Razão e sensibilidade poderia ser claramente o subtítulo para definir bem a carreira do diretor José Alvarenga Jr. O apuro técnico e a realidade das cenas que compõe uma gravação e a sensibilidade que toca e emociona são características claras quando se observa a gama de trabalhos executados, com maestria, de Alvarenga. Seja num filme dos Trapalhões ou num seriado denso como Mulher, ou numa comédia dramática do filme/seriado Divã. Em cada um dos seus trabalhos um cuidado em se obter o melhor. Seja do drama à comédia. Seu mais recente sucesso vem das telas com Cilada.Com. Mas Alvarenga vai além de tudo isso, da sua paixão pelo Botafogo à realização com seus filhos. Razão e sensibilidade andam de mãos dadas na vida e na carreira desse grande diretor.
01 – No Brasil é muito comum diretores de cinema iniciarem suas carreiras na publicidade. Por que? O mercado de publicidade é mais amplo que o de cinema. O Brasil produz poucos filmes e filmar no Brasil é muito caro. Já o mercado publicitário é mais dinâmico e precisa de novidades o tempo todo.
02 – No que difere o trabalho do diretor ao dirigir para cinema, TV e publicidade? Na publicidade o diretor trabalha para um cliente que tem um produto, e este produto é o protagonista. Na televisão o diretor trabalha com personagens, mas conta suas estórias com urgência, já que esse programa vai ao ar poucos dias depois. No cinema o diretor depura mais a sua narrativa, pois tem mais tempo para realizá-la. Pra mim que transito nas três áreas cada uma é apaixonante e me proporciona desafios.
03 – Até onde o diretor interfere na obra, seja num filme publicitário, numa série, novela ou filme cinematográfico, há um limite ou como diretor ele pode tudo? A interferência é total, pois essa é a personalidade artística do diretor. Ao invés de usar a palavra interferência eu prefiro usar a palavra parceria. Na minha opinião a inteligência de compreender todas as parcerias envolvidas numa obra é o que faz essa obra ser especial. Pra mim é claro que muitas cabeças pensam melhor que uma.
04 – Como foi isso de prever que seu time do coração, o Botafogo, ia ser campeão carioca de 2010 através de um adesivo no filme “A Princesa Xuxa e os Trapalhões”? Algum dia gostaria de “dirigir” o Botafogo? (risos)
Foi uma feliz coincidência. Quando eu fiz aquele filme em 1988, o Botafogo, uma de minhas grandes paixões,estava há vinte anos sem ganhar um titulo.Como eu era muito zoado por isso e já não agüentava mais tanta gozação,imaginei que no futuro ,que era a época em que se passava o filme,eu estaria livre de tanta zoação.Em 2010,vinte e dois anos depois daquela brincadeira, por incrível que pareça o botafogo foi campeão.Para muitos botafoguenses virei profeta!!!
05- Você é responsável por diversos filmes dos Trapalhões, é divertido dirigir essa galera, há muitos momentos de descontração pela temática e principalmente, pelas palhaçadas do Renato Aragão? Era sempre divertido sim. Os caras eram tudo de bom. Eu fiz cinco filmes dos trapalhões. Na época eu não tinha filhos, mas imaginava que estava fazendo os filmes pros meus filhos assistirem no “FUTURO”. Há 1 ano atrás mostrei os filmes em DVD pros meus três filhos. Eles riram muito e me emocionei com as risadas deles por saber que há 26 atrás eu tinha tomado as decisões certas.
06 – O filme “Cilada.com” está batendo recordes e chegando a 2 milhões de espectadores nas salas de cinema. Você esperava por tudo isso? O que tem significado pra você? A gente já esperava chegar aos dois milhões sim. Durante 2 anos trabalhamos duro nesse roteiro lapidando cada piada para essas piadas pudessem levar o publico as gargalhadas. Fazer um público gargalhar não é fácil. Na maioria das comedias você ri, mas não gargalha. No CILADA.COM todas as situações cômicas são originais e não piadas requentadas. Criar uma piada cinematográfica é difícil e nos exige muito, pois o publico quer experimentar coisas novas sempre.
07 – Bruno Mazzeo com certeza é um bom motivo para assistir ao “Cilada.com”. Além dele o que você aponta como sendo a grande razão para esse sucesso? O “Cilada.com” é uma comedia maiúscula. É um super show de rock do riso.
08 – Você dirigiu muitas séries de comédia, rir é mesmo o melhor remédio?Rir é sinal de saúde mental. O riso aproxima as pessoas, é agregador. Acredito também que usando o riso como veiculo para as idéias, você atravessa preconceitos e coloca as pessoas em outros lugares que elas normalmente não estariam ou até evitariam.
09 – Uma das maiores séries de sucesso da Globo, dentro da comédia, sem dúvida é “Os Normais”. A que se deve esse sucesso além do perfeito casamento entre texto, atores e direção? Até porque já tivemos a mesma composição de sucesso e o resultado não foi tão significativo? Os Normais eram tudo o que as pessoas precisavam viver no inicio dos anos 2000. As pessoas já esperavam de algum jeito por aquilo. Falar de transgressão, de sexualidades, de doideras com tanto bom gosto e inteligência era raro na dramaturgia Brasileira. Lá fora já rolava FRIENDS, SEIFELD, MAD ABOUT YOU e aqui só tínhamos o bom SAI DE BAIXO que era um formato já testado na FAMILIA TRAPO. Os Normais junto com a Grande família instauram de vez os SITCONS na TELEVISÃO BRASILEIRA.
10 – Existe um padrão ou algo em comum (além de todos serem de Fernanda Young e Alexandre Machado) entre “Os Aspones”, “Minha Nada Mole Vida”, “Separação?!” e mais recentemente “Macho Men”? Padrão não há. Eu, o Alexandre Machado e a Fernanda Young temos uma necessidade visceral de renovação e de sair do lugar comum. O que nos une é o desejo de realizar seriados inteligentes, engraçados e que sejam desafiadores para nós mesmos.
11 – “Força Tarefa” vai para sua 3a temporada e é sua primeira série de ação, com um tom mais pesado. Era um desejo seu sai um pouco da comédia e pegar um trabalho mais denso? Como está encarando essa volta da série? Eu sou apaixonado por cinema e series de todos os gêneros. Fiz comedias de sucesso, mas também dirigi dramas de qualidade como o seriado MULHER. Fazer séries policiais também mexe com as minhas curiosidades artísticas. Eu faço o que eu gosto de ver. O “Força Tarefa” é um trabalho de alto nível e que pouco a pouco vai formando um publico que já tem orgulho de acompanhar um seriado policial Brasileiro. Pro ano que vem pretendo levar meu olhar para outras paisagens e vou me envolver num projeto de suspense e terror.
12 – Você acredita que na mesma proporção que o Brasil exporta e influencia no mercado internacional de novelas, os EUA estão influenciando a maneira de fazer seriado? Sempre foi assim. Os seriados Americanos conquistaram o mundo há mais de 70 anos. Quando eu era menino eu consumia vorazmente JENIE É UM GENIO, A FEITICEIRA, KOJAK, BONANZA, RIM TIMTIM, KUNG FU, ETC… . O nosso desafio é entender as nossas identidades culturais e misturá-las com a qualidade técnica tão presente nos seriados americanos.
13 – Curte algum seriado americano? Qual? O que tem de especial pra te agradar? Curto muito SOUTH PARK pela irresponsabilidade artística e na vida que muitas vezes nos faz falta. Curto também Mad Men porque me faz refletir sobre um passado não tão distante onde varias idéias foram plantadas e que hoje colhendo os frutos dessas idéias, percebemos que os frutos são amargos.
14 – De todos os personagens que você já dirigiu e ajudou a criar tem algum que você se identifica ou gostaria de interpretar por uma vez que fosse? Eu me identifiquei muito com o personagem que o SELTOM Melo fez nos Aspones. Um cara que como todos nós cria um mini reino pra se sentir Rei de si mesmo.
15 – “Macho Men” seria mais uma crítica ao mundo do homem machão ou uma crítica ao mundo “afetado” do gay? Macho Man é o espaço vivo e debochado entre esses dois mundos.
16 – Dirigir o seriado “Divã” ajudou a entender melhor as mulheres? O que nem divã salva no universo feminino? Divã foi um mergulho meu pelo universo feminino. Mais do que entender as mulheres, o que é impossível, eu quis ficar o mais próximo possível desse universo para curti-lo. Divã foi a realização de uma paixão pela personagem Mercedes tão brilhantemente interpretado pela LILIA CABRAL.
17 – Costuma-se dizer que o cinema brasileiro é uma promessa…será que ela já não passou dessa fase e hoje podemos dizer que ele é uma realidade? Todo o ano o cinema Brasileiro apresenta Blockbosters. Essa cinematografia brasileira é cada vez mais plural e está consolidando pouco a pouco um publico que vai se sentindo atraído pelo nosso cinema. É muito entusiasmante perceber que não seremos soterrados pelo hegemônico e atraente cinema americano.
18 – O que você ainda não fez na TV e no cinema que gostaria de realizar? O que seria uma satisfação pessoal? Todos os meus trabalhos me geraram uma satisfação pessoal enorme, aliás, é por isso que os realizo. Certamente há uma quantidade infinita de mundos que ainda quero explorar artisticamente tanto no cinema quanto na TV. É essa curiosidade que é a minha maior motivação.
Por Ande Porto e Nadezhda Bezerra
Fotos Arquivo pessoal / Divulgação / Reprodução