Dizem que somente quando uma árvore se estende até a copa da floresta é que suas raízes se fincam mais profundamente no solo. E que somente quando um homem se aventura além de suas fronteiras é que sente em seu íntimo onde está o lar ao qual pertence. Dizem que um espírito livre é aquele capaz de encontrar-se, a si mesmo, em qualquer parte do mundo, a qualquer tempo. Um espírito livre é um viajante, um cidadão do mundo; alguém capaz de percorrer os sete mares e todos os seus continentes com uma entrega de quem pertence à natureza e a si mesmo mais do que a qualquer outra regra, entidade ou instituição. Um espírito livre é capaz de abraçar seus rumos, aventurar-se neles e, por fim, dizer: “Se voltasse no tempo e tivesse que escolher, tomaria o mesmo destino.” Assim disse Francisco José.
Nascido no Crato (CE) e criado em ambiente inteiramente rural, Chico costumava andar a cavalo desde os seus dois anos de idade, cinco anos a menos do que tinha ao perder seu pai. Aos dez, mudou-se para o Recife junto com a mãe, cujo segundo marido era um pernambucano que os apresentou à cidade adotada como novo lar. Da época, as memórias de uma juventude bem vivida reforçam seu apego às origens sertanejas, mesmo que hoje esteja há décadas vivendo à beira do mar. Foi com a capital pernambucana que Francisco José atou seus laços mais fortes. “Viajo o mundo inteiro, mas sempre volto para a minha cidade [o Recife]. Aqui é que estão a família, os amigos e um povo que me trata com muita consideração”, declara. Foi no Recife que deu início aos estudos na área do Direito, na Universidade Católica de Pernambuco, e onde descobriu a paixão que permearia todas as diretrizes de sua vida: o Jornalismo.
“Quando comecei a estudar Direito na Unicap, a graduação para jornalista ainda não existia, mas eu já sentia que o Jornalismo estava no meu sangue, por vocação”, recorda Chico, que hoje acumula 48 anos de carreira na profissão. “Eu não tinha muitas pretensões, mas, desde cedo, senti que me realizaria como repórter”, conta, “e nunca me arrependi dessa decisão.” Aos vinte e dois anos, o jovem Francisco conseguiu seu espaço no Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, que considera ter sido sua verdadeira faculdade. “Lá, tive os melhores professores”, explica, “como Aramis Trindade, Ronildo Maia Leite, Carlos Garcia, Wladimir Calheiros e outros verdadeiros mestres.” Nesse início de carreira, Chico era repórter esportivo: foi responsável por uma coluna diária e enviado pelo Jornal do Commercio a duas Copas do Mundo de futebol.
Na linha do tempo de seu currículo jornalístico, houve um hiato entre sua passagem pelo Jornal do Commercio e sua chegada à Rede Globo, onde está há 38 anos. Nesse intervalo, Chico aventurou-se no universo da Publicidade, tendo sido moldado pelas mãos icônicas de Severino Queiroz Cavalcanti, mítico publicitário pernambucano, falecido ano passado. “Ele foi o maior publicitário em Pernambuco de todos os tempos”, recorda Chico, com nostalgia e orgulho, “com quem trabalhei na então Abaeté Propaganda, atual Ampla.”
AVENTURAS PELO MUNDO
Uma vez instalado, em 1976, na Rede Globo Nordeste, Francisco José já estava moldado como profissional. Entregou-se, sem ressalvas, ao exercício da profissão que abraçou como sua. Os cinco anos acadêmicos na faculdade de Direito ficaram para trás e deram lugar a um futuro arrebatador. Na lista completa de feitos jornalísticos estão seis Copas do Mundo, duas Olimpíadas Mundiais, Guerra das Malvinas, mais de vinte anos somados de trabalhos na selva amazônica, mergulhos nos sete mares, gravações nas regiões ártica e antártica, além de 89 edições do Globo Repórter. “Se eu tivesse que destacar alguns trabalhos, citaria as últimas expedições: Okavango e Bahamas, séries do Fantástico”, diz Chico, “além do Globo Repórter sobre os índios Enawenê Nawê.” Esta última, evidentemente, não poderia ser deixada fora do hall de seus feitos mais especiais: foi a única reportagem da televisão brasileira a ser finalista do Prêmio Emmy, o Oscar da Televisão Mundial, em 2013. Para gravá-la, Francisco José e sua equipe passaram trinta e dois dias imersos no estilo de vida da tribo indígena, isolados na selva e adaptados aos costumes e rotina locais.
