Se você ainda não conhece a nossa estrela de capa Larissa Góes, você precisa ler essa entrevista e acompanhar o trabalho dela. Depois de projetos na TV e no teatro, a cearense Larissa encara o desafio de ser a protagonista da terceira temporada de “Cine Holliúdy”, na Globo. Na produção, a atriz interpreta Rosalinda, uma cantora e dançarina de forró que se envolve com Francisgleidisson (Edmilson Filho). Com 28 anos de idade e 18 de carreira, Larissa ganhou destaque em 2016 quando estreou a primeira fase da novela Velho Chico, também na Globo. No teatro, a atriz e cantora esteve em espetáculos como Ceará Show e Barracai. No cinema, fez longas como Fortaleza Hotel e o elogiado Cabeça de Nêgo.
Em paralela à carreira artística, Larissa Góes faz um trabalho de pesquisa de acessibilidade com a Língua Brasileira de Sinais. Formada em Licenciatura em Teatro, ela busca em seus trabalhos espaços para se pensar a necessidade de integração social por meio da acessibilidade. Aos 18 anos deu aulas de teatro para pessoas surdas no Instituto Cearense de Educação de Surdos (ICES) e logo depois assumiu a mesma função na Escola Filippo Smaldone, em Fortaleza. Em 2020 promoveu uma oficina de teatro para Surdos online, onde jovens e adultos da comunidade surda de todo o país puderam se inscrever gratuitamente.
Da sua estreia na carreira artística até hoje já se vão 18 anos. Que análise faz da sua trajetória? Quando olho pra minha trajetória cheia de altos e baixos, das mais prosaicas às mais inusitadas experiências, cheia de dúvidas e afirmações, muitas reflexões me vêm à mente. Acho importante me situar no contexto do país e sempre aponto pra isso quando revisito minha história. Nasci numa família pobre, com difícil acesso aos equipamentos de cultura e arte da cidade, o que me afastava de qualquer anseio em seguir uma carreira artística. Quando abriram inscrições para aulas de teatro gratuitas no bairro onde eu morava, minha mãe prontamente me inscreveu nas aulas e comecei a fazer junto da minha irmã caçula, Letícia. Não sei como ou se minha carreira artística teria início se não fosse essa oportunidade de entrar num curso gratuitamente.
O teatro me despertou para a atuação e com o passar dos anos eu entrei em contato com outras linguagens que puderam fortalecer isso em mim. O audiovisual, a dança e a música também estiveram muito presentes na minha formação artística. Do tempo que se passou até hoje, me vejo segura em determinadas situações, com repertório que me impulsiona a encontrar atalhos de autoinvestigação, mas é muito válido estar em contato com as inseguranças também. Independentemente do tempo e da trajetória, pensar que estou pronta pra qualquer coisa é uma grande armadilha. Entendi a importância de me experimentar, de me colocar no lugar da escuta ativa e da observação, o que me faz topar com estranhamentos, como os olhos de uma criança ao descobrir um simples objeto. Se não fosse assim eu já teria me saturado do exercício da minha profissão. A falta, o desconhecido, o novo caminham comigo até hoje em tudo o que faço.
Aliás, 18 anos de vida artística, mas sua primeira protagonista de uma série da TV aberta (Cine Holliúdy, da Globo). Como foi dar vida à uma nova personagem principal de um projeto vitorioso que já vem ganhando o público há um tempo? O Cine é uma obra que carrega muitos afetos, tanto na criação, na produção, quanto na fase final, quando chega ao grande público. Assisti às temporadas anteriores e entendi minimamente as responsabilidades que eram conferidas ao protagonismo de uma série como esta. Encarei com muita vontade de fazer, comecei minhas pesquisas e lia os roteiros comprometida a encontrar os primeiros vestígios desta nova protagonista. O trabalho foi intenso, pois o tempo de preparação foi curto, mas percebi que não estava sozinha e contei com o acolhimento da equipe e do elenco que estiveram muito dispostos a descobrir a Rosalinda comigo. Hoje, assisto com muito entusiasmo, trocando com a alegria do elenco que se reúne ainda hoje em grupo virtual compartilhando afetos e comentando em tempo real as cenas que vão ao ar.
Rosalinda, sua personagem, tem uma pegada de humor e, ao mesmo tempo, uma doçura. Como foi compor essa personagem? Investigar os tons, os ritmos, a corporeidade é, pra mim, um trabalho minucioso e cada personagem que me proponho a fazer percorre caminhos diferentes para chegar nessa construção, abrindo espaço para que se desconstrua no próprio exercício de gravação e se refaça o tempo todo, porque acredito em personagens vivas, com nuances e contradições, coisas que muitas vezes são descobertas enquanto se vivencia uma caracterização, um encontro com as demais personagens, com as locações, direção. A Rosalinda tem boas pitadas de humor e dar vida a ela foi um processo desafiador e empolgante que me surpreende até hoje, quando assisto aos episódios prontos, depois de todo o trabalho de pós. Fico atenta às escolhas feitas pela direção porque isso caminha com o meu trabalho e fico feliz com a força que a personagem ganha.
Você é muito crítica? Costuma se assistir? Costumo ser crítica e ao mesmo tempo prática. Assisto a qualquer trabalho meu sempre que possível e faço meus apontamentos sem muito sofrimento. A presença é o fundamento da minha atuação e é a partir dela que eu meço a qualidade das minhas performances em cena. Entendo que as ranhuras também compõem o meu fazer artístico e isso me convence a ser mais generosa comigo mesma.
