FITNESS: PERSONAL TRAINER ENSINA COMO TRABALHAR EM CIMA DA DOR

Por Márcia Dornelles  

Conheci o Matheus Pessoa na academia onde frequento em um momento de fragilidade física, onde lutava para me recuperar de uma lesão nos dois joelhos. Entre exaustivas sessões de fisioterapia, acupuntura e consultas ao ortopedista, eu tentava não deixar de me exercitar também na academia, mas esta era a parte mais difícil, pois as dores me impediam de realizar o treino. Sentia-me muito frustrada e desanimada e já estava quase desistindo da academia quando passei por uma avaliação com o Matheus. De forma bem criteriosa ele foi estudando o meu caso e criou um programa de treino especial pra mim, dentro das minhas limitações e de acordo com o laudo médico. Eu aprendi como desafiar a dor e hoje me sinto recuperada. Aqui neste bate papo Matheus nos conta um pouco sobre seu método de trabalho.

Matheus, como você começou a trilhar o caminho da Educação Física? Sempre gostei de esportes e fui muito ativo fisicamente, porém a Educação Física não foi minha primeira opção. Em 2013, insatisfeito com a graduação que fazia, decidi prestar o vestibular novamente. Passei e, no ano seguinte, comecei a cursar o bacharelado em Educação Física pela UERJ. 

Qual sua formação e quais as experiências que você considera de mais destaque até aqui? Sou bacharel em Educação Física. Considero todas as experiências que tive desde a graduação muito importantes na minha trajetória até aqui. Porém, duas em especial acredito que trouxeram mais aprendizado: a primeira quando fazia parte do Laboratório de Fisiopatologia do Exercício da UERJ como bolsista de Iniciação Científica durante a graduação e a segunda quando fui colaborador em um estúdio referência de tratamento de dor no RJ.

Você se considera um especialista em treinar pessoas que estão com lesões temporárias? Não tenho especialização na área, mas considero que possuo experiência acima da média com esse público. Minha abordagem de treinamento e direcionamento de estudos pende muito para o lado da biologia evolutiva e normalmente meu foco é no público que busca aderência ao planejamento de treino. Na minha prática diária, observo que grande parte desse público evade da prática do exercício/atividades física devido a algum tipo de dor, que pode ou não ter relação direta com lesão. Para isso, sinto a necessidade de sempre me atualizar acerca dos diferentes tipos de dor. 

Como foi sua experiência quando você viveu no próprio corpo as dores de uma lesão grave no joelho?  Como você se recuperou? Tive duas lesões num curto espaço de tempo no joelho direito. Na primeira, praticando Jiu Jitsu, rompi o ligamento cruzado anterior, o que não me afastou da rotina. Na segunda, cerca de 2 a 3 meses depois, praticando Judô, lesionei o menisco e a cartilagem e foi onde meu mundo desabou. Não conseguia pisar no chão devido a dores intensas e precisei fazer uso de muletas por um bom tempo, até minha operação e também um bom tempo no pós-operatório. Perdi grande quantidade de massa magra e funcionalidade na perna afetada, precisando inclusive “reaprender” a marcha. Precisei de muitas sessões de fisioterapia, treinamento e principalmente paciência para voltar à minha funcionalidade.

Qual a importância do aluno contar com um profissional capacitado com técnicas funcionais, fisioterapia e musculação como ferramentas de reabilitação? Sem dúvida é essencial. Hoje, pela literatura científica, já é esclarecido que a dor possui mecanismos fisiológicos distintos e é de extrema importância o entendimento dessas vias diferentes pelo profissional capacitado para o direcionamento correto do tratamento para a dor do paciente. Além disso, a integração entre os profissionais das diversas áreas da saúde nesse direcionamento é de importância ímpar para um resultado efetivo.

O professor às vezes precisa ser psicólogo? O psicólogo capacitado sem nenhuma dúvida tem muito mais conhecimento em sua área de atuação. O que posso dizer é que acredito que qualquer profissional que lide diretamente com pessoas deve saber escutar seu paciente. Acredito que apenas através dessa escuta ativa, principalmente quando tratamos de pacientes dolorosos, é que pode ser iniciada uma aliança terapêutica e sem ela o objetivo fica muito mais difícil de ser alcançado.

De que forma você aplica conhecimentos que passam antes pela mente do aluno para refletir no corpo? Gosto de explicar o caminho que iremos traçar para alcançar os objetivos secundários e primários e ouvir do paciente/cliente o que ele pensa sobre. Tenho a bagagem teórico/prática, mas acredito que o planejamento deva ser o mais horizontal possível, com o paciente/cliente sendo ativo na maior parte do tempo, o trabalho tem que fazer sentido para o atendido. 

Quais são os maiores desafios para o aluno que tem medo da dor, como superar esta fase? Acredito que seja possível vislumbrar a própria melhora. A dor por si só, dependendo da intensidade, já é incapacitante o suficiente, retirando de certa forma a autonomia do indivíduo e afastando o mesmo, aos poucos, das coisas que gosta de fazer. O retorno gradual a essas atividades, por mais que pareça muito difícil num primeiro momento, é de total importância para a eficácia do tratamento.

Você desenvolveu um estilo próprio para treinar pessoas a se auto desafiar? Como funciona isso na prática? Gosto muito da abordagem do uso de tarefas envolvendo o movimento humano dentro do treinamento, onde uso muito da biologia evolutiva a meu favor. Nosso corpo se adaptou por milhões de anos à resolução de tarefas complexas e possuímos uma estrutura basicamente inalterada em relação aos nossos ancestrais da mesma espécie, por mais que a usemos de maneira completamente diferente a eles. Não faço pouco caso dos exercícios tradicionais das academias, mas acredito que nós, profissionais da saúde, poderíamos explorar mais essa capacidade tão rica que nosso corpo permite de nos movimentarmos e resolver problemas. Não criei essa abordagem, mas muitas vezes exige muita criatividade e entendimento do objetivo final para criar caminhos mais adequados à individualidade e o momento de cada paciente.

Muitas pessoas com idade mais avançada sentem vergonha de buscar ajuda. Julgam ser  tarde demais para começar do zero, o que você tem que dizer sobre isto? Nunca é tarde para buscar um estilo de vida mais ativo fisicamente, com certeza absoluta. Sem dúvida alguns objetivos demandam um pouco mais de tempo, mas a melhora na qualidade de vida e bem-estar podem ser sentidas muito rapidamente e com certeza trarão benefícios, independente do momento da vida. 

Quais as três regras básicas para ter sucesso no treino? Aderência; focar no processo e não no objetivo final; paciência.Qual a importância de inserir aeróbico no programa de treino? Existem tantos benefícios que se tornaria um pouco extenso falar de todos, então diria que os que considero principais são o melhor funcionamento cardiovascular, ativação da nossa “farmácia endógena” (muito importante no tratamento da dor) e melhora na função cognitiva. Os dois últimos citados podem ser observados seus benefícios após uma única sessão!