Os primeiros passos Guido Stütz na hotelaria foram dados no ano de 1988, quando ainda era aluno do Colégio Alemão do Porto/Portugal e começou a estagiar durante as férias de verão, na cozinha do Sheraton Porto. Nessa época, o chef era o Hélio Loureiro, que durante anos foi o Chef da Seleção de Portugal. Logo no início Guido comentou com o chef que, junto com seu pai, colecionava livros da Nouvelle Cuisine, foi quando começaram a ter conversas sobre essa cozinha, especialmente por conta do pedido do chef a Guido – que ele traduzisse receitas de seus livros, escritas em alemão. A partir de então, toda noite, quando chegava em casa, Guido traduzia as receitas e, no dia seguinte, as levava para o chef. No final, Guido tinha traduzido receitas de quase 20 livros.
Ao final do estágio, o hotel o convidou para ajudar em um festival de culinária alemã, que aconteceria em breve. Guido diz acreditar que, tanto o estágio, como seu trabalho desenvolvido durante o festival, foram determinantes para sua contratação pelo Sheraton Frankfurt, um hotel com mais de 1000 quartos, 56 salões de banquetes e 8 restaurantes, nessa época. Era a melhor base para começar uma carreira profissional, um ano depois. Logo a seguir, começou a estudar gastronomia/hotelaria – tinha que frequentar a Escola de Hotelaria/Gastronomia e, paralelamente, dar conta da prática, uma vez que tinha de aprender um “ofício” trabalhando em um hotel e estudar a teoria na escola, ao mesmo tempo. Era puxado, longe da família, mas isso o ajudou a amadurecer.
Depois de receber o Diploma de Cozinheiro Professional, o que em muitos países chamam de “chef”, Guido seguiu adquirindo experiências. Entre 1993 e 1995, trabalhou no Sheraton Salzburgo, ao lado de um dos melhores chefs da Áustria nessa época – o Chef Josef “Pepe” Illinger. Em 1995, cruzou a Atlântico para pisar em Buenos Aires, como chef do Restaurante Gourmet do Sheraton Buenos Aires, logo depois como Chef do Park Tower. No ano de 1998, foi promovido a Chef para esses dois hotéis. Em 2004, novo desafio – participar da abertura do novo Sheraton Assunção como Chef e Diretor de Alimentos e Bebidas, onde ficou por 2 anos. Depois vieram 4 anos na Cidade do México na marca Sheraton e, 4 anos no Rio de Janeiro, primeiro como Diretor de A&B no Sheraton Grand Rio e depois como Subgerente Executivo do Sheraton Barra. No início do 2014, foi transferido para Recife com a tarefa de abrir o Sheraton Reserva do Paiva, antes de começar a Copa do Mundo, quando recebeu o primeiro hóspede pagante, no dia do primeiro jogo do Brasil.
Mas como surgiu esse interesse pela gastronomia/hotelaria? Curiosidade, paixão, vocação… uma mistura natural. Em casa, adorávamos a hospitalidade. Meus pais adoravam cozinhar, convidar aos amigos à casa e compartilhar um bom jantar. Nos finais de semana, eu sempre os acompanhava ao mercado para comprar produtos frescos. O que mais me fascinava, era ver como esses produtos mudavam de cor e consistência, ao passar pelo processo de forno/panela. Para mim, era algo mágico. Meus pais sempre me diziam que, algum dia, eu iria cair dentro de uma das panelas, porque eu sempre gostava de ver o que estava dentro delas.
Um certo dia, lembro bem, a “experiência” começou. Eu tinha 3 anos. Era uma segunda feira, depois de haver almoçado uma lebre em molho de vinho tinto no domingo. Como eu tinha uma lebre de pelúcia, era o momento ideal de reproduzir a receita dos meus pais. Fiquei esperando que a minha mãe saísse ao jardim para estender a roupa lavada e, nesse momento, me meti na cozinha, liguei o forno, peguei sal e alguns condimentos que tinha observado que meus pais haviam utilizado no dia anterior e, coloquei a lebre em cima da panela quente. Me sentei no chão, esperando “que a carne tomasse uma boa cor, antes de virar a mesma” (como meus pais explicavam). Conseguia ver a fumaça saindo mas, nesse momento entrou a minha mãe assustada e perguntando o que estava fazendo. Ainda hoje, ela comenta que, ao apagar o forno, eu explicava a ela que ainda faltava um pouco mais de fogo para que a carne tenha uma boa cor… porém ela não entendia… Bom, essa lebre de pelúcia ainda existe. Está guardado num armário na casa da minha mãe, na Alemanha.