Aliás, você se considera uma mocinha? Acredito que o conceito de “mocinha” está atrelado ao antigo estereótipo de vulnerabilidade e dependência que é associado à figura feminina. É algo que me incomoda e por isso, somadas às minhas vulnerabilidades, que se fazem necessárias, gosto de evidenciar minha força, coragem e destreza, características de uma “heroína”, termo que me agrada mais.
O que aprendeu com Rosalinda? A determinação da Rosalinda é admirável e ela não mede esforços pra defender o que acredita. Vejo nela uma paixão pelas coisas e pelas pessoas, uma malemolência ao dar conta das questões que a afetam sem se anular em momento algum. É uma maneira bonita e sagaz de lidar com a vida.
Dizem que vida de ator tem muito glamour; O que é mais difícil na profissão? Penso nas dificuldades que tive para financiar algumas necessidades que apareciam no devir artístico e também nas coisas que tive que abrir mão por não ter tido condições financeiras para custear. Penso na minha família, que praticamente descobriu o teatro comigo enquanto assistia às apresentações, visto que a baixa renda não permitia grande acesso à cena artística. Penso também que hoje, quase 20 anos depois, mesmo com o trabalho de muitas mãos que acreditam na importância do incentivo à cultura, o país ainda está num débito imensurável com as pessoas de maior vulnerabilidade social e muito trabalho precisa ser feito para mover esta estrutura. Sei que a minha trajetória me trouxe hoje num lugar mais favorável ao que eu estava quando comecei, mas não vejo ainda estabilidade e muito menos o glamour que costumam pensar. Sei também que minha história não é igual a de todo artista, que muitos tiveram determinados privilégios que puderam impulsionar suas carreiras em determinados aspectos. Mas o exercício da profissão é desafiador e o artista que o encara com respeito, vigor e honestidade, tem a minha admiração.
Se não fosse artista, qual seria seu plano B? Não faço a menor ideia. Dei início à graduação de fisioterapia logo quando terminei o ensino médio, mas nunca me senti convocada por esta profissão. Acredito que faria muitas coisas com dedicação, aprenderia uma coisa ou outra, mas ainda não encontrei nada que me desconcerta como a arte. Ser artista atuante e apenas isso é um dos maiores desafios e uma das maiores satisfações que tenho na vida.
Por onde passa a sua vaidade? Como é sua relação com o espelho? A forma como me visto, como ajeito o cabelo se relaciona muito com o meu humor e minha disposição no dia. Passeio por vários estilos, clássicos, irreverentes e acho que ser atravessada por tantas personagens desperta em mim a vontade de me ver dentro de composições diversas. Gosto de me maquiar, mas também gosto de não ter compromisso com a maquiagem. No momento me sinto aliada das minhas características físicas e nem sempre tenho necessidade de recorrer aos artifícios para ressaltá-las ou escondê-las, o que me alivia bastante.
O que te conquista? Sou cativada pela vontade de estar. Nada como ver alguém entregue ao exercício, seja ele qual for, estar no trabalho, com a família, amigos, relacionamentos amorosos, atividades físicas. Somos tão bombardeados com informações, entretenimento, nossos aparelhos são recheados de redes sociais e a dispersão acaba dominando nossas atividades, o que pode dificultar nossa presença mais sincera. Então hoje, ver alguém tomado pela vontade de estar onde está é muito satisfatório. Um artista entregue à imersão do seu ofício, uma criança repetindo inúmeras vezes movimentos que acabou de descobrir, um abraço de saudade depois de um período de distância… Sou romântica.
Você tem um envolvimento com aula de teatro para surdos. Fale mais do projeto? E acredita que toda pessoa pública tem que se engajar em alguma causa? Meu trabalho no Instituto Cearense de Educação de Surdos teve início cedo, logo que completei 18 anos. Aprendi LIBRAS e dei aulas de teatro para pessoas surdas, mas tinha mínima compreensão da luta da comunidade surda e sigo abrindo escuta pra esta luta, procurando entender o meu lugar de pessoa ouvinte nela. O sistema educacional extremamente falho e faminto por mais investimentos ainda nos distancia de percebermos a importância de nos engajarmos em causas sociais. Acredito que pessoas públicas podem aproveitar seu poder de influência para dar foco e potencializar esses movimentos respeitando o verdadeiro protagonismo de cada causa.
Fora do trabalho, onde é possível te encontrar? Gosto de andar na praia, de correr à beira-mar, de nadar. A imensidão das águas me devolve à pequenez de ser humana e isso diminui também qualquer problema. O mar é o meu principal refúgio quando estou diante das agitações e o meu principal parceiro nas calmarias da vida.
Quais seus planos pessoais e profissionais? Ser artista independente no Brasil é um plano que ainda não se acabou. Preciso me manter atenta, estudando pra aquecer as ideias, assistindo à cena artística e me situando no espaço-tempo. Isso faz parte do meu trabalho, mas carrego esta vontade pra vida. Não consigo desvincular o meu fazer artístico do meu fazer político-social e sempre volto minha atenção para isso. Meus próximos projetos no teatro estão nos pontapés iniciais e no cinema haverá o lançamento de dois longas-metragens que contam com minha participação no elenco. “Quando eu me encontrar”, de Michelline Helena e Amanda Pontes e “Estranho Caminho”, de Guto Parente, serão exibidos ainda este ano.
Fotos @Nicolasgondim
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