiros novos.  

Quais as diferenças na criação de projetos para a TV aberta, streaming e cinema? Eu vejo mais liberdade na criação de projetos para cinema do que para os outros meios. Quando você está criando um projeto especificamente para um canal de televisão ou para o streaming você precisa, ainda no primeiro momento, entender com qual público você está falando. Eu nunca tive problema em mexer em um projeto que eu tenha criado para que ele se adeque ao público ou à grade de um player que adquiriu os direitos. No cinema ainda não temos esse direcionamento. Quando eu crio um projeto pensando em um streaming ou um canal de televisão especifico eu fico um bom tempo assistindo a esse canal ou tentando entender o que está fazendo mais sucesso dentro desse streaming. Você precisa conhecer o meio, você precisa falar a língua de quem vai licenciar o seu projeto. Tem o básico que é não apresentar um programa de esportes para um canal de culinária, mas o grande diferencial está em entender os pormenores. Aquele canal de culinária costuma fazer mais realites ou documentários? Já tem algum programa parecido com o que estou criando na grade? Seu público é majoritariamente masculino ou feminino? 

Só com esse estudo você aumenta as suas chances de emplacar algum projeto. E faz parte do jogo. Quando estou criando para cinema eu deixo a mente fluir mais livre, gosto de ousar, de fazer coisas diferentes, gosto de fazer uma comédia, depois emendar em um terror, depois fazer um drama, voltar pra comédia, fazer um filme de ação. O importante é estar sempre em busca de bons projetos, seja qual for o gênero.

Para finalizar como você vê o futuro da TV aberta? Tenho dois filhos e acompanho de perto o crescimento dessa nova geração e eles simplesmente não assistem mais a TV aberta. Quando eu era criança essa era a única opção que tínhamos. Talvez ainda seja a única opção em alguns lugares mais pro interior do país, mas onde existe um celular com internet tem uma criança que não assiste TV aberta. Por quanto tempo a TV aberta ainda vai sobreviver eu não sei, mas acredito que a longevidade será baseada nos programas ao vivo, programas de auditório, jornalismo, nos programas esportivos, nos programas de entretenimento de massa. A migração para os streamings é natural, mas espero, sinceramente, estar errado.

Minha maior preocupação hoje, na verdade, é o audiovisual imediatista (se é que existe essa expressão). As crianças se entretem com videos que duram no máximo 15 segundos e já partem para o próximo video de 15 segundos. Toda a cultura de uma nova geração está sendo criada em cima disso. E é apavorante. Até os adultos não conseguem ficar duas horas dentro de uma sala de cinema sem pegar no celular, se concentrar em algo por duas horas sem parar. Cinema, para adultos e crianças deveria ser uma terapia, as pessoas deveriam deixar os celulares em armários do lado de fora da sala e só pegar na saída. Nós sobrevivemos a vida inteira sem celulares e vamos seguir sobrevivendo.

Antigamente, a competição da TV aberta era interna, para impedir o espectador de mudar de canal  e criar suas preferências. A competição com a nova geração será encontrar motivos que os façam ligar a televisão. O desafio é muito maior. O futuro é bem complicado e não sei se vai haver uma nova virada nessa história.

Se eu posso dar alguma contribuição para isso, é sempre tentando pensar em histórias que mantenham o espectador com os olhos grudados na tela. “Sala Escura” é uma dessas histórias e será uma experiência ainda mais diferenciada ao ser visto em uma sala de cinema. O espectador em um cinema, vendo um filme de terror que também se passa na sala de cinema, onde os espectadores, que poderiam estar sentados ao seu lado, estão sendo torturados.