Essa experiência não me impediu de seguir cozinhando e, numa época, meus pais saíam bastante de viagem a negócios. Éramos três em casa: minha irmã, meu irmão e eu, o caçula. Como meus irmãos não gostavam de cozinhar, essa tarefa era minha (não precisava limpar a cozinha). Então, como meus pais, nós começamos a convidar aos nossos amigos, e eu cozinhava para eles. Se pensar bem, que confiança tinham nossos pais com nós! Era outra época.
Qual sua formação? Alguma especialização? Eu me formei em hotelaria na Alemanha – recebi o diploma de cozinheiro profissional (com muito orgulho). Há mais de 30 anos, não existia o famoso curso de chef. Ao meu entender, nem deveriam oferecer esses cursos de apenas 2 anos para ser chef. Na vida real e profissional, um chef é o Chef de Cuisine. É a autoridade máxima, com muitos anos de experiência, que dirige uma cozinha e uma brigada de vários cozinheiros. Não existe um chef que, depois de estudar 2 anos de gastronomia, possa estar preparado para dirigir uma orquestra na cozinha. Mas bom, esta é apenas minha humilde opinião.
O importante é a base de estudo/educação que cada um de nós recebeu, é seguir capacitando-se continuamente, realizar cursos adicionais, participar de workshops e atualizar-se sobre as novidades da nossa indústria. Há alguns anos fiz Pós-graduação em Hotelaria na Cornell University (“Certificate of Hospitality Management”) e sou Six Sigma Green Belt.
Para um alemão, como é morar há tanto tempo aqui no Brasil? O que foi mais difícil e mais fácil na adaptação? De certa forma, ter vivido em vários países me ajudou bastante a me adaptar rápido. Cheguei com minha família ao Brasil no ano de 2010. Vivemos 4 anos no Rio de Janeiro e há quase 5 anos estamos em Recife. Nós adoramos o Brasil – as pessoas, o clima, a comida, a praia, o futebol, a cervejinha. Aqui sabem curtir a vida! Como passei uma parte da minha infância no Porto, não tive grandes problemas com a língua. Porém, tinha estado 15 anos contínuos em países que falam o espanhol. Então, o meu português era bem portuñol. O que é difícil aqui no Brasil? A burocracia. Tudo que envolva documentação, informação, visto e autorizações.
Antes de chegar ao Recife/Brasil, você passou por vários países como Áustria, Portugal, Paraguai, Argentina e México. O quanto as diferenças culturais influenciam nos resultados? Existem normas básicas, mas o que fica mais adaptável? As diferenças culturais são enormes e, precisa de certo tempo para se adaptar. Primeiro, precisa viver e sentir o país para poder entender melhor como tudo funciona. Um país é como um grande banquete. Um entra no salão, olha, se serve, prova e depois decide o que gostou e o que não gostou. O que mais gostaste, voltas a te servir. O que não gostaste, não te sirvas mais. Para cada pessoa que vem de outro País/Continente, encontra um certo choque Cultural ao início. Não existe uma receita padrão que pode ou deve aplicar. Tem que buscar as habilidades de cada cultura para integrar, poder definir as metas, para obter os melhores resultados.
Com esses anos de experiência, que mudanças significativas você tem observado no mercado hoteleiro? Sou da geração que utilizava pouca tecnologia Muita coisa era homemade, feita em casa. Reservas feitas por telefone, por fax, pelo famoso Telex. Os orçamentos eram feitos em planilhas de papel, lápis e borracha. As chaves dos quartos eram enormes e incômodas e ainda não existiam as produções industriais para a gastronomia. Enfim, se hoje em dia cai um sistema operativo de um hotel, muitos associados estariam totalmente perdidos, sem saber o que fazer.
Mas a hotelaria deu um salto enorme nos últimos 15 a 20 anos, especialmente nos Estados Unidos e Europa, com companhias aéreas e hoteleiras oferecendo Programas de Fidelidade, incentivando as pessoas a viajar mais, companhias expandindo para outros países, companhias fusionando-se. Hoje em dia, tudo é automatizado.
Em geral, o mundo dos negócios tem sofrido mudanças em ritmo muito rápido com tendências positivas, tanto no nível econômico como no nível social e novas tecnologias que vêm sendo desenvolvidas. Se há poucos anos, tinha que ir a uma agência de viagens para comprar voo e hotel (e com antecipação). Hoje em dia, isso pode ser feito em poucos segundos online.