Dada a sua trajetória notável no jornalismo brasileiro, Francisco já recebeu propostas para atuar como correspondente internacional. A negativa, porém, é determinada: “Morar mesmo, somente no Recife. Ninguém me tira da minha cidade”, sentencia ele, mesmo admitindo já ter percorrido lugares de imensa beleza e cenários paradisíacos. E os roteiros futuros não têm previsão de fim: Chico pretende manter-se na ativa como profissional por tanto tempo quanto for possível. Os próximos destinos, inclusive, já estão sendo estudados. “Recebi recentemente, na redação do Fantástico, três sugestões de pauta: cidades submersas da China, naufrágios da II Guerra Mundial na Micronésia e tubarões brancos”, diz, “todas bastante atraentes.” Como repórter, entretanto, ele tem um compromisso pendente com o Globo Natureza: gravar mais uma edição do Globo Repórter nos sertões nordestinos. Isso é prioridade. “Ainda me realizo em trabalhar na minha região”, salienta.
Casado há vinte e três anos com a também jornalista Beatriz Castro, Francisco José conta sempre com as recomendações da esposa antes de cada viagem longa ou de cada cobertura arriscada. “Há sempre uma frase de despedida antes de cada partida, quando ela me diz: vai com Deus, tem cuidado e volta logo, que nós estamos te esperando”, fala. O incentivo profissional é mútuo e a admiração também. O entendimento das rotinas é facilitado e a convivência pessoal, enriquecida. Chico se confessa o maior admirador da repórter com quem se casou: “Além de ser linda, Beatriz é uma grande profissional.”
Pai de quatro filhos – Marianne, também jornalista, Carolinne, advogada, Carla Beatriz, estudante de Arquitetura, e André Felipe, jornalista residente nos Estados Unidos – e avô de quatro netos, Chico se orgulha de seu clã e busca nele suas forças e inspirações. “Minha família é a razão primordial da minha vida”, declara, “me dá apoio e carinho, é a maior fonte de inspiração que alguém pode ter.” Nas contas da vida, o jornalista soma inúmeros amigos e diz não ter cultivado inimizades. Lista ainda quatorze irmãos e trinta e seis sobrinhos: “adoro todos.” E se desmancha apaixonado ao mencionar a companheira Beatriz. Não há como não se envolver no sentimento que emana de seu discurso sobre ela. “Minha mulher é maravilhosa”, diz com palavras que sorriem, “ela é minha realização pessoal, minha paixão, eterna companheira, minha musa inspiradora. Vou amá-la sempre.”
Sobre o ofício que o levou a cruzar oceanos e continentes, Francisco José aconselha os recém-chegados ao Jornalismo: “Eles escolheram uma das profissões mais difíceis. A concorrência entre os recém-formados é muito grande. O mercado de trabalho está escasso. São poucas as empresas jornalísticas. E conseguir uma vaga que seja compensadora é quase missão impossível. Mas quem tem talento e se dedica de corpo e alma ao jornalismo, termina vencendo. Portanto, procurem vencer!” No panorama atual das comunicações, ele reconhece o potencial das redes sociais, mas faz questão de destacar os níveis de idoneidade a tradição que somente os grandes veículos da imprensa atingiram. “As redes sociais jamais vão alcançar a credibilidade dos órgãos de imprensa. Na internet, por exemplo, as pegadinhas e boatos são constantes. Não se sabe o que é verdade quando não há uma fonte responsável. Já os noticiários e a programação das emissoras de rádio e televisão, bem como os jornais e as revistas, estarão sempre à frente, com a seriedade de informar”, pondera. E sobre a modernização e os dilemas tecnológicos e de modelo de produção enfrentados na área, acrescenta: “Todos os grandes órgãos de imprensa estão adotando mídias alternativas, acompanhando a força das redes sociais. Os portais estão aí!”
E ainda no tema futuro, quando perguntado sobre onde se vê daqui a dez anos, o premiado – nordestino, viajado, familiar, acessível, maduro e de espírito livre – Francisco José declara prontamente: “Me vejo velhinho, passando a maior parte do tempo na nossa casa em Porto de Galinhas. Quando não puder mais mergulhar em Noronha ou em áreas de naufrágios, ficarei nas piscinas naturais. Sempre perto do mar. E visitando a nossa redação, apenas para encher a paciência dos meus amigos, como faço hoje.” Frases de quem deu a volta ao mundo sem deixar de reconhecer onde fincou o seu lugar.