Bruna Aiiso está se destacando em “Terra e Paixão”, (TV Globo) interpretando a médica Laurita. Mesmo este sendo o primeiro papel de Bruna no horário nobre, ela não é novata em frente às câmeras. Seu último trabalho na TV foi na novela “Bom Sucesso”, 2019, onde Bruna interpretou a japonesa Toshi Noshimura, que amava o Brasil. Nascida em São Paulo, com ascendência japonesa, Bruna Aiiso começou sua carreira como atriz, no teatro no período de 2002 a 2008. No entanto, seu primeiro trabalho na TV não foi como atriz. Em 2009 e 2010, Bruna foi repórter do Globo Esporte, apresentado por Tiago Leifert, na época. O programa deu destaque para ela e abriu caminhos para que pudesse atuar em outras áreas da comunicação. A MENSCH conversou com Bruna que nos contou um pouco das suas diversas atividades e como foi parar no horário nobre.
Bruna, como é voltar para a TV e ainda em horário nobre numa novela de Walcyr Carrasco? É, na verdade, a realização de um sonho. Novela das nove (21h) sempre foi um objetivo de carreira, daquelas metas altíssimas que a gente coloca na vida. Quando entendi que esse sonho seria realizado, acrescido do fato de ser uma obra de Walcyr Carrasco, com um diretor que eu já tinha tido a oportunidade de trabalhar antes e que admiro tanto. E, pra fechar com chave de ouro, ainda fui convidada. De fato, são muitos motivos para comemorar.
Na trama você interpreta a Dra. Laurita Correia, que prescreve os remédios tarja preta para a personagem Petra. Como surgiu o convite e como foi sua preparação? O convite veio direto da direção, juntamente com a produção de elenco, respectivamente Luiz Henrique Rios e Fábio Zambroni, com quem eu havia trabalhado em Bom Sucesso. Saber que fiz um bom trabalho a ponto de me ser confiada uma segunda responsabilidade e oportunidade é de dar orgulho! A preparação se deu através de muita leitura, workshops, treinamentos internos e outros conhecimentos que fui buscar por conta própria, como consultoria com profissionais da área, filmes, séries e podcasts especializados.
Em seu trabalho anterior você interpretou a japonesa Toshi em Bom Sucesso (2019). De um trabalho pro outro nenhuma semelhança. Como você procura fugir de estereótipos orientais? Quando isso favorece ou não seu trabalho? Interpretar personagens sem estereótipos é um dos principais objetivos da classe artística amarela hoje em dia, juntamente com a busca por oportunidades de relevância. Acredito que diversidade e inclusão de fato se dão quando essas oportunidades têm importância. Não adianta colocar um ator ou atriz amarela em um projeto e não dar relevância para esses personagens. Buscamos e merecemos também protagonistas, por que não? No caso da Toshi, ela não tinha um estereótipo, pois era, de fato, uma mulher japonesa que vinha do Japão, era apaixonada pelo Brasil e tinha o sonho de viver aqui. Então o fato dela ter sotaque, trejeitos e posturas de uma mulher japonesa, faziam todo o sentido. Diferentemente de quando vemos personagens amarelos com sotaque sem ter essa justificativa, apenas para ser “engraçado” para virar motivo de chacota e alívio cômico de uma produção, sem que a profundidade dessa personagem seja trabalhada. E, mais do que isso, a luta maior é para sermos reconhecidos como cidadãos brasileiros, pertencentes à nossa cultura e inseridos na nossa sociedade como somos, de fato – e não como estrangeiros no nosso próprio país de origem. Queremos interpretar papéis comuns do nosso convívio diário.
Paulista com ascendência japonesa. O quanto das duas culturas (Brasil e Japão) você traz de mais forte? Acredito que eu tenha resquícios da minha ancestralidade não só no meu DNA, mas também da pouca convivência que eu tive com a parte japonesa da minha família. De qualquer forma, eu sou brasileira! Fui criada na cultura brasileira, essa é minha origem e minha essência.
O talento para a dramaturgia surgiu quando? Como foi no início? Comecei a fazer teatro no colégio, aos 13 anos. A partir daí, soube que essa seria minha profissão, meu sonho. Desde então, nunca mais parei de buscar isso. Mas muita água rolou ao longo desses 37 anos de vida, 24 de sonho e 17 anos de carreira. Trabalhei em muitos lugares, pensei em desistir diversas vezes, levei muitos ‘não’, mas hoje eu estou aqui, vivendo da profissão de ser atriz, galgando meu espaço e com um propósito de vida muito claro e objetivo, que é abrir espaço para os artistas amarelos no audiovisual brasileiro. No início, me senti muito perdida. Existe a ilusão de que, assim que formados, com o DRT em mãos, as portas irão se abrir automaticamente. Mas é uma profissão tão desafiadora e que depende de tantos fatores alheios às nossas vontades e ações, muitas vezes. É uma profissão que depende, por exemplo, de estar no lugar certo na hora certa. Depende um pouco de sorte, de bons relacionamentos, de estar no perfil procurado, de ter um bom material para apresentar, de estar preparado para viver aquela personagem. E quando se é racializado, tudo isso fica mais difícil, você precisa provar mil vezes mais sua capacidade, as oportunidades são menores e a concorrência muito maior, pois ao contrário do que muitos pensam – nós, artistas amarelos no Brasil, somos muitos! Tudo isso somado à falta de oportunidade, torna nossa inserção no mercado audiovisual quase impossível. O audiovisual brasileiro ainda não entendeu qual o tamanho da nossa presença no Brasil ainda. Somos uma minoria com papel muito relevante na sociedade e uma presença significativa, que a gente não vê representada nas telas. Precisa mudar!
Mas o que pouca gente sabe ou lembra, é que você passou um tempo como repórter no Globo Esporte. Como começou isso? Que lembranças guarda dessa época? Foi uma oportunidade inesperada. Fui chamada para participar de um quadro de entretenimento no programa e me apaixonei por comunicação e apresentação – o que me abriu muitas portas nesse segmento. Hoje, sou, além de atriz, apresentadora e mestre de cerimônias, o que me garante uma versatilidade indispensável para quem quer sobreviver como artista no nosso país.
Como repórter esportiva teve que fazer muita ginástica para conseguir as matérias mais radicais? Alguma marcante? Na verdade, eu contava mais com a sorte mesmo, já que, nesse quadro, só rendia matéria quando tinha gols nas partidas. Era um quadro que dependia disso para render. Então, eu ia aos jogos torcendo pra que saísse algum gol e, então, ter matéria no programa no dia seguinte. Acho que o radical dessa experiência foi a própria vivência, pois estádios de futebol desde sempre foram ambientes majoritariamente frequentados por homens, em momentos em que estão com as emoções afloradas e em meio a multidões. Então, cada partida era uma aventura com perrengues, além de ouvir muita coisa desagradável nesses jogos apenas por ser mulher e por ser amarela. Mas, apesar disso, aprendi muito e me abriu muitas portas, foi uma experiência da qual não me arrependo.
Fora essas duas áreas de atuação, soubemos que você já fez de tudo um pouco ao ponto de, ter que dar entrada na 2ª carteira de trabalho? Conta um pouco dessa trajetória tão diversa… Sempre me virei para pagar meus cursos, para conseguir investir nas minhas peças de teatro, em bons materiais fotográficos para me vender no mercado. Então, nesse meio tempo, tive várias profissões, como, por exemplo, recepcionista, garçonete, auxiliar de escritório e de dentista, vendedora, hostess de restaurante e muitos outros bicos por aí…
E soubemos que você está com um belo projeto para o cinema – o filme sobre a vida de Sílvio Santos. O que podemos esperar desse projeto? Como está sendo pra você? É meu maior papel no cinema, uma personagem forte. Delegada Laura é uma mulher que precisou impor respeito e credibilidade no começo dos anos 2000, quando o mundo era muito mais machista do que é hoje. Provou sua capacidade de liderança e recognição em um ambiente hostil e de muita tensão que só um cativeiro tem. A expectativa do público por esse filme é grande e a minha, também. Me ver nas telonas tem sido uma novidade maravilhosa pra mim – e até meio viciante. Depois do primeiro filme, a gente não quer mais parar.
Como você percebe a representatividade amarela no audiovisual hoje em dia? Está mais democrático ou ainda patinando? Qual o maior obstáculo? Eu seria injusta e até irresponsável se afirmasse que nada tem mudado, mas é verdade que essa mudança tem sido a passos super lentos. Principalmente, quando falamos de relevância. Mais uma vez, vou bater nessa tecla, pois é isso que define uma produção ser ou não ser inclusiva, ter ou não ter diversidade. Sendo ainda mais específica e literal, estou falando de tempo líquido de tela. O quanto esse personagem aparece, quanto tem de fala, quanto esse texto é relevante para a trama, o quanto enaltece esse profissional, o quanto ele é valorizado financeiramente, o quanto seus trabalhos são replicados e enaltecidos pelas produções e por aí vai. O maior obstáculo, são as próprias pessoas que fazem as produções acontecerem. É um produtor de elenco que não te chama pra teste, um diretor que não te escala, um roteirista que não escreve pra você, uma imprensa que não te divulga, uma empresa que te paga mal. Tudo isso são obstáculos. O mercado é composto por pessoas, e são elas que precisam mudar seu olhar e suas atitudes. Não dá mais pra fazer arte seguindo receita de bolo – é preciso pensar fora da caixa.
Com tanto trabalho assim, sobraa tempo para se divertir e relaxar? Nessas horas o que procura? Sempre sobra. Apesar de gostar muito de ficar em casa lendo e assistindo filmes e séries, também adoro um cinema, um teatro, comer fora e viajar.
Para conquistar Bruna basta… Ser de verdade, ser correto. Sou libriana, meu senso de justiça é muito apurado, não gosto de coisa errada, o que é certo é certo.
Fotos @sergiobaia / Assessoria @viracomunicacao