Quais as principais mudanças, ou adaptações, que os hotéis devem ficar atentos para atender o hóspede de hoje em dia? O que há poucos anos era um luxo, hoje em dia é um serviço básico que todos os hotéis devem oferecer – uma internet potente. Nenhum hóspede pode ficar “desconectado”, ele precisa ter acesso as suas redes sociais forma rápida. E mais importante do que ter Internet, é ter um serviço de qualidade, pois, oferecer um serviço de Internet lenta pode deixar o hóspede muito mais irritado do que ele ficaria sem ter o serviço.
Adicionalmente, temos que prestar atenção a nossa infraestrutura e instalações. É importante termos serviços com uma boa infraestrutura para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Ter um hotel com instalações e apartamentos bem adaptados para PCD, é uma questão de respeito ao cliente. Outra mudança – cada vez mais os hóspedes viajam com animais de estimação (Pet Friendly hotel). Com uma sobreoferta hoteleira, os hotéis precisam destacar-se em serviços essenciais como limpeza, conforto, tratamento personalizado, boa oferta gastronômica e ter um Programa de Fidelidade atrativo e poderoso para que a “experiência do hospede” seja digna de voltar.
Como você enxerga o mercado hoteleiro no Brasil atualmente? Depois de vários eventos globais no Brasil (Copa do Mundo, Olimpíadas etc.) e a crise econômica do país, o mercado hoteleiro tem sido afetado negativamente, apresentando uma sobreoferta de quartos que enxugou as tarifas. É muito difícil entender como Portugal, um país de apenas 10 milhões de habitantes, consegue receber quase 15 milhões de turistas estrangeiros ao ano e o Brasil não chega a receber nem a metade desse público internacional. E depois de estar há quase 9 anos no país, eu posso afirmar que o Brasil é um país maravilhoso, com muita cultura, muitos lugares lindos, até difícil fazer um ranking dos top 10. O Brasil tem tudo para duplicar a quantidade de turistas internacionais
Como é Guido como hóspede? O que você não admite e o que te encanta quando é hóspede? Depende muito da situação, do destino, da categoria. É bem difícil me encontrar num hotel de luxo à beira da praia, prefiro ir a uma pousada mais simples. Como família, adoramos explorar cidades e países e, por isso, busco a praticidade – um bom hotel para dormir, nada mais. Claro que tem que ter certos padrões, como segurança, mas não precisa ter o luxo máximo. Cada 2 ou 3 anos, fazemos viagens em motorhome – o luxo para mim nesse caso, é uma boa experiência.
Mas se vou a um hotel 5 estrelas, aí sim, comparo tudo com os padrões de instalação e de serviço que um cliente nos exige. Como hóspede, gosto que me surpreendam, gosto de ser reconhecido, que as pessoas conheçam minhas preferências. Cada vez que vou à Alemanha, fico por uma noite no Sheraton Frankfurt, ao lado do aeroporto. Lá, já sabem, sou fanático por aviões e sempre me colocam num quarto com vista para as pistas de decolagem e aterrizagem. E quando entro no quarto, as cortinas já estão abertas, com uma carta “bem-vindo a vossa casa, curta a vista”. Não é lindo, isso?
Admito quase tudo, menos desonestidade… Posso aceitar erros. Errar é humano e, na hotelaria, trabalham muitos seres humanos (graças a Deus). E o ser humano não é uma máquina. No dia a dia de um hotel temos muitas interações entre hóspedes e funcionários do hotel. Nem tudo pode ser perfeito. Erros acontecem e podem ser corrigidos. Mas o que não posso aceitar, são falhas que vêm acompanhadas com explicações do porquê o erro aconteceu.
Para relaxar, o que faz sua cabeça? Adoro passar o tempo com a família e os amigos. Adoro fazer churrascos (que aprendi a fazer na Argentina), cozinhar (segue sendo uma das minhas paixões) e fazer os meus próprios defumados caseiros. Me encanta jogar futebol, um dos objetivos para o ano que vem é praticar um pouco mais de esportes para poder jogar mais de uma pelada por semana com meus amigos e colegas (lá na arena do Sheraton Paiva). E quando tenho um tempo a mais, conecto-me ao meu flight simulator para voar pelos diferentes lugares do mundo.