Estrada, vento na cara, ronco do motor. Nenhum outro produto representa também o a alma do mito americano quanto a Harley-Davidson. Em 2013, ao completar 110 anos de vida, a H-D, como também é conhecida, cada vez mais representa o espírito rebelde que tem mexido com cada geração por que passa. As famosas motos de Milwaukee se tornaram referência mundial de qualidade, design, história e, mais do que tudo, liberdade.
Talvez quando o desenhista Bill Harley e o escultor Arthur Davidson colocaram um pequeno motor em um quadro de bicicleta, no quintal de casa, tentando impulsioná-la, queriam apenas se divertir e criar um meio de transporte único. Mas era o começo de uma era, galgada nos passos da revolução industrial, que levaria todo o mundo a almejar um automóvel ou uma motocicleta na garagem. A Harley-Davidson fundara o mercado de motocicletas e nele se estabeleceria com uma identidade jamais alcançada ou copiada por qualquer outro concorrente.
E como foi essa história? Não vamos falar de motos ainda, mas de acontecimentos. Durante onze décadas capítulos foram se sucedendo para transformar uma fábrica de motocicletas em uma das marcas mais admiradas e valiosas do mundo. A Harley-Davidson passou por tudo o que o século XX trouxe de mais espetacular: a Grande Depressão, as duas Grandes Guerras, a Revolução Contracultural e a Globalização. E de cada episódio desses, construiu um pouco do seu legado.
Em menos de uma década, os sócios Harley e Davidson – que trouxeram parentes próximos e competentes para a empreitada – transformaram seu pequeno invento em uma indústria crescente e promissora. E não tardou para surgir um grande cliente que redefiniria a história da empresa: o Exército Americano. Era 1917, e os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial; um contrato de fornecimento de motos para os soldados renderia dinheiro, mas sobretudo uma publicidade espontânea e marcante. O primeiro soldado americano a entrar na Alemanha rendida foi fotografado em cima de uma Harley-Davidson. Maior símbolo da vitória da nação não poderia existir. Os americanos ganharam a guerra, com a ajuda da H-D. E uma fotografia era a prova inconteste.
Mas o sucesso não seria tão duradouro. O ano de 1929 chegara, e a quebra da Bolsa de Valores de Nova York quase representou falência da Harley (e de quase toda a América). Operações financeiras complexas e transferência tecnológica para os japoneses acabaram salvando a empresa, que via seus concorrentes fecharem as portas. Um susto e tanto, para um negócio já muito bem consolidado.
Uma década de reestruturação dos negócios se passou e mais uma vez seu grande cliente o procurou. O Pentágono encomendaria noventa mil motos para a campanha na Europa durante a Segunda Guerra Mundial – as fábricas trabalharam quase que exclusivamente nesse período para os militares. Robustas e bem construídas, as WLA3 cumpriram seu bravo papel no conflito, mas dessa vez não foi uma foto que entrou para a história, e sim o comportamento dos soldados. Após voltarem para casa, muitos soldados queriam ter sua própria Harley-Davidson, e a moto alcançou uma popularidade até então não vista. Como o pós-guerra representa uma virada cultural intensa, a segunda metade do século XX vê os grupos de motoqueiros virarem arruaceiros nas grandes cidades americanas, embalados pelo ritmo frenético do novíssimo Rock and Roll.
Mais uma vez a fotografia entra na vida da Harley-Davidson. Agora em dose dupla. Estampada na revista Life, a foto de um jovem bêbado, rodeado de garrafas de cerveja vazias e montado em sua motocicleta H-D, representava o desvio de conduta da juventude. E mais, uma ameaça direta à marca, uma vez que era indissociável a imagem do péssimo comportamento a motoqueiros, à Harley-Davidson. Um problema e tanto para se resolver. Talvez tenha ajudado uma outra foto. Na capa de uma revista, aparece o grande artista da época, Elvis Presley, com seu topete indefectível também montado em sua motocicleta Harley. A tragédia das gangues para a marca ganha uma nova conotação. A Harley-Davidson deixa de ser uma moto e passa a representar comportamento.
O século chegara à metade e com ele a Harley. Na Guerra do Vietnã não foi protagonista nos campos de batalha, mas em casa, nos Estados Unidos. A contracultura pregava o desamarre das pessoas aos sistemas, e a moto das gangues arruaceiras passou a representar o que viria a ser o seu maior patrimônio conceitual: a liberdade. Pilotar uma Harley-Davison pelas estradas significava virar as costas para um sistema predatório e viver a plenitude da vida. Vento nos cabelos, caminhos errantes e a viagem sendo mais importante que o destino marcaram definitivamente uma geração. O filme Sem Destino, estrelado por Peter Fonda, ajudou a cristalizar essa imagem, da qual não há indícios ainda de que vá ser mudada.
O que mais faltava acontecer à Harley-Davidson neste século? Terminá-lo, claro! E com ele veio a revolução tecnológica e a globalização dos mercados. A Harley, um símbolo americano, se torna um objeto de desejo no mundo inteiro. As motos de design arrojado e motores pulsantes carregam em si conceitos, o que a fazem ser admiradas por onde fincam suas rodas. Nos quatro cantos do planeta, a marca Harley-Davidson se espalha, não só em forma de motores, mas de assessórios, vestuário, decoração e uma infinidade mais de produtos.
Passados 110 anos, quem compra uma moto Harley-Davison não está à procura de um meio de transporte. Antes, é o seu estilo de vida que está em jogo. Horas de trabalho e dinheiro são gastos na customização de motos. Comunidades são formadas para viver o espírito aventureiro nas estradas. São homens muitas vezes atarefados nos dias úteis, que não podem se dar o luxo de largar tudo e montar na sua moto e errar pelo mundo, como fizeram seus antecessores, mas que esperam ansiosos os fins de semana para viver o que a Harley-Davidson mais representa: a Liberdade.